DOENÇAS HEPÁTICAS - Geografia (2024)

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Sabrynna Sales 25/11/2024

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APRENDIZADO BASEADO EM 2000 TRANSPLANTES DE FÍGADODOENÇAS HEPÁTICASPresidente da RepúblicaJair Messias BolsonaroMinistro da EducaçãoVictor Godoy VeigaUNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFCReitorProf. José Cândido Lustosa Bittencourt de AlbuquerqueVice-ReitorProf. José Glauco Lobo FilhoPró-Reitor de Planejamento e AdministraçãoProf. Almir Bittencourt da SilvaIMPRENSA UNIVERSITÁRIADiretorJoaquim Melo de AlbuquerqueCONSELHO EDITORIAL DA UFCPresidenteProf. Paulo Elpídio de Menezes Neto ConselheirosJoaquim Melo de AlbuquerqueFelipe Ferreira da SilvaMaria Pinheiro Pessoa de AndradeJosé Edmar Ribeiro da SilvaProfª. Ana Fátima Carvalho FernandesProf. Guilherme Diniz Irffi Prof. Paulo Rogério Faustino MatosProfª. Sueli Maria de Araújo CavalcanteHuygens Garcia · Cyntia VianaEDITORESAPRENDIZADO BASEADO EM 2000 TRANSPLANTES DE FÍGADODOENÇAS HEPÁTICASFortaleza 2022Doenças hepáticas: aprendizado baseado em 2000 transplantes de fígadoCopyright©2022 by Huygens Garcia, Cyntia Viana (Editores). Todos os direitos reservadosImpresso no Brasil / Printed in BrasilImprensa Universitária da Universidade Federal do Ceará (UFC)Av. da Universidade, 2932, fundos – Benfi ca – Fortaleza – CearáCoordenação editorialIvanaldo Maciel de LimaRevisão de textoLeonora Vale de AlbuquerqueNormalização bibliográfi caPerpétua Socorro Tavares GuimarãesProgramação visual, Diagramação e Capa Valdianio Araújo MacêdoCatalogação na FonteBibliotecária Perpétua Socorro T. Guimarães CRB 3 801–98 Doenças hepáticas: aprendizado baseado em 2000 transplantes de fígado./ Editores: Huygens Garcia, Cyntia Viana. – Fortaleza: Imprensa Universitária, 2022.542 p.: il.ISBN: 978-65-88492-99-41. Transplante – fígado 2. Doenças hepáticas I. Garcia, José Huygens Parente II. Viana, Cyntia Ferreira Gomes IV. Título CDD: 617 SOBRE OS EDITORESJosé Huygens Parente GarciaProfessor Titular de Cirurgia Digestiva da Faculdade de Me-dicina da Universidade Federal do Ceará; Chefe do Serviço de Cirurgia Digestiva e Transplante Hepático do Hospital Universitário Walter Cantidio da UFC; Coordenador do Programa de Transplante Hepático do Hospital São Carlos; Presidente da ABTO – Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (2020-2021). Cyntia Ferreira Gomes VianaGastroenterologista pela Universidade de São Paulo, Ribei-rão Preto; Mestre em Ciências Médicas pela Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto; Coordenadora do Ambula-tório de Transplante de Fígado do Hospital Universitário Wálter Cantidio.SOBRE OS AUTORESAlberto Hil Furtado Jr.Médico Intensivista da UTI Clínica do HUWC-UFC; Mé-dico Intensivista da UTI Pós-operatória do Hospital Leo-nardo da Vinci SESA-CE; Professor de Terapia Intensiva da UniChristus.Adalgisa de Souza Paiva FerreiraProfessora Titular de Gastro-Hepatologia do Curso de Me-dicina da Universidade Federal do Maranhão (UFMA); Chefe do Serviço de Gastroenterologia do Hospital Univer-sitário da UFMA.Alexia Rangel de Castro Graduanda em Medicina pela Universidade Federal do Ce-ará (UFC); Membro da Liga de Transplante Hepático e Ci-rurgia do Aparelho Digestivo (LITHECAD).Alice Albuquerque FigueiredoMédica pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR.Amaury de Castro e Silva Filho Cirurgião do Aparelho Digestivo; Cirurgião dos Serviços de Transplante de Fígado do HUWC/UFC e do Hospital São Carlos.Ana Beatriz Almeida da CunhaAcadêmica de medicina do Centro Universitário ChristusAna Clemilda Marques XimenesCirurgiã do aparelho digestivo; Cirurgiã do Hospital Esta-dual Leonardo da Vinci; Membro do Serviço de Transplante Hepático do Hospital São Carlos.Ana Larisse Veras Bezerra Residência em Clínica Médica pelo Hospital Santa Casa de Misericórdia de Sobral; Residente de Gastroenterologia do Hospital Universitário Walter Cantídio.Ana Neyla Martins da MotaResidência de Clinica Médica Hospital Geral Waldemar de Alcântara; Residência de Gastroenterologia no Hospital Universitario Walter Cantideo (HUWC-UFC).Ana Rosa Pinto QuiduteProfessora adjunta da Faculdade de medicina da Univer-sidade Federal do Ceará; Mestre em ciências medicas pela FMRP-USP; Doutorado em farmacologia clinica pela UFC; Endocrinologista do HUWC/UFC.Anna Yáskara Cavalcante Carvalho de Araújo Enfermeira da Central de Transplantes do Estado do Ceará e da UTI pós-operatória do Instituto Dr José Frota; Espe-cialista em Terapia Intensiva pelo Programa de Residência Multipro# ssional do HUWC/UFC; Mestre em Ensino na Saúde pela Universidade Estadual do Ceará – UECE.Antônio Haroldo de Araújo Filho Hepatologista do Serviço de Transplante Hepático do HUWC/UFC; Mestre em Ciências Médico-Cirúrgica pelo Departamento de Cirurgia da UFC.Ariane Lima dos SantosGraduanda em Medicina pela Universidade Federal do Ce-ará (UFC); Membro da Liga de Transplante Hepático e Ci-rurgia do Aparelho Digestivo (LITHECAD).Bartolomeu Alves Feitosa NetoEnfermeiro Especialista em Transplante de Órgãos e Tecidos pela Universidade Federal do Ceará – UFC; Perfusionista da Captação de Multiplos Órgãos e Tecidos; Membro do Serviço de Transplante de fígado do HUWC/UFC.Ben-Hur Ferraz-NetoProfessor livre docente pela Universidade de São Paulo, Mestre e Doutor em cirurgia pela UNICAMP e University of Birmingham, Presidente da ABTO – Associação Brasi-leira de Transplantes de Órgãos (2010-2011), Consultant Surgeon, University Hospital Birmingham, Birmingham, UK (2014-2015).Bruna Freitas AguiarMédica graduada pela UFC; Residência de Clínica Médica pelo HUWC/UFC.Camilla Bezerra Bastos Limeira Residência Médica em Clínica Médica e Gastroenterologia; Título de especialista em Hepatologia pela Associação Médica Brasileira (AMB); Professora de Gastroenterologia e Hepa-tologia do Centro Universitario Christus.Carla Meneses Azevedo Alves de PinhoMédica graduada Unichristus; Residencia de Clinica Médica Hospital Waldemar de Alcantara; Residencia de Gastroente-rologia no HUWC/UFC.Carlos Eduardo Lopes SoaresGraduando em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (UFC); Membro da Liga de Transplante Hepático e Cirurgia do Aparelho Digestivo (LITHECAD). Caroline Celestino Girão NobreResidente em Transplante Hepático HUWC / UFC; Cirur-giã do Aparelho Digestivo pelo HUWC/UFC; Cirurgiã Ge-ral pelo Instituto Dr. José Frota.Claudia Maria Costa de OliveiraMédica Nefrologista do Serviço de Transplante Renal do HUWC-UFC; Doutora em Ciências da Saúde pela Uni-versidade Federal do Rio Grande do Norte; Professora de Nefrologia do Centro Universitário Christus; Coordenadora do Mestrado em Ensino na Saúde e Tecnologias Educacio-nais da Unichristus.Clébia Azevedo de Lima Especialista em Enfermagem Medico-Cirúrgica; Enfermeira Coordenadora do Ambulatório de Transplante Hepático do HUWC/UFC.Clóvis Rêgo CoêlhoEspecialização em Radiologia Abdominal e Pélvica no Insti-tuto de Radiologia da Universidade de São Paulo; Membro Titular do Colégio Brasileiro de Radiologia; Radiologista do HUWC/UFC.Crislene Santos de Oliveira BrasilResidência em Clínica Médica pelo HUWC/UFC; Residente de Gastroenterologia do HUWC/UFC.Cyntia Ferreira Gomes VianaGastroenterologista pela Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto Preto; Mestre em Ciências Médicas pela Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto; Especialista em Endoscopia Diges-tiva pela Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva; Médica do Serviço de Transplante de Fígado do HUWC/UFC.Daniel Duarte Gadelha Endocrinologista do Centro Especializado de Atenção ao Diabético e Hipertenso (CEADH) Anastácio Magalhães (SMS-Fortaleza); Preceptor do Ambulatório de Diabe-tes, Dislipidemia, Síndrome Metabólica e Transplante do HUWC/UFC; Doutorando da Rede Nordeste de Biotecno-logia (RENORBIO)/ Universidade Federal do Ceará .Danni Wanderson Nobre Chagas Gastroenterologista e endoscopista Medico da Unidade de Gastroenterologia do HUWC/UFC.Darius F. MirzaProfessor of Hepatobiliary and Transplant Surgery, Univer-sity Hospital Birmingham and Birmingham Childrens Hos-pital, Birmingham, UK.Denissa Ferreira Gomes de Mesquita Mestre em Cirurgia pela Univerdidade Federal do Ceará; Médica-Cirurgiã dos Serviços de transplante de Fígado do HUWC/UFC e do Hospital São Carlos.Denise Menezes BrunettaDoutora em ciências médico-cirúrgicas pela Faculdade de Medicina da UFC; Mestre em Ciência Médicas pela Facul-dade de medicina de Ribeirão Preto USP; Hematologista e Hemoterapeuta do HUWC/UFC.Diego de Castro dos Santos Neurologista e Neuro( siologista pela Universidade de São Paulo (USP); Especialista em Distúrbios do Movimento, To-xina Botulínica e Estimulação Cerebral Profunda pela USP; Eletroneuromiogra( a e Doenças Neuromusculares pela USP; Membro Titular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e da Sociedade Brasileira de Neuro( siologia Clínica (SBNC).Diego Santiago Braga de CarvalhoMédico Anestesiologista do Serviço de Transplante Hepático do HUWC/UFC; Médico Anestesiologista do Instituto Dr. José Frota.Dirk Schreen Médico Intensivista do Serviço de Transplante de Fígado do HUWC/UFC e Hospital São Carlos, Fortaleza; Doutor em Cardiologia pelo Incor-HCFMUSP; Especializado em Me-dicina Intensiva e Cardiologia pelo HCFMUSP.Duílio Reis da Rocha FilhoMestre e Doutor em Oncologia pelo AC Camargo Cancer Center; Chefe da Unidade de Oncologia do HUWC/UFC; Professor Visitante da Pós-Graduação em Patologia da Uni-versidade Federal do Ceará.Elam Vasconcelos de AquinoCirurgião do aparelho digestivo pela UNIFESP; Cirurgião de transplante de fígado e pâncreas pela UNIFESP; Cirur-gião do serviço de transplante hepático do HUWC /UFC; Cirurgião do serviço de cirurgia geral – IJF.Eliana Régia Barbosa de Almeida Mestre em Clínica médica pela Universidade Federal do Ce-ará; Coordenadora da Central Estadual de Transplantes do Estado do Ceará; Membro do Departamento de coordenação de transplante da Associação Brasileira de Transplantes de Ór-gãos –ABTO; Médica nefrologista do Instituto Dr. José Frota.Elodie Bom" m HyppolitoProfessora Assistente da Universidade de Fortaleza; Mestre em Ciências Médicas pela FMRP-USP; Titular em Hepa-tologia pela SBH; Membro da Equipe de Transplante de Fí-gado do HUWC/UFC; Coordenadora do Ambulatório de Hepatites - HSJ-SESA-CE.Erika Vasconcelos Vidal Pinheiro Farmacêutica do Ambulatório de Transplante do HUWC/UFC.Evelyne Santana Girão Doutora em Doenças Infecciosas pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP); Infectologista do HUWC/UFC; Infectologista do Hospital São José.Fabrizio Gondim Gurgel Ramalho LimaMédico pela UNICHRISTUS; Residência em Clínica Mé-dica pelo HUWC/UFC; Médico residente de Gastroentero-logia do HUWC/UFC.Felipe Guedes BezerraMédico pela Universidade Estadual do Ceará – UECE; Re-sidência de Clínica Médica pelo Hospital Geral Dr. César Cals – HGCC; Residente de Nefrologia do HUWC/UFC.Fernanda Pimentel Arraes Maia Acadêmica de Medicina 8° Semestre da UFC campus Sobral; Monitora do Grupo de Estudos em Oncologia (GEEON).Fernando Antonio Siqueira PinheiroProfessor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Me-dicina da UFC; Chefe da Unidade de Cirurgia de Esôfago, Estômago e Obesidade do HUWC/UFC; Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva; Especialista em Ci-rurgia Digestiva e Videolaparoscopia pelo Hospital Édouard Herriot da Universidade Claude Bernard, Lyon, França.Francisco José Cândido da SilvaMédico Infectologista pelo Hospital São José de Doenças Infecciosas – HSJ.Fred Olavo Aragão Andrade CarneiroGastroenterologista pela Universidade Federal do Ceará; Especialista em CPRE e Ecoendoscopia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; Doutor em Gastroenterologia pela Faculdade de Me-dicina da Universidade de São Paulo; Médico endoscopis-ta do Hospital Universitário Walter Cantídio; Professor da Disciplina de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará.Glaydson Assunção PonteMédico Infectologista; Chefe do Serviço de Controle de In-fecção Hospitalar do Hospital São Carlos, Fortaleza; Chefe do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar do Instituto Dr. José Frota; Chefe do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Antônio Prudente; Especialista em Doenças Infecciosas pelo Hospital São José, Fortaleza. Gustavo Rêgo CoelhoProf. Adjunto do Departamento de Cirurgia da Universi-dade Federal do Ceará-UFC; Mestre e Doutor em Cirur-gia pela UFC; Cirurgião Assistente do Hospital Geral de Fortaleza; Membro do Serviço de Transplante Hepático do HUWC/UFC e Hospital São Carlos.Heloísa Vidal Alves PereiraEspecialista em gestão de serviços de urgência e emergência; Enfermeira assistencial do ambulatório de transplante hepá-tico do HUWC/UFC.Hércules Amorim Mota SegundoMédico formado na UFC; Residência de Clínica Médica pelo HUWC/UFC.Humberto de Freitas Campos CostaMedico Intensivista do Serviço de Trasplante de Figado do Hospital São Carlos, Fortaleza; Especializado em Nefrologia pelo Hospital Felicio Rocho, Belo Horizonte.Iandra Freire de OliveiraGraduanda em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (UFC); Membro da Liga de Transplante Hepático e Cirurgia do Aparelho Digestivo.Ingrid de Almeida CostaResidência em Clínica Médica pelo Hospital Geral de Fortaleza (HGF); Residente de Gastroenterologia do HUWC/UFC.Isabele de Sá Silveira MeloMédica assistente do serviço de Gastroenterologia do HUWC/UFC; Membro Titular da Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG).Ítalo Cordeiro MoreiraCirurgião do Aparelho Digestivo pelo HUWC/UFC; Ci-rurgião Geral pelo Hospital Getúlio Vargas, Recife-PE.Ivens Filizola Soares MachadoCirurgião Geral pelo Instituto Doutor José Frota (IJF); Ci-rurgião do Aparelho Digestivo pelo HUWC/UFC; Pós-gra-duação em Cirurgia Minimamente Invasiva e Robótica pelo Centro Universitário Christus (Unichristus).João Batista Gadelha de CerqueiraProfessor Associado de Urologia da Faculdade de Medicina da UFC; Cirurgião do Serviço de Transplante Renal do HUWC/UFC.João Batista Marinho VasconcelosCirurgião do Serviço de Transplante Hepático do HUWC/UFC e Hospital São Carlos.João Ivo Xavier RochaFellowship em Transplante Hepático Pediátrico - Hospi-tal Sirio Libanês – SP; Titular e Especialista pelo Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva; Residência em Trans-plante Hepático e Cirurgia do Aparelho Digestivo pelo HUWC/UFC.Joelma Aurélio de Sousa SantosGastroenterologista pela Universidade Federal do Ceará; Médica Residente de Endoscopia Digestiva do Hospital Ge-ral de Fortaleza.José Alberto Dias Leite Filho Cirurgião do Aparelho Digestivo pelo HUWC/UFC; Mes-tre em Cirurgia pela Universidade Federal do Ceará - UFC; Membro do Serviço de Transplante Hepático do Hospital São Carlos.José Francisco Rêgo e Silva FilhoCirurgião do Aparelho Digestivo; Médico do serviço de ci-rurgia geral do Hospital Universitário Walter Cantidio; Ci-rurgião Assistente do Hospital e Maternidade Zilda Arns; Membro do Serviço de Transplante Hepático do HUWC/UFC e Hospital São Carlos.José Huygens Parente GarciaProf. Titular do Departamento de Cirurgia da UFC; Chefe do Serviço de Cirurgia Digestiva e transplante de fígado do HUWC/UFC; Chefe do Serviço de transplante hepático do Hospital São Carlos; Presidente da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO) no biênio 2020/2021.José Milton de Castro LimaProfessor Titular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará - Área de concentração Hepatologia; Dou-tor em Gastroenterologia pela Escola Paulista de Medicina.José Telmo Valença JuniorProfessor Associado II da Universidade Federal do Ceará; Doutor em Anatomia Patológica pela UNICAMP - Campi-nas, São Paulo; Médico patologista da equipe de transplante hepático do HUWC/UFC; Observership em transplante he-páticono King’s College de Londres; Observership em trans-plante renal no laboratório Arkana, Little Rock, Arkansas.Karla Brandão PereiraResidência em Clínica Médica, Gastroenterologia e Endos-copia Digestiva Alta (HUWC - UFC); Título de Especia-lista em Gastroenterologia (FBG) e Hepatologia (SBH); Médica Hepatologista do Centro de Transplante de Fígado do HUWC/ UFC.Kátia Suelly Ferreira AmorimEspecialista em enfermagem do trabalho; Enfermeira as-sistencial do ambulatório de transplante hepático do HUWC/UFC.Kevyn Alisson Nascimento GurgelGraduando em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (UFC); Membro da Liga de Transplante Hepático e Cirurgia do Aparelho Digestivo.Leandro Régis Melo AlvesEnfermeiro Especialista em urgência e emergência; Enfermei-ro especialista em terapia intensiva; Enfermeiro assistencial do ambulatório de transplante hepático do HUWC/UFC.Lívia Melo Carone LinharesMédica hepatologista do Serviço de Transplante Hepático do HUWC/ UFC; Doutora em Gastroenterologia pela Fa-culdade de Medicina da Universidade de São Paulo.Lúcio Côrtes dos AnjosHepatologista do Serviço de Transplante Hepático do HUWC/UFC; Professor do Curso de Medicina da Universidade de For-taleza (UNIFOR); Mestre em Gastroenterologia Clínica pela Universidade de São Paulo (USP – São Paulo); Especialista em Hepatologia e Membro Titular da Sociedade Brasileira de He-patologia; Especialista em Gastroenterologia pela Federação Brasileira de Gastroenterologia.Luis Eduardo Veras Pinto Mestre em Cirurgia pela Universidade Federal do Ceará - UFC; Cirurgião assistente do serviço de Aparelho Digestivo e Transplante Hepático do Hospital Universitário Presidente Dutra – UFMA.Leda Fátima Rocha Miranda Especialista em Enfermagem Medico-Cirúrgica; Enfermei-ra Assistencial do Ambulatório de Transplante Hepático do HUWC-UFC.Louyse Teixeira de Souza Freitas Enfermeira Residente em Transplantes de Órgãos e Tecidos do HUWC/UFC.Luciana Maria de Barros CarlosHematologista e Hemoterapeuta; Mestre em saúde da criança e do adolescente pela Universidade Estadual do Ceará; Di-retora geral do Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará; Responsável técnica pela Agência Transfusional do Instituto Dr. José Frota; Professora convidada do curso de medicina da faculdade Unichristus.Luiz Gonzaga Porto PinheiroProfessor Doutor - PROPAP; Pós-Graduação, Departamen-to de Cirurgia, FAMED-UFC; Presidente do GEEON- Ins-tituto de Pesquisa em Oncologia, FAMED- UFC; Presidente da Sociedade Cearense de CancerologiaManoel Odorico de Moraes FilhoProfessor Titular de Farmacologia Clínica do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará; Pesquisador do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará.Manuela Montenegro Dias de Carvalho Endocrinologista do Centro Especializado de Atenção ao Diabético e Hipertenso (CEADH) Anastácio Magalhães (SMS-Fortaleza); Preceptora do Ambulatório de Diabe-tes, Dislipidemia, Síndrome Metabólica e Transplante do HUWC/UFC.Marcelo Lima Mont´Alverne RangelAnestesiologista do HUWC/UFC); Coordenador da anes-tesia em transplante hepático do HUWC/UFC; Anestesista do Serviço de Transplante hepático do Hospital São Carlos – Fortaleza.Marcellus Henrique Loiola Ponte de SouzaEspecialista em Endoscopia digestiva pela Sociedade Brasi-leira de Endoscopia Digestiva; Especialista em Gastroentero-logia, pela Federação Brasileira de Gastroenterologia- FBG.Doutorado em Clínica Médica; Livre-Docência em Gastro-enterologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP; Professor Visitante senior na Queen Mary University of London; Professor de Farmacologia Clínica e Gastroente-rologia da Universidade de Federal do Ceará.Marcelo de Castro LimaResidente de Medicina da Família e Comunidade; Planto-nista da Emergência do Hospital São Carlos.Marcos Aurélio Pessoa Barros Cirurgião do Serviço de Transplante de Fígado do HUWC/UFC; Cirurgia Oncológica pelo Instituto Nacional do Cân-cer/ RJ; Mestrado e Doutorado em Ciências medico cirúrgico pela Universidade Federal do Ceará.Maria Carolina Nunes Albano de MenesesResidência de Clinica Médica pelo HUWC/UFC; Residente de Gastroenterologia do HUWC/UFC).Maria Edna de Sousa CardosoMestre em Ciências Médicas pela UFC; Especialista em Fi-sioterapia Cardiorrespiratória pela Unifor; Fisioterapeuta do ambulatório de Transplante de Fígado do HUWC /UFC.Maria Elisabete Amaral de Moraes Professora Titular de Farmacologia Clínica do Departamen-to de Fisiologia e Farmacologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará; Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos da Facul-dade de Medicina da Universidade Federal do Ceará.Maria José E! gênia Maia Nascimento Mestre em Avaliação de Políticas Públicas pela UFC; Espe-cialista em Preceptoria em saúde pela UFRN; Especialista em Saúde da Família pela UECE.Maria José Nascimento FlorMestre em Ciências Médico-Cirúrgicas; Especialista em en-fermagem médico-cirúrgica; Enfermeira assistencial do am-bulatório de transplante hepático do HUWC/UFC.Marilia Ferreira Gomes GarciaResidência de Clínica Médica e Gastroenterologista pela UNIFESP. Fellow em transplante hepático pelo Hospital Is-raelita Albert Einstein –São Paulo.Miguel Angelo Nobre e SouzaProfessor Associado do Departamento de Medicina Clínica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará; Chefe da Unidade de Gastroenterologia e Cirurgia Digestiva do Hospital Universitário da UFC/EBSERH.Pablo Eliack Linhares de Holanda Especialista em infectologia pelo Hospital São José.Patrícia Carvalho Bezerra Fisioterapeuta do HUWC/UFC e do Instituto Doutor José Frota; Especialista em Fisioterapia Cardiorrespiratória pela UNIFOR; Mestra em Ciências Médico-Cirúrgicas pela UFC.Paulo Everton Garcia CostaCirurgião assistente do serviço de cirurgia do aparelho di-gestivo e transplante hepático do HUWC UFC; Mestre em Cirurgia pela Universidade Federal do Ceará – UFC;Membro Associado do Colégio Brasileiro de Cirurgia He-pato Pancreato Biliar – CBCHPB; Membro da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos – ABTO.Paulo Ribeiro Nóbrega Supervisor da residência médica em Neurologia do HUWC/UFC; Neurologista pela USP com especialização em Neu-rogenetica pelo HC/FMUSP; Mestre em Ciências médicas pela UFC.Rafaela Tavares NóbregaGraduada em psicologia pela Universidade Federal do Ceará; Residência em Psicologia Hospitalar pelo HUWC / UFC; Es-pecialista em Preceptoria em Saúdepela Universidade Federal do Rio Grande do Norte; Psicóloga do Serviço de Transplante Hepático e Preceptora do Programa de Residência Multipro-) ssional do HUWC/UFC.Ramon Rawache Barbosa Moreira de LimaCirurgião do Aparelho Digestivo; Professor da Faculdade de Medicina Unichristus; Cirurgião Assistente do Hospital e Maternidade Zilda Arns; Membro da Equipe de Transplante Hepático do Hospital São Carlos.Ranna Caroline Bezerra SiebraMédica Assistente do serviço de Gastroenterologia HUWC/UFC.Raquel Lima Sampaio Especialista em Clínica Médica pelo Hospital Geral de For-taleza; R3 em Clínica Médica pelo Hospital Geral Dr. César Cals; Mestre em Biotecnologia pela UECE; Preceptora do Internato e Residência do Instituto Dr. José Frota – IJF.Regina Célia Ferreira Gomes GarciaNefrologista dos Serviços de Transplantes renal e hepático do HUWC/UFC; Nefrologista do Hospital São Carlos.Renan Bezerra de OliveiraMédico pelo Centro Universitário Unichristus; Cirurgião Ge-ral pela Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza (SCMF); Re-sidente de Cirurgia do Aparelho Digestivo do HUWC/UFC.Renan Magalhães Montenegro JúniorEndocrinologista; Professor Associado da Faculdade de Me-dicina da Universidade Federal do Ceará (UFC); Doutor em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP); Pesquisadordo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Obe-sidade e Diabetes, Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientí& co e Tecnológico (CNPq); Coordenador do Ambu-latório de Diabetes, Dislipidemia, Síndrome Metabólica e Transplante do HUWC/UFC.Ricardo Leite de Aquino Radiologista Intervencionista no HUWC/UFC; Coordena-dor do Serviço de Radiologia Intervencionista do Hospital Geral de Fortaleza.Roberto da Justa Pires NetoMédico infectologista, professor Associado do Departa-mento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC); Membro do quadro permanente de professores do Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da FAMED/UFC; Membro Titular da Sociedade Brasileira de Infectologia. Rodrigo Vieira Costa Lima Gastroenterologista pela Universidade de São Paulo (USP); Hepatologista do HUWC/UFC; Membro Titular da Fede-ração Brasileira de Gastroenterologia (FBG); Membro Titu-lar da Sociedade Brasileira de Hepatologia (SBH); Professor da Faculdade de Medicina da UniChristus.Tarciso Daniel dos Santos da RochaEspecialista em Gastroenterologia pela FCM-UNICAMP; Especialista em Hepatologia pela FMUSP/SP; Hepatologis-ta do serviço de transplante de Fígado do HUWC/UFC.Virgínia Oliveira Fernandes Endocrinologista; Professora Adjunta da Faculdade de Me-dicina da Universidade Federal do Ceará (UFC); Doutora em Ciencias Médicas pela Universidade Federal do Ceará (UFC); Preceptora do Ambulatório de Diabetes, Dislipide-mia, Síndrome Metabólica e Transplante do HUWC.Vitor Teixeira Holanda Cirurgião do aparelho digestivo pelo HUWC/UFC; Cirur-gião do Serviço de Transplante Hepático do Hospital São Carlos; Cirurgião assistente do HUWC/UFC.Yago Sucupira AmaralMédico pela Universidade Federal do Ceará – UFC; Resi-dência de Clínica Médica pelo HUWC/UFC; Residente de Nefrologia do HUWC-UFC. SUMÁRIOPREFÁCIOSilvano Raia ............................................................................................. 29APRESENTAÇÃOHuygens Garcia ......................................................................................... 31SEÇÃO 1 – Pré-operatório, o transplante e o pós-operatórioCapítulo 1 – Transplante Hepático ExperimentalManoel Odorico de Moraes Filho, João Batista Marinho Vasconcelos e Maria Elisabete Amaral de Moraes ....................................................................... 35Capítulo 2 – Legislação e Transplante Hepático Eliana Régia Barbosa de Almeida, Anna Yáskara Cavalcante Carvalho de Araújo e Ana Beatriz Almeida da Cunha ............................................................... 45Capítulo 3 – Equipe Multipro# ssional no Transplante HepáticoClébia Azevedo de Lima, Erika Vasconcelos Vidal Pinheiro, Leda Fátima Rocha Miranda, Louyse Teixeira de Souza Freitas, Maria Edna de Sousa Cardoso, Maria José E% gênia Maia Nascimento, Patrícia Carvalho Bezerra, Rafaela Tavares Nóbrega ........................................................................................ 53Capítulo 4 – Avaliação Pré-anestésica no Transplante HepáticoMarcelo Lima Mont´Alverne Rangel, Antonio Rubens Cordeiro Filho, Roger Benevides Montenegro e Francisco Rômulo Sampaio Lira ............................. 67Capítulo 5 – Avaliação Pré-operatória e Inscrição em ListaKarla Brandão Pereira, Heloisa Vidal Alves Pereira, Leandro Regis Melo Alves e Kátia Suelly Ferreira Amorim .................................................................... 73 Capítulo 6 – Extração de Enxerto Hepático de Doador FalecidoJosé Francisco Rêgo e Silva Filho, José Alberto Dias Leite Filho, Bartolomeu Alves Feitosa Neto e Maria José Nascimento Flor .................................................. 85Capítulo 7 – Técnica Padrão do Transplante HepáticoMarcos Aurélio Pessoa Barros, Ana Clemilda Marques Ximenes e José Huygens Parente Garcia .......................................................................................... 93Capítulo 8 – Cuidados Intensivos no Pós-operatório ImediatoAlberto Hil Furtado Jr. e Dirk Schreen ..................................................... 103Capítulo 9 – Pós-operatório Tardio e ImunossupressãoKarla Brandão Pereira ............................................................................. 113SEÇÃO 2 – Principais indicações de transplante hepáticoCapítulo 10 – Falência Hepática Aguda Cyntia Ferreira Gomes Viana e Maria Carolina Nunes Albano .................. 127 Capítulo 11 – Cirrose Alcoólica Rodrigo Vieira Costa Lima, Danni Wanderson Nobre Chagas, Bruna Freitas Aguiar e Hércules Amorim Mota Segundo ................................................. 137Capítulo 12 – Cirrose por Vírus C Antônio Haroldo de Araújo Filho e Fabrizio Gondim Gurgel Ramalho Lima ... 145Capítulo 13 – Esteatohepatite não Alcoólica (NASH)Alice Albuquerque Figueirêdo, Ingrid de Almeida Costa e Lúcio Côrtes dos Anjos .. 151Capítulo 14 – Colangite Biliar Primária (CBP)Cyntia Ferreira Gomes Viana, Maria Carolina Nunes Albano de Meneses e José Telmo Valença Júnior ............................................................................... 159Capítulo 15 – Cirrose Biliar Secundária e Colangites de Repetição Carlos Eduardo Lopes Soares, José Francisco Rêgo e Silva Filho e José Huygens Parente Garcia ........................................................................................ 167Capítulo 16 – Colangite Esclerosante Primária (CEP)Marilia Ferreira Gomes Garcia, Camilla Bezerra Bastos Limeira, Duílio Reis da Rocha Filho e José Huygens Parente Garcia ............................................... 175Capítulo 17 – Hepatite Autoimune Karla Brandão Pereira e Ana Neyla Martins da Mota ............................... 183Capítulo 18 – Doença de Caroli Carla Meneses Azevedo Alves, Isabele de Sá Silveira Melo, Joelma Aurélio de Sousa Santos e Ranna Caroline Bezerra Siebra .......................................... 193Capítulo 19 – Polineuropatia Amiloidótica Familiar (PAF) e Transplante Dominó Paulo Ribeiro Nóbrega, Diego de Castro dos Santos, Cyntia Ferreira Gomes Viana e José Huygens Parente Garcia .................................................................. 201Capítulo 20 – Doença Hepática Policística Carlos Eduardo Lopes Soares, Ramon Rawache Barbosa Moreira de Lima e Gustavo Rêgo Coelho ............................................................................... 211Capítulo 21 – Hemangioendotelioma Amaury de Castro e Silva Filho, Vitor Teixeira Holanda e Kevyn Alisson Nascimento Gurgel .................................................................................. 223Capítulo 22 – Metástases Hepáticas de Tumor Neuroendócrino Carlos Eduardo Lopes Soares, Gustavo Rêgo Coêlho, Duílio Reis da Rocha Filho e Ana Rosa Pinto Quidute .......................................................................... 231Capítulo 23 – Síndrome de Budd Chiari João Batista Marinho Vasconcelos, Denise Menezes Brunetta e José Huygens Parente Garcia ........................................................................................ 241Capítulo 24 – Cirrose criptogênica Ingrid de Almeida Costa, Alice Albuquerque Figueiredo e Lúcio Côrtes dos Anjos .. 249Capítulo 25 – Hemocromatose HereditáriaCarla Meneses Azevedo Alves, Ana Neyla Martins da Mota, Marcelo de Castro Lima e José Milton de Castro Lima.......................................................... 257Capítulo 26 – EquinococoseAlexia Rangel de Castro, Elodie Bom( m Hyppolito e Gustavo Rêgo Coêlho .... 265Capítulo 27 – Transplante Pediátrico Denissa Ferreira Gomes de Mesquita e João Ivo Xavier Rocha ..................... 275SEÇÃO 3 – Situações especiais de transplante hepático Capítulo 28 – Carcinoma Hepatocelular Paulo Everton Garcia Costa, Clóvis Rêgo Coêlho, Ricardo Leite de Aquino e José Telmo Valença Junior .............................................................................. 287Capítulo 29 – Ascite RefratáriaTarciso Daniel dos Santos da Rocha e Joelma Aurélio de Sousa Santos ......... 297Capítulo 30 – Encefalopatia HepáticaLívia Melo Carone Linhares e Ana Larisse Veras Bezerra ............................ 305Capítulo 31 – Prurido IntratávelLívia Melo Carone Linhares e Ana Larisse Veras Bezerra ............................ 315Capítulo 32 – Transplante Hepático em Receptor com Trombose PortalJosé Huygens Parente Garcia, Carlos Eduardo Lopes Soares, Marcelo Lima M. Rangel e Clóvis Rêgo Coelho ..................................................................... 323Capítulo 33 – Transplante Hepático em Portador de HIVElodie Bom& m Hyppolito, Alexia Rangel de Castro, Roberto da Justa Pires Neto e Evelyne Santana Girão ............................................................................ 333Capítulo 34 – Transplante Combinado Fígado/rimAntônio Haroldo de Araújo Filho, Renan Bezerra de Oliveira, Regina Célia Ferreira Gomes Garcia e João Batista Gadelha de Cerqueira ....................... 341Capítulo 35 – Peritonite Encapsulante (Cocoon)Caroline Celestino Girão Nobre e Elam Vasconcelos de Aquino ................... 349Capítulo 36 – Obesidade Mórbida e Transplante HepáticoIvens Filizola Soares Machado; Marcos Aurélio Pessoa Barros; Fernando Antonio Siqueira Pinheiro e Iandra Freire de Oliveira ............................................ 355Capítulo 37 – Transplante Hepático em Pacientes Testemunhas de JeováCaroline Celestino Girão Nobre; Gustavo Rego Coelho e Denise Menezes Brunetta ................................................................................................. 363Capítulo 38 – Falência Hepática Crônica Agudizada (ACLF)Tarciso Daniel dos Santos da Rocha; Joelma Aurélio de Sousa Santos e Bartolomeu Alves Feitosa Neto .................................................................................... 369Capítulo 39 – Candidato a Transplante Hepático com Neoplasia Prévia em Outro Sítio Paulo Everton Garcia Costa; Luiz Gonzaga Porto Pinheiro; Kevyn Alisson Nascimento Gurgel e Fernanda Pimentel Arraes Maia ............................... 377Capítulo 40 – Transplante Interrompido por Fígado não Cirrótico Denissa Ferreira Gomes de Mesquita e Ivens Filizola Soares Machado ......... 385SEÇÃO 4 – Complicações após transplante hepático Capítulo 41 – Coagulopatia Peroperatória Amaury de Castro e Silva Filho; Elam Vasconcelos de Aquino e Diego Santiago Braga de Carvalho .................................................................................. 397Capítulo 42 – Trombose de Artéria Hepática José Huygens Parente Garcia; Luis Eduardo Veras Pinto e Denissa Ferreira Gomes Mesquita ................................................................................................ 405 Capítulo 43 – Trombose de Porta Precoce após Transplante HepáticoDenissa Ferreira Gomes de Mesquita e Ariane Lima dos Santos .................. 413Capítulo 44 – Transplante Hepático e Síndrome do Linfócito Passageiro Denise Menezes Brunetta e Luciana Maria de Barros Carlos ...................... 421Capítulo 45 – Infecções Bacterianas Evelyne Santana Girão; Pablo Eliack Linhares de Holanda e Francisco José Cândido da Silva .................................................................................... 427Capítulo 46 – Infecções FúngicasEvelyne Santana Girão; Pablo Eliack Linhares de Holanda e Francisco José Cândido da Silva .................................................................................... 435Capítulo 47 – Infecção por CitomegalovirusEvelyne Santana Girão; Pablo Eliack Linhares de Holanda e Francisco José Cândido da Silva .................................................................................... 441Capítulo 48 – Rejeição Celular Aguda José Telmo Valença Júnior e Lívia Melo Carone Linhares ............................ 449Capítulo 49 – Rejeição Crônica no Transplante HepáticoJoão Ivo Xavier Rocha e Ítalo Cordeiro Moreira ......................................... 457Capítulo 50 – Disfunção do Enxerto HepáticoDirk Schreen e Humberto de Freitas Campos Costa ................................... 465Capítulo 51 – Complicações Biliares Amaury de Castro Filho, Miguel Ângelo Nobre e Sousa, Marcellus Henrique Loiola Ponte de Souza e Fred Olavo Aragão Andrade Carneiro ................... 475Capítulo 52 – Pro$ laxia de Reinfecção e Hepatite de Novo pelo Vírus B Elodie Bom& m Hyppolito, Crislene Santos de Oliveira Brasil e Adalgisa de Souza Paiva Ferreira ......................................................................................... 487Capítulo 53 – Diabetes Melitus após Transplante HepáticoDaniel Duarte Gadelha, Virgínia Oliveira Fernandes, Manuela Montenegro Dias de Carvalho e Renan Magalhães Montenegro Júnior .......................... 497Capítulo 54 – Doença Renal Crônica após Transplante HepáticoYago Sucupira Amaral, Felipe Guedes Bezerra e Claudia Maria Costa de Oliveira .................................................................................................. 505 Capítulo 55 – Transplante Hepático e Covid 19Dirk Schreen, Glaydson Assunção Ponte e José Huygens Parente Garcia ....... 517Capítulo 56 – Neoplasias de Órgãos Sólidos de Novo após Transplante HepáticoCaroline Celestino Girão Nobre, Raquel Lima Sampaio e José Huygens Parente Garcia .................................................................................................... 525Capítulo 57 – Analise Crítica do Transplate Hepático pelo MundoBem-Hur Ferraz- Neto e Darius f. Mirza ................................................. 53329 PREFÁCIOEste livro evidencia a personalidade do seu autor e con! rma que nada resiste ao trabalho. Nos últimos 20 anos, sua liderança cirúr-gica no estado do Ceará foi capaz de modi! car conceitos históricos. Até há pouco predominava a noção de que a cirurgia de ponta somente poderia ser exercida no Brasil em alguns centros para os quais os pacientes eram transferidos à custa do SUS. Entretanto, graças a alguns pioneiros, como o Prof José Huy-gens Garcia, este conceito tem sido substituído por outro, motivo de orgulho para todos nós.De fato, em 2019, antes da pandemia, realizaram-se no Ceará 229 transplantes de fígado frente a uma necessidade estimada de 227 procedimentos. Nesse ano, essa meta foi também atingida somente no Distrito Federal, onde várias características regionais permitiram que fosse atendida a demanda de 74 transplantes de fígado/ano.Agora, comemorando 2000 transplantes de fígado realizados por sua equipe em Fortaleza, o autor apresenta, de forma exemplar, a experiência adquirida por sua equipe numa especialidade aceita como uma das mais complexas da cirurgia moderna.Em 56 capítulos, ricamente ilustrados, discutem-se aspectos gerais e as principais indicações desse procedimento, comentando particularidades dos casos mais raros. Essa realização deve constituir-se em estímulo para todos os que acreditam em um Brasil igualmente desenvolvido em todo seu território, preparado para participar dos fascinantes progressos previstos na área da medicina, em particular em relação ao trans-plante de órgãos.Silvano Raia3031APRESENÇÃOEm 18 de maio de 2002, realizamos, com sucesso, o primei-ro transplante hepático (TH) do Ceará, no Hospital Universitário Wálter Cantídio (HUWC) da Universidade Federal do Ceará. A partir de 2015, ultrapassamos a marca de 100 TH por ano e, em 2019, alcançamos o recorde com 163 TH.Em pouco tempo, houve uma inversão da migração. Pacientes de outros Estados das regiões nordeste e norte, que habitualmente eram encaminhados principalmente para São Paulo, passaram a ser transplantados no Ceará. Atualmente, cerca de 60% dos pacientes transplantados no serviço são procedentes de outros Estados.No dia 25 de agosto de 2021, atingimos a marca histórica de 2.000 transplantes hepáticos, realizados pela nossa equipe e as-sim distribuídos:1.341 no HUWC, 641 no Hospital São Carlos e 18 no Hospital São Camilo. Dezenas de artigos cientí* cos foram publicados em periódicos nacionais e internacionais, assim como dissertações de mestrado e teses de doutorado, a partir dos dados do serviço e seguindo o rigor da pesquisa clínica.Mas, faltava um livro prático, de leitura agradável, que fosse útil para estudantes, residentes, médicos e demais pro* ssionais da saúde.Temos a honra de apresentar esse livro, baseado em casos clínicos reais, composto por 57 capítulos, onde são abordadas as principais doenças hepáticas que podem evoluir com necessidade de transplante. De forma padronizada, os capítulos são compos-tos pela apresentação objetiva do caso, seguido de introdução com revisão da literatura abordando a doença especí* ca e, por * m, a discussão integrada. Esperamos assim, levar o conhecimento de forma aplicada, unindo o que há de mais atual na literatura, às di* culdades e surpre-32sas do mundo real, onde, por vezes, nos deparamos com um grande ponto de interrogação. A experiência acumulada em 2 mil trans-plantes nos traz um novo olhar para as doenças hepáticas. Nossa vocação acadêmica nos move a compartilhar esse conhecimento. Participam 105 colaboradores, incluindo cirurgiões, anes-tesiologistas, clínicos e equipe multipro� ssional. Não poderia ser diferente, uma vez que nosso fazer médico está em constante inter-face com múltiplas especialidades.O prefácio foi escrito pelo Prof. Silvano Raia, professor emé-rito da USP, que realizou com sucesso o 1º TH da América do Sul em 1985, e o 1º TH intervivos do mundo em 1988, no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.Agradecemos ao reitor Cândido Albuquerque e ao vice-rei-tor Glauco Lobo pelo incentivo as pesquisas e publicações.Agradecemos as direções anteriores e a atual do HUWC, pelo apoio e compromisso, na missão de viabilizar o transplante hepático como tratamento curativo para pacientes com doenças hepáticas terminais.Agradecimento especial aos autores dos capítulos e ao Prof. Joaquim Melo, diretor das Edições UFC, e sua equipe, pelo empe-nho na formatação dessa obra.Por � m, nossa gratidão ao Hospital São Carlos da Rede D´or, que aderiu de forma incondicional a causa dos transplantes e, durante todo esse tempo, sempre disponibilizou leitos SUS para que mais pacientes fossem bene� ciados. Agradecemos ainda pelo patrocínio essencial para impressão dessa obra.Huygens GarciaSEÇÃO 1 Pré-operatório, o transplante e o pós-operatório35CAPÍTULO 1TRANSPLANTE HEPÁTICO EXPERIMENTALManoel Odorico de Moraes FilhoJoão Batista Marinho VasconcelosMaria Elisabete Amaral de MoraesCASO EXPERIMENTALSuíno da raça Landrace, do sexo feminino, com peso de 25 Kg. A indução anestésica foi realizada com midazolam, fentanil e pancurônio. Em seguida fez-se a intubação orotraqueal e anestesia inalatória com en' urano.Após cateterização de uma veia dos membros superiores, in-dução anestésica e intubação endotraqueal, foi realizada uma cer-vicotomia esquerda com canulação da veia jugular externa e artéria carótida para monitorização da pressão arterial média. A hepatec-tomia do doador foi realizada por meio de laparotomia mediana ampla. Esta intervenção foi executada procurando-se reduzir ao mínimo o trauma cirúrgico, manuseando-se com extremo cuidado as estruturas viscerais. Foi efetuada, inicialmente, a dissecção da veia cava inferior infra-hepática com ligadura dos vasos colaterais, seguindo-se o reparo da veia porta. O colédoco e os vasos pilóricos foram ligados juntos ao duodeno. A aorta infrarrenal foi isolada, colocando-se um cateter neste vaso para posterior perfusão com ringer lactato a 4o C. A aorta supracelíaca foi dissecada e reparada. A veia cava supra-hepática foi a última estrutura a ser dissecada para se evitar alterações do retorno venoso com consequente lesão do órgão. A veia porta foi, a seguir, canulada. A perfusão do fíga-do foi realizada simultaneamente pelas cânulas da aorta e da veia 36porta com ringer lactato a 4o C. Em seguida, o órgão foi retirado e reperfundido pela veia porta com solução de Collins e imerso nesta solução de preservação a 4o C (Foto 1).Foto 1 – Enxerto na banca para perfusão ex situA intervenção no receptor foi simultânea a do doador. No receptor, a técnica cirúrgica seguiu os mesmos princípios da ci-rurgia do doador, no sentido de se manusear o mínimo possível os tecidos intra-abdominais. As estruturas que entram e saem do fígado foram isoladas, sendo a veia cava supra-hepática a última a ser dissecada. O colédoco foi ligado, bem como os ramos he-páticos da artéria hepática comum. A veia porta foi ligada e seu coto distal canulado, para iniciar a derivação porta-jugular. O desvio de sangue do território portal para a circulação sistêmica era auxiliado por uma bomba de rolete usada convencionalmente nos procedimentos hemodialíticos. O fígado foi retirado, após dissecção e secção da veia cava infra e supra-hepática. Pinças vas-37culares foram utilizadas para ocluir a veia cava e artéria hepática. O fígado do doador foi posicionado no mesmo local, inician-do-se pela anastomose da veia cava supra-hepática do enxerto com a veia cava infradiafragmática do receptor. Em seguida, as anastomoses arterial e da veia porta foram realizadas. Após a reti-rada da derivação porta-jugular, o fígado foi revascularizado e as anastomoses cava-cava infra-hepática e colédoco-coledocociana término-terminal concluídas (Foto 2). O animal teve uma boa evolução pós-operatória, com dieta oral no 1º dia e deambu-lando sem di� culdades (Foto 3). Mesmo sem nenhum tipo de imunossupressão, sobreviveu por 10 dias.Foto 2 – Equipe implantando o enxerto de forma ortotópica38Foto 3 – Animal saudável no 7º dia de pós-operatório de THINTRODUÇÃOCom a introdução de imunossupressores mais efetivos no # nal da década de 1970, as pesquisas no campo do transplante hepático (TH) em animais, tomaram maior impulso, promovendo grandes avanços na área cirúrgica, clínica e imunológica, os quais possibilitaram a caracterização do TH como único tratamento curativo das doenças hepáticas terminais. Entretanto, a alta mor-talidade dos pacientes neste estágio, a# gurou-se como um desa# o a ser vencido. Esse problema, associado à preservação dos órgãos para transplante, foram os principais motivos que levaram às pes-39quisas na área experimental a se tornarem imprescindíveis, mesmo naqueles centros que já dominavam a metodologia de transplante em seres humanos.O transplante de fígado é um dos procedimentos mais complexos da cirurgia moderna, sobretudo a técnica cirúrgica e o manejo per-operatório. Seu sucesso depende de uma equipe mul-tipro� ssional altamente treinada. É, portanto, na atualidade, um dos maiores desa� os que podem ser enfrentados na área cirúrgica. Devido a esta complexidade, a grande maioria dos centros que desenvolveram, com êxito, um programa de transplante de fíga-do, passou por um período prévio de experimentação animal. O transplante experimental tem sido a base inicial para a formação de equipes de transplante, desenvolvimento de soluções de preser-vação, teste de novos fármacos imunossupressores e o incremento de novas técnicas cirúrgicas. Por isso, atualmente, muitos centros de transplante de fígado continuam mantendo os seus laboratórios de cirurgia experimental.Para a pesquisa em transplante de fígado são basicamente utilizados o rato, o cão e o porco. Cada qual com suas vantagens e peculiaridades, de acordo com os objetivos a serem investigados e com os custos da pesquisa.A primeira descrição de um transplante experimental de fíga-do foi feita por Welch e colaboradores em 1955, através da colocação de um fígado auxiliar em situação heterotópica, em um cão. Experi-mentos com transplantes hepáticosheterotópicos foram importan-tes para o início dos estudos da � siologia hepática, hepatotro� a e da � siopatologia da rejeição, embora muitas dúvidas permanecessem com relação a esta posição não ortotópica e a atro� a do órgão, bem como quanto à rejeição e a imunossupressão na presença de dois fígados. No ano seguinte foi descrito por Cannon o primeiro trans-plante ortotópico também em um cão. Porém, os primeiros cães transplantados não sobreviveram. Somente no � nal da década de 401950 houve relatos de sobrevivência no transplante hepático expe-rimental ortotópico em cães. Somente a partir de 1965, foi iniciado o desenvolvimento do transplante ortotópico de fígado em suínos. No Brasil, os primeiros transplantes experimentais de fígado foram realizados em cães a partir de 1965, pelo grupo de Metabo-logia Cirúrgica da Faculdade de Medicina da USP, tendo à frente o professor Marcel Cerqueira Machado. DISCUSSÃOO porco é o animal que tem a maior semelhança anatô-mica, $ siológica e hemodinâmica com o homem. O transplante de fígado nesses animais, pode ser feito tecnicamente da forma mais semelhante possível ao realizado em seres humanos. Por esses motivos, o porco é o animal de eleição para o treinamento e, prin-cipalmente, aperfeiçoamento da técnica operatória do transplante de fígado. Além disso, é um animal omnívoro, não apresentando esfíncteres nas veias hepáticas como o homem; apresenta facili-dade na instalação da derivação sanguínea extracorpórea entre as veias ilíaca, esplênica e jugular e os parâmetros bioquímicos a se-rem analisados são comparáveis aos do homem. O peso ideal do animal deve se situar entre 25 e 30 Kg.O transplante de fígado em porcos apresenta rejeição menor e mais lenta do enxerto do que em cães, mesmo sem imunossu-pressores, o que facilita o estudo de forma crônica do animal trans-plantado. Apesar destes animais serem mais estáveis no per-opera-tório do que os cães, ambas as espécies apresentam complicações comuns ao transplante como hipoalbuminemia e hemorragia gas-trointestinal por ulceração ou erosão da mucosa gastroduodenal.O modelo heterotópico, em porcos, atualmente é muito pou-co utilizado em função da di$ culdade de se colocar outro fígado den-tro da cavidade abdominal e do prejuízo na movimentação diafrag-mática pelo aumento de volume no abdome. Como consequência, 41ocorre aumento da frequência de infecção do trato respiratório, da atro� a do órgão devido a ausência de fatores hepatotró� cos presen-tes na circulação porta, e dos obstáculos à drenagem biliar que levam a colangite ascendente. No entanto, este modelo tem suas aplicações nos experimentos agudos para estudos da � siologia hepática, no que se refere à produção enzimática, metabolismo da glicose e produção de bile, e nos experimentos de imunologia. Adicionalmente, este modelo é interessante para estudos da micro e macrocirculação he-pática. A avaliação das lesões de preservação, após utilização de dife-rentes soluções existentes (Euro-Collins, de Belzer - Universidade de Wisconsin e a de Bretschneider - HTK), e das lesões de reperfusão são facilitadas pela realização de biópsias hepáticas sob visão direta. O modelo atualmente mais utilizado é o ortotópico, onde ocorre a retirada do fígado do animal com substituição por outro no mesmo local, preservando-se as relações anátomo-� siológicas desse órgão. Dessa forma, obtém-se maior � dedignidade nos estu-dos da � siologia e � siopatologia hepática, inclusive na investigação em estudos crônicos, com relação à circulação hepática propria-mente dita com seus componentes portal e arterial. As lesões de isquemia e reperfusão, a avaliação da rejeição, a identi� cação de complicações e das possíveis causas de óbito podem ser bem es-tudadas com este modelo. As desvantagens, quando comparadas com o transplante heterotópico, são poucas e incluem mais di� cul-dade técnica na realização das anastomoses, sendo necessário um melhor treinamento cirúrgico para a sua execução.“É inverossímil que alguém tente um transplante de fígado clínico sem, pelo menos, alguma experiência anterior em suínos ou cães” (� omas Earl Starzl, 1926-2017). A equipe da Universidade Federal do Ceará seguiu as orientações do Prof. Starzl, pioneiro e maior líder da transplantação mundial. A técnica empregada no transplante ortotópico experimen-tal pela equipe do laboratório de cirurgia experimental da Uni-42versidade Federal do Ceará (LABCEX) utilizou 22 porcos da raça Landrace do sexo feminino, com peso entre 20 e 25 Kg. Assim, podemos a� rmar que o Programa de Transplante de Fígado na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará teve seu início com a implantação do LABCEX, onde foi realizado o treinamento da primeira equipe de transplante de fígado, utilizando o modelo do transplante ortotópico experi-mental em porcos.RE FERÊNCIAS CALNE, R.Y, WHITE, H.J, YOFFA, D.E, et al. Prolonged sur-vival of liver transplants in the pig. Br. Med. J., v.4, n.580, 1967 dec., p.645-8.COOPER, D.K, DOU, K.F, TAO, K.S, et al. Pig Liver Xeno-transplantation: A Review of Progress Toward the Clinic. Trans-plantation, v.100, n.10, 2016 oct., p. 2039-47.ESMAEILZADEH, M., NICKKHOLGH, A., MAJLESARA, A., K, et al. Technical guidelines for porcine liver allo-transplan-tation: a review of literature. Ann Transplant., v.17, n.2, p.2012 apr-jun., p.101-110.GARCIA, J.H.P. Implantação do Transplante Ortotópico de Fí-gado Humano no Estado do Ceará. (Dissertação). Pós-Gradua-ção em Farmacologia, Universidade Federal do Ceará, 2002.98 p.TERBLANCHE, J., PEACOCK J.H., BOWES J.B., et al. ! e use of pig as an experimental animal for orthotopic liver homo-transplantation. Brit. J. Surg., v. 54, p.231, 1967.TERBLANCHE, J., PEACOCK, J.H., BOWES, J., et al. ! e technique of orthotopic liver homotransplantation in the pig. J. Surg. Res., v.8, n.4, p.151-160, 1968.STARZL, T.E., KAUPP, H.A, BROCK, D.R, et al. Reconstructive 43problems in canine liver homotransplantation with special refe-rence to the post-operative role of hepatic venous � ow. Surg Gy-necol Obstet., v.111, p.733-43, 1960.WELCH, C.S. A note on transplantation of the whole liver in dogs. Transplant Bull. 1955, v.2, p.54-55.4445CAPÍTULO 2LEGISLAÇÃO E TRANSPLANTE HEPÁTICOEliana Régia Barbosa de AlmeidaAnna Yáskara Cavalcante Carvalho de AraújoAna Beatriz Almeida da CunhaCASO CLÍNICO Paciente do sexo feminino, 32 anos, grupo sanguíneo A, natural da Venezuela, residindo em Roraima, sem visto de perma-nência no Brasil. Estava internada na capital Boa Vista, sob ven-tilação mecânica, com quadro clássico de hepatite fulminante, de etiologia indeterminada, caracterizada por encefalopatia grau IV, RNI > 6 e hiperbilirrubinemia, sem antecedentes de doença hepá-tica ou uso abusivo de drogas lícitas ou ilícitas. Diante do quadro, a referida paciente preenchia os critérios do Kings College, necessá-rios para priorização para transplante hepático (TH). A equipe do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC) foi contactada e aceitou receber a paciente. Em seguida, foi solicitada autorização à Central Estadual de Transplantes (CET) do Ceará e ao Sistema Nacional de Transplantes /Ministério da Saúde. Em 02/11/2019, paciente chegou a Fortaleza através de UTI aérea, sendo internada na unidade pós-operatória do HUWC. Após avaliação da equipe, foi inscrita com priorização na CET do Ceará. Em 04/11/2019 foi ofertado enxerto de doador falecido de 47 anos, grupo O, cuja morte encefálica foi ocasionada por Acidente Vascular Ce-rebral Hemorrágico (AVCH). Durante o procedimento cirúrgico de remoção dos órgãos doados, foi constatada a boa qualidade do enxerto hepático. O TH foi realizado pela técnica de piggyback 46precedido de um shunt portocava provisório (Foto 1), uma vez que a paciente não apresentava hipertensão portal. O fígado nativo apresentava sinaisde doença crônica agudizada (Foto 2). O tempo de isquemia fria foi de 6,35 horas e o tempo de isquemia quente de 29 minutos. A reperfusão do enxerto foi homogênea e rápida, sem instabilidade hemodinâmica. Paciente foi extubada no 1º dia de pós-operatório, evoluindo com normalização progressiva da fun-ção hepática e com disfunção renal não dialítica, recebendo alta hospitalar no 18º dia. A análise anatomopatológica do explante foi sugestiva de hepatite autoimune. Em acompanhamento ambu-latorial, a paciente foi diagnosticada com citomegalovirose, sendo tratada com Ganciclovir. Imunossupressão atual com tacrolimo e everolimo. Recentemente, foi diagnosticado estenose da anas-tomose biliar e está em tratamento endoscópico com dilatação e aposição de endoprótese.Foto 1 – Shunt portocava temporário47Foto 2 – Explante com textura heterogêneaINTRODUÇÃOO Brasil possui o maior sistema público de transplante de ór-gãos e tecidos do mundo e, atualmente, é o segundo país em número absoluto de transplantes hepáticos e renais, ' cando atrás apenas dos Estados Unidos. A Política Nacional de Transplantes está fundamentada na Lei nº 9.434/1997, que instituiu o Sistema Nacional de Trans-plantes (SNT) e na Lei nº 10.211/2001. Atualmente, a Lei nº 9.434/1997 é regulamentada pelo Decreto no 9.175/2017. O sistema brasileiro de transplantes tem como diretrizes a gratuidade da doação, o repúdio ao comércio de órgãos, a bene' -cência em relação aos receptores e a não male' cência em relação aos doadores vivos. O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece aten-ção integral e gratuita, incluindo exames preparatórios, procedi-mento cirúrgico, acompanhamento pós-transplante e fornecimen-to de medicamentos aos receptores de transplante.48No âmbito federal, o Ministério da Saúde exerce as funções de órgão central do SNT por meio da Coordenação Geral do Sis-tema Nacional de Transplantes (CGSNT). Em nível estadual, as Centrais Estaduais de Transplante (CET) são as unidades executi-vas das atividades do SNT nos Estados e no Distrito Federal. Ta mbém integrando o SNT, há as estruturas especializadas que compõem a rede de procura e doação de órgãos e tecidos, cujo funcionamento é organizado pelas CETs. Esta rede de procura se organiza com base em um modelo misto, através das Organizações de Procura de Órgãos (OPO), que seguem o modelo de procura norte-americano e das Coordenações Hospitalares de Transplan-te, que seguem o modelo espanhol. Seguindo preceitos técnicos e éticos, a legislação brasileira trata da disposição de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano para � ns de transplante e trata-mento, a partir de doadores vivos e falecidos, incluindo os critérios de distribuição de órgãos e tecidos.No que diz respeito à utilização de doadores falecidos (post mortem), a doação somente poderá ser efetuada após o diagnósti-co de Morte Encefálica (ME), com o consentimento expresso da família. O diagnóstico da ME deverá ser con� rmado com base na Resolução no 2.173/2017 do Conselho Federal de Medicina (CFM), que estabelece os procedimentos para sua determinação.Em relação à autorização para a doação a partir de doadores fa-lecidos, o Brasil adota o modelo de consentimento informado. Assim, a retirada de órgãos e tecidos somente poderá ser realizada com o con-sentimento livre e esclarecido da família do falecido, através do côn-juge, do companheiro ou de parente consanguíneo, de maior idade e juridicamente capaz, na linha reta ou colateral, até o segundo grau. Os transplantes são indicados em casos de doença progressi-va ou incapacitante, irreversível por outras técnicas. Os potenciais receptores de transplante integram o Sistema de Lista Única, que consiste no conjunto de potenciais receptores brasileiros, natos ou 49naturalizados, ou estrangeiros residentes no país. Os candidatos são inscritos para recebimento de cada tipo de órgão ou tecido e regulados por um conjunto de critérios especí� cos para a distribui-ção, constituindo o Cadastro Técnico Único (CTU).A inscrição dos potenciais receptores no CTU é realizada pela equipe responsável pelo seu atendimento. A troca de estabe-lecimento de saúde, equipe transplantadora e CET poderá ocor-rer mediante solicitação do potencial receptor e encaminhamento pela equipe que passará a atendê-lo. Nestes casos, prevalecerá a data do primeiro cadastro para � ns de classi� cação e pontuação.Para potenciais receptores estrangeiros, não residentes no Brasil, é vedada a inclusão em lista de espera para transplan-te proveniente de doadores falecidos, exceto se houver tratado internacional com promessa de reciprocidade. A doação entre indivíduos vivos é permitida nos casos em que o doador seja comprovadamente cônjuge, companheiro ou parente consan-guíneo do receptor até o quarto grau, em linha reta ou colateral.A distribuição dos órgãos de doadores falecidos é realizada pelas CET e pela Central Nacional de Transplantes (CNT), obe-decendo ao CTU. A alocação é estadual na maioria dos estados e para sua operacionalização utiliza-se o Sistema Informatizado Gerenciamento (SIG) do SNT. Não sendo utilizados nos estados, órgãos e tecidos deverão ser ofertados à CNT, que gerenciará a distribuição com base na lista única macrorregional e nacional. A seleção dos receptores para transplante observará critérios de gravidade, compatibilidade e ordem de inscrição. No caso do transplante hepático, consideram-se os critérios de identidade/compatibilidade ABO, faixa etária e compatibilidade anatômica do doador, critérios de gravidade segundo o modelo MELD (Mo-del for End-Stage Liver Disease), urgência e tempo de espera.Quanto à identidade ABO, deverá ser observada a com-patibilidade/identidade entre doador e receptor. Ressalta-se que 50potenciais receptores com MELD elevado do grupo B, concor-rerão também aos órgãos de doadores do grupo sanguíneo O, e potenciais receptores com MELD elevado do grupo AB, também concorrerão aos órgãos de doadores do grupo A. No tocante à fai-xa etária e compatibilidade anatômica, ressalta-se que potenciais receptores menores de 18 anos terão prioridade para receber o en-xerto quando o doador também for menor de 18 anos ou pesar menos de 40 quilos.A gravidade do potencial receptor de fígado com idade a partir de 12 anos é re� etida pelo cálculo do MELD, que leva em consideração critérios objetivos para predizer a mortalidade do portador de doença hepática, a partir da dosagem sérica de bi-lirrubinas, RNI (Relação Normatizada Internacional da ativida-de da protrombina) e creatinina. Em 2019, por meio da Portaria no 2.049 do Ministério da Saúde, foi implantado o MELD sódio como critério de alocação do enxerto hepático. O valor atribuído ao MELD varia de 6 a 40, quanti� cando a gravidade para o trans-plante de fígado. Para crianças menores de 12 anos, utiliza-se o modelo PELD (Pediatric End-stage Liver Disease), valor numérico similar ao MELD. Com a � nalidade priorizar o grupo infantil, no Brasil, o escore PELD calculado é multiplicado por 3, de tal forma que, na maioria das situações, as crianças ocupem as primeiras po-sições nas listas de espera.Para o transplante hepático, há ainda urgências e situações especiais. São considerados critérios de urgência: 1. insu� ciência hepática aguda grave; 2. não funcionamento primário do enxer-to; 3. pacientes anepáticos por trauma. A situação de urgência permanecerá por 30 dias. Dentre as situações especiais, tem-se o carcinoma hepatocelular, a síndrome hepatopulmonar e outras. Nestes casos, os potenciais receptores receberão pontuação MELD mínima de 20. Após três meses, se não transplantados, receberão pontuação MELD 24 e em seis meses MELD 29. 51DISCUSSÃOA paciente em discussão é estrangeira, sem visto permanente no país, portadora de insu$ ciência hepática fulminante de etio-logia indeterminada, preenchendo os critérios de indicação para priorizaçãode TH. A insu$ ciência hepática aguda grave enquadra--se como situação de urgência, quando preenchem os critérios do Kings College ou Clichy.Apesar de não possuir visto permanente no país, seu quadro clíni-co con$ gurava-se com risco de morte iminente. Apesar de vedar a inscri-ção de potenciais receptores estrangeiros, não residentes no país, na lista de espera para transplante, o Decreto no 9.175/2017, em seu capítulo VI, Art. 42 (§ 2º), prevê que na hipótese de indicação aguda de trans-plante com risco de morte iminente em potencial receptor estrangeiro em que se veri$ que que a remoção para o seu país seja comprovadamente impossível, o SNT poderá autorizar, em caráter excepcional, a sua inscri-ção em lista de espera para transplante ou enxerto.Em acordo com a legislação, a equipe de transplante hepáti-co do HUWC encaminhou o caso para apreciação da CET - Ce-ará, anexando documentação comprobatória do quadro clínico da paciente, solicitando sua inscrição para transplante hepático em situação de urgência. A CET – Ceará, por sua vez, considerando a situação de urgência e risco de morte iminente, encaminhou ofício para CGSNT, que deferiu a solicitação de inscrição em lista de espera com base no artigo 42 Decreto no 9.175/2017. Mediante autorização e inscrição, a paciente foi transferida para a cidade de Fortaleza, recebida pela equipe de transplante he-pático do HUWC e submetida ao transplante cerca de 48 horas após sua admissão, com resultados satisfatórios e reversão do qua-dro crítico.52RE FERÊNCIAS BRASIL. Decreto nº 9.175, de 18 de outubro de 2017. Regula-menta a Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, para tratar da disposição de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano para % ns de transplante e tratamento. Diário O" cial da União.19 out 2017; p.2. BRASIL. Lei no 10.211, de 23 de março de 2001.Altera dispositi-vos da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que “dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para % ns de transplante e tratamento”. Diário O" cial da União, 24 mar 2001, (Seção 1), p.6.BRASIL. Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para % ns de transplante e dá outras providências. Diário O" cial da União., 5 fev 1997, (Seção 1), p.2191. BRASIL. Ministério da Saúde. Doação de órgãos: transplantes, lista de espera e como ser doador [2013-2020]. Brasília: Ministério da Saúde, 2020. BRASIL. Ministério da Saúde (BR). Portaria de Consolidação nº 4, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre os sistemas e os subsistemas do Sistema Único de Saúde. Diário O" cial da União, 03 out 2017b, Seção 1, p.288. BRASIL. Ministério da Saúde (BR). Portaria no 2.049, de 09 de agosto de 2019. Altera a Portaria de Consolidação no 4/GM/MS, de 28 de setembro de 2017, para atualizar o Anexo 10 do Anexo I do regulamento técnico do Sistema Nacional de Transplantes. Diário O" cial da União, 12 ago 2019; Seção 1, p.49. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução no 2.173. De% ne os critérios diagnósticos de morte encefálica. Diário O" -cial da União,15 dez 2017, (Seção 1), p.274. 53CAPÍTULO 3EQUIPE MULTIPROFISSIONAL NO TRANSPLANTE HEPÁTICOClébia Azevedo de LimaErika Vasconcelos Vidal PinheiroLeda Fátima Rocha MirandaLouyse Teixeira de Souza FreitasMaria Edna de Sousa CardosoMaria José E� gênia Maia Nascimento Patrícia Carvalho BezerraRafaela Tavares NóbregaCASO CLÍNICOPaciente do sexo feminino, 25 anos, grupo sanguíneo A. Em julho de 2004 foi admitida no Hospital São José de Doenças In-fecciosas, com quadro de icterícia, vômitos, desorientação e edema de membros inferiores. Evoluiu com encefalopatia hepática grau IV, necessitando de ventilação mecânica. Família negava etilismo, tabagismo ou comorbidades. Foi transferida para o HUWC e ins-crita no cadastro técnico para TH por hepatite fulminante com prioridade regional. Submetida a TH com doador falecido de 29 anos, grupo sanguíneo O, vítima de traumatismo cranioencefáli-co. TH sem intercorrências. No 8º dia do TH foi reoperada para correção de fístula biliar. Recebeu alta hospitalar no 14º dia, com programação para o acompanhamento clínico, multipro) ssional e laboratorial. Após os primeiros meses de seguimento ambulatorial, 54passou a não colaborar com o tratamento, faltando às consultas e com história de etilismo e tabagismo. Relatava ainda uso irregular dos imunossupressores, uso de drogas ilícitas e comportamento sexual de risco. A equipe seguiu persistindo no acompanhamento com ênfase na conscientização da necessidade de adesão e parti-cipação ativa no tratamento. Houve diversas hospitalizações para tratar infecção de trato urinário, sangramento transvaginal, múl-tiplas transfusões sanguíneas, realização de biópsias hepáticas e peritonite bacteriana. Paciente evoluiu com rejeição crônica sem resposta às terapias de resgate, que levou a perda progressiva da função hepática e necessidade de retransplante. Após extensa dis-cussão do caso e intervenções por todos os componentes da equipe multidisciplinar, a paciente foi considerada elegível para retrans-plante. Em janeiro de 2020 foi submetida ao seu 2º TH, com sucesso. Passados quase 2 anos, encontra-se em seguimento am-bulatorial regular, excelente adesão ao tratamento, com função e enzimas hepáticas normais.INTRODUÇÃOO Serviço de TH do HUWC conta com atuação de equipe multidisciplinar para prestar assistência de alto nível aos seus pa-cientes. A equipe é composta por médico, enfermeiro, técnico de enfermagem, psicólogo, " sioterapeuta, assistente social, farmacêu-tico e nutricionista. A atuação multipro" ssional tem por objetivo a promoção da saúde biopsicossocial e ocorre em todas as etapas do processo, desde o pré-transplante até o pós-transplante tardio.Atuação do Enfermeiro no transplante de fígadoO Conselho Federal de Enfermagem, através da Resolução 611/2019, regulamenta a atuação da equipe de enfermagem no processo de doação e transplante de órgãos, que atribui ao enfer-55meiro executar a sistematização da assistência de enfermagem, em todas as etapas do processo de transplante de órgãos e tecidos que compreende o acompanhamento pré, intra e pós-transplante em ambiente ambulatorial e hospitalar.Os elementos-chave para a atuação dos enfermeiros envol-vem: a educação de pacientes; a implementação de intervenções que mantenham ou melhorem a saúde � siológica, psicológica e social; o uso de intervenções que facilitem e promovam modi� -cação de comportamento e aderência da terapêutica; bem como, dar amparo aos pacientes e familiares no delineamento do plano de cuidados, implementação e veri� cação do cuidado; e propiciar sistemas de apoio que visem os melhores resultados dos transplan-tes de órgãos.O acolhimento no serviço de TH do HUWC é realizado pelo enfermeiro e assistente social. Ocorre na sala de espera, na consulta inicial, com objetivo de estabelecer vínculo e esclarecer a situação como possível candidato a TH, informando normas e rotinas. A indicação do TH acontece a partir da avaliação clínica e laboratorial realizada pelo médico na consulta de triagem. Abrange a identi� cação de condições biopsicossociais favoráveis à adesão ao acompanhamento ambulatorial e às terapêuticas medicamentosas por tempo prolongado.Na sequência, o enfermeiro realiza palestra para grupos de pacientes. Nesta etapa, o paciente recebe informações sobre doa-ção de órgãos, sua doença, compreensão da indicação do TH, ins-crição no cadastro técnico, funcionamento da lista de espera, atu-alização dos exames e MELD, procedimento cirúrgico e possíveis complicações, orientações sobre o tratamento contínuo pós-opera-tório. Em seguida, o paciente segue para a consulta individual de enfermagem. Na avaliação inicial, o enfermeiro implanta o proces-so, realiza a anamnese,exame físico, elenca os diagnósticos, realiza o planejamento, implementação das intervenções e avaliação dos 56cuidados. Orienta o preparo para cirurgia, exames e imunização, assinatura do termo de consentimento formal, procedimento anes-tésico, cuidados após a cirurgia, o uso dos imunossupressores, si-nais e sintomas de rejeição.Para a educação em saúde, considerando as necessidades e li-mitações individuais dos pacientes, a equipe lança mão de recursos tecnológicos e lúdicos, como cartilhas e folhetos, além de vídeos animados, dentre eles, um passo a passo ensinando a consultar sua posição na � la.O enfermeiro também é responsável por encaminhar os pacientes para avaliação de especialistas, conforme protocolo do serviço: hemoterapia, odontologia, ginecologia, oftalmologia, psi-quiatria. Além disso, avalia as respostas do paciente frente às inter-venções, veri� ca a adesão ao plano de cuidados e a assimilação das orientações. Os cuidados permanecem em todo o pós-operatório.Atuação do Fisioterapeuta no transplante de fígadoO � sioterapeuta atua na promoção e preservação da inde-pendência funcional e autonomia do paciente, identi� cando fa-tores de risco respiratórios, osteomusculares e neurológicos. A abordagem � sioterapêutica instituída nas fases do pré-operatório e pós-operatório tem como objetivos principais manter e restabele-cer a funcionalidade, além de tratar possíveis complicações. A avaliação pré-operatória tem como objetivo otimizar a condição clínica com a � nalidade de reduzir a morbidade e a mor-talidade perioperatória. Além de estabelecer vínculo, ela diminui níveis de ansiedade e estimula a colaboração do paciente com o tratamento, o que contribui, de forma signi� cativa, para sua recu-peração no pós-operatório. De acordo com o protocolo do serviço de TH do HUWC, é feita avaliação � sioterapêutica pré-operatória dos pacientes listados. Os pacientes com cirrose hepática de di-ferentes etiologias apresentam-se desnutridos e susceptíveis a in-57fecções, o que pode debilitar sua função muscular e respiratória. Podem ainda apresentar ascite e derrame pleural, decorrentes da hipertensão portal e baixo nível de albumina, bem como alteração postural e estrutural, produzidas pela ascite.A intervenção � sioterapêutica no pós-operatório imediato tem como � nalidade a prevenção de complicações pulmonares, circulatórias e musculoesqueléticas. É iniciada na UTI, com o con-trole e ajuste da ventilação mecânica até o desmame, manutenção da oxigenação e ventilação adequada. Para Forgiarini et al, a � sio-terapia respiratória realizada no pós-operatório imediato diminui a perda da função pulmonar e força muscular respiratória, dimi-nuindo o tempo de internação hospitalar. A mobilização precoce constitui uma terapia segura e fundamental para restabelecer as capacidades funcionais e a independência.Após a alta hospitalar, além de atender eventuais necessida-des especí� cas, o � sioterapeuta orienta e incentiva a prática de ati-vidade física, promovendo ganho de força, preservação da funcio-nalidade, qualidade de vida e retorno precoce às atividades laborais e pessoais do paciente. Atuação do Farmacêutico no ambulatório de transplante de fígadoA atuação do farmacêutico tem papel importante no cuidado aos pacientes transplantados, favorecendo a adesão, a compreensão e o uso racional dos medicamentos, bem como minimizando erros de administração. Colabora para a autonomia e melhor qualidade de vida do paciente, assim como para melhor função do enxerto e mesmo melhor sobrevida.A complexidade da terapia medicamentosa, as frequentes al-terações posológicas iniciais e as di� culdades individuais de com-preensão podem interferir na adesão ao tratamento. A polifarmácia é frequente em pacientes transplantados que, além dos fármacos imunossupressores, utilizam também medicamentos pro� láticos, 58pois � cam mais propensos a infecções por vírus, bactérias e fun-gos. Em alguns casos, há ainda tratamento para doenças crônicas, como hipertensão e diabetes. Portanto, o risco de ocorrência de reações adversas, interações medicamentosas e de di� culdades na utilização dos medicamentos aumenta consideravelmente, sendo necessário um acompanhamento mais intensivo.No ambulatório de TH do HUWC, o farmacêutico atua desde o acolhimento do paciente, avaliando a prescrição, veri� -cando possíveis interações com outros medicamentos e alimentos, orientando o uso correto de cada medicamento e elaborando for-mulário personalizado, com todos os aprazamentos. É realizada ainda orientação relacionada à aquisição dos imunossupressores (documentação para cadastro e recebimento), pro� láticos e demais medicamentos, orientação quanto ao uso nos dias de exame de sangue, além de cuidados de armazenamento e administração.Atuação do Serviço Social no transplante de fígado A atuação do Serviço Social no TH do HUWC está volta-da para que os usuários tenham acesso às políticas públicas e aos direitos sociais, organizando a sua rotina de forma a garantir o bom acolhimento do usuário e de suas demandas. Nesse sentido, o primeiro contato com o paciente acontece, geralmente, no pré--transplante, durante o acolhimento ambulatorial. Em seguida, é realizada a entrevista para compor o estudo social. Essa entrevista tem a � nalidade de conhecer o contexto social, o que inclui condi-ções socioeconômicas e de habitabilidade, rede de apoio, acesso às políticas públicas, dentre outros aspectos relevantes. A partir dessa análise preliminar, o serviço social busca inter-vir para assegurar condições mínimas para a realização do TH, so-bretudo em relação a quatro aspectos: garantia de renda, garantia de rede de apoio para os cuidados, condições de habitabilidade, e uso de substâncias, pois considera-se que esses aspectos podem in-59terferir na adesão e na boa recuperação do paciente em relação ao procedimento. É certo que, a partir do estudo social, outros aspec-tos relevantes serão trabalhados, tais como: acesso aos serviços de saúde e demais serviços públicos, acompanhamento de situações de violência/negligência, encaminhamentos diversos para acesso às políticas públicas e/ou serviços ligados ao terceiro setor. A família é a principal componente da rede de apoio, apesar de haver outras redes: comunitária e religiosa.No que se refere à garantia de renda, os hepatopatas graves podem requisitar alguns benefícios: previdenciários (auxílio-do-ença, aposentadoria por invalidez) ou assistenciais (Benefício de Prestação Continuada Pessoa com De� ciência). O uso de substâncias psicoativas, sobremaneira o álcool, é capaz de trazer consequências graves à saúde como um todo. O alcoolismo pode ser considerado um transtorno mental e compor-tamental que tem como ação direta a ingestão de bebida alcoólica interferindo, na maioria dos casos, nas relações sociais, familia-res, de trabalho e de saúde do indivíduo, podendo levá-lo à � la de TH. Há uma grande preocupação de toda a equipe quando o candidato a TH apresenta quadro cirrótico em decorrência do uso de álcool, principalmente quanto à possibilidade de recidiva. A equipe multipro� ssional de transplante do HUWC não trabalha com a reabilitação do paciente cirrótico por álcool, mas desenvolve um trabalho de fortalecimento de vínculos, de reconhecimento do adoecimento, para encaminhamento ao serviço de referência para o devido acompanhamento, nesse caso, o CAPS AD, e continua acompanhando sistematicamente os pacientes, na tentativa de evi-tar a recorrência.Atuação do Psicólogo no transplante de fígadoEm geral, o primeiro contato do paciente com a psicologia acontece pela Avaliação Psicológica pré-TH, cujo objetivo é facili-60tar o � uxo de emoções e re� exões, identi� car pontos de urgência, estratégias de enfrentamento, compreensão, capacidade de auto-cuidado, motivação e expectativas do sujeito. O roteiro de avaliaçãopsicológica também tem função tera-pêutica, assim sendo, pode contribuir no processo de elaboração e preparação do paciente. Informações pré-transplante podem con-tribuir para o planejamento de intervenções educativas, promoto-ras de adesão e melhoria da qualidade de vida. Riscos psicossociais, abuso de substâncias e menor conscientização sobre a doença no pré-transplante são fatores de não adesão pós-transplante. Após o TH, é disponibilizado atendimento psicológico am-bulatorial por demanda espontânea ou através do encaminhamen-to de outros pro� ssionais. Tem como foco o adoecimento ou tra-tamento. Pontos de urgência são identi� cados e trabalhados com a técnica da Psicoterapia Breve. Caso a queixa seja extra-focal, por exemplo, relacionada a questões familiares ou laborais, o paciente é acolhido através da escuta terapêutica e encaminhado para a rede de atenção psicossocial externa. Há aspectos psicológicos que justi� cariam a contraindicação ao TH, tais como: dé� cit cognitivo e neurológico importante, perma-nente e irreversível; transtorno psiquiátrico não tratado; consumo ati-vo de álcool ou outras drogas; suporte familiar e social limitado; baixa habilidade de autocuidado e motivação inadequada. Os casos devem ser discutidos em equipe com o intuito de buscar encaminhamentos e condutas para solucionar tais questões de maneira a bene� ciar e pre-parar o paciente da melhor forma possível para o TH. É necessário salientar que o objetivo do TH é preservar a vida do paciente com qualidade. Estratégias de preparação nessas situações são: mais infor-mações, elucidação de dúvidas, encaminhamentos para neurologista, psiquiatra e serviços especializados (por exemplo: Centro de Atenção Psicossocial - CAPS), fortalecimento do suporte familiar, além de tra-balhar a motivação e os planejamentos de vida do paciente61DISCUSSÃOO caso apresentado ilustra, de forma inequívoca, como a atuação da equipe multidisciplinar pode ser essencial para o su-cesso do TH. No primeiro TH, a paciente não foi submetida ao protoco-lo institucional multipro$ ssional, em consequência da gravidade do caso e da falta do tempo hábil. A má adesão terapêutica pós--transplante foi a causa principal da perda do enxerto em questão. Quando o retransplante foi indicado, uma nova e intensa aborda-gem multidisciplinar foi instituída com a $ nalidade de assegurar adesão ao tratamento e proporcionar melhor qualidade de vida. Após o retransplante, a paciente teve consultas regulares de enfermagem, com enfoque na promoção da autonomia e prota-gonismo do autocuidado. O compromisso da paciente em seguir medidas terapêuticas fomentou sucesso no tratamento e mudança no estilo de vida.O acompanhamento $ sioterapêutico iniciou ambulatorial-mente, antes do retransplante. A paciente apresentou-se debilita-da devido a restrição alimentar, com massa muscular comprome-tida, ascite volumosa e lombalgia. Entretanto, a força muscular respiratória estava preservada e não havia alteração neurológica. Recebeu intervenção educativa de forma enfática, com esclareci-mentos quanto a hábitos de vida saudável, alimentação balancea-da, necessidade de atividade física e cuidados posturais. Também foram dadas informações sobre o novo procedimento cirúrgico, incisão abdominal, os efeitos da anestesia no sistema respiratório, a necessidade de intubação orotraqueal e os riscos de complica-ções pulmonares no pós-operatório. No retransplante, a paciente foi admitida na UTI hemodinamicamente estável e em ventilação mecânica, sendo extubada no mesmo dia da admissão. Permane-ceu 18 dias em internação hospitalar e recebeu atendimento $ -62sioterapêutico respiratório e motor diariamente, preconizando-se a deambulação o mais breve possível. O tratamento � sioterápico utilizado foi baseado em avaliações periódicas ao longo do perío-do de hospitalização e os recursos � sioterapêuticos instituídos de acordo com a necessidade da paciente.A assistência farmacêutica iniciou com o acolhimento, onde foi identi� cada a experiência da paciente com seus medicamen-tos e sua di� culdade prévia em manter a farmacoterapia de forma adequada durante um período mais prolongado. Foi percebida a rotina e o nível de entendimento da paciente. De acordo com essa avaliação, foi elaborada uma estratégia personalizada, � rman-do uma relação de con� ança entre paciente e farmacêutico para atingir resultados positivos no cuidado após o retransplante. O acompanhamento farmacêutico seguiu ambulatorialmente após a cirurgia. A farmacoterapia da paciente incluía, além dos imunos-supressores, (tacrolimo, everolimo e prednisona), medicamentos para tratamento da diabetes mellitus (insulina NPH e regular), me-dicamentos pro� láticos (nistatina e sulfametoxazol + trimetropi-na) e omeprazol. O primeiro contato do Serviço Social aconteceu quando já havia a necessidade de um segundo transplante. Apesar de de-monstrar importante resistência inicial, a paciente foi se disponi-bilizando progressivamente ao diálogo e permitiu a realização da entrevista social. Foi identi� cada uma boa rede de suporte familiar, ancorada na � gura materna e em outros familiares que se reveza-vam com os cuidados diretos. Veri� cou-se ainda que os aspectos relativos à renda estavam parcialmente garantidos, uma vez que a paciente já recebia um Benefício de Prestação Continuada (BPC) e havia outros familiares que coabitavam e também apresentavam suporte de renda. Não apresentava critérios sociais e econômicos para requisição de benefícios adicionais, pois não era segurada do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e sua renda per capita 63era superior à preconizada pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) para concessão de BPC. Em relação às condições de ha-bitabilidade, a paciente residia em imóvel familiar, apresentando bons aspectos de moradia, sobretudo quanto aos critérios de saúde, higiene, funcionalidade e acessibilidade, não havendo necessidade de qualquer readaptação, reforma, ou de o serviço social requerer intervenção do poder público (aluguel social ou inclusão em pro-grama habitacional), portanto, dispondo de habitação adequada. Permanecia, todavia, uma preocupação quanto ao uso de álcool. Nesse sentido, as abordagens do Serviço Social foram direcionadas para que a paciente pudesse buscar apoio no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD), como complemento ao tratamento cirúrgico e medicamentoso, além da continuidade do acompanhamento da equipe multipro� ssional do TH. Diante da urgência do primeiro TH, a atuação da psicologia seguiu um curso atípico ao protocolo do serviço. Esse processo de acompanhamento psicológico poderia ter contribuído para que a paciente desenvolvesse recursos de enfrentamento, uma vez que o adoecimento, a cirurgia e o tratamento contínuo podem mobilizar aspectos psíquicos, com os quais a paciente demonstrou não estar preparada para lidar. Em relação à apropriação do adoecimento, vale ressaltar que a paciente entrou no mundo do transplante, sem receber informações e compreender a complexidade do tratamento ao qual seria submetida. Durante o período pós-transplante, houve diversos encaminhamentos, registrados em prontuário, para aten-dimento psicológico sob a justi� cativa de má adesão, aos quais a paciente não compareceu. Em período de internação por intercor-rência, entre os transplantes, foi possível abordar a paciente, que se mostrou cooperativa e con� rmou resistência ao suporte psicológi-co oferecido previamente. Os atendimentos no período de espera pelo retransplante favoreceram para que ela reelaborasse diversos aspectos de sua vida. Ao relatar sua história, ela demonstrou ava-64liar a relação de seu estilo de vida com a rejeição do órgão, perda progressiva de qualidade de vida e autonomia, além de alterações na imagem corporal. Expressou sentimentos de arrependimento, medo,culpa, esperança e motivação para viver. Foi possível identi-� car alterações na con� guração do contexto social, como a chega-da de � lhos, que representaram aspecto signi� cativo na motivação para enfrentar o retransplante, além do apoio familiar. Dessa vez, houve tempo hábil para realizar a avaliação psicológica pré-trans-plante e abordar tais questões.Demonstrou-se, portanto, que a construção de vínculo des-de o início do tratamento entre equipe de saúde, família e pacien-te amplia o olhar dos pro� ssionais para identi� car necessidades e fragilidades do paciente. As intervenções realizadas pela equipe multidisciplinar contribuíram para a melhor apropriação e enga-jamento da paciente. Dessa forma, a paciente foi incluída como sujeito ativo no processo e na adaptação do seu estilo de vida, o que pode ser constatado no acompanhamento ambulatorial tardio. A atuação da equipe multidisciplinar foi essencial para adesão ao tratamento e recuperação plena da saúde da paciente. 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Atualiza a normatização referente à atuação da Equipe de Enfermagem no processo de doação de órgãos e tecidos para transplante, e dá outras providências [Internet]. 2019 [cited 2021 may 26]: Avaliable from: http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-no-611-2019_72858.html.CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA.Resolução nº 06, de 29 de março de 2019. Institui regras para a elaboração de documentos escritos produzidos pela (o) psicóloga (o) no exercício pro" ssional e revoga a Resolução CFP nº 15/1996, a Resolução CFP nº 07/2003 e a Resolução CFP nº 04/2019 [Internet]. 2019 [2021 may 26]. Avaliable from: http://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/69440957/do1-2019-04-01-resolucao-n-6-de29-de-marco--de-2019-69440920. FONTANA, K.R, ANDRADE, S.S. Cuidados de enfermagem ao paciente no perioperatório no transplante hepático: uma re-visão integrativa [TCC]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2013.127 p.MARTINS, B.C.C., SOUZA, T.R., LUNA, A.M.P.T., et al. 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Por se tratar de paciente sem história prévia de coronariopatia e sem sintomas especí& cos, não foi solicitado, de início, cineangiocoronariogra& a. Um teste ergo-métrico também foi descartado como método diagnóstico, pois durante avaliação clínica, identi& cou-se baixa aptidão física do pa-ciente. Apesar do acesso a ecocardiogra& a de estresse com dobu-tamina, esse método também foi excluído, pois paciente fazia uso de betabloqueador (propranolol 40 mg/dia), o que poderia tornar esse exame ine& caz. Pelo exposto, nesse caso, foi optado pela cinti-logra& a miocárdica em repouso e com estresse farmacológico. Pa-ciente retornou, 21 dias após a primeira avaliação, ao ambulatório de anestesia com resultado dos exames. Eletrocardiograma apenas 68com alteração da repolarização ventricular. Ecocardiograma de re-pouso com fração de ejeção dentro da normalidade, sem acinesia e/ou hipocinesia e sem critérios para hipertensão pulmonar. En-tretanto, a cintilogra� a mostrava hipoperfusão em parede anterior e anteroseptal de moderada intensidade. Revisado o caso e, em comum acordo com a cardiologia, foi realizado cateterismo que evidenciou 3 (três) lesões coronarianas: obstrução de 80% no terço médio da artéria descendente anterior e 70% em circun� exa, além de lesão de 50% em artéria marginal. Devido à complexidade do TH, é essencial otimizar a condição clínica do paciente e somen-te liberar para a cirurgia com menor risco possível. Havia indica-ção de tratar as duas lesões principais por angioplastia com stent e somente depois liberar para transplante. Paciente submetido a angioplastia com implante de stent revestido com medicamento (stent farmacológico), necessita de antiagregação plaquetária dupla por períodos longos. O uso de antiagregantes aumenta o sangra-mento transoperatório, sendo necessária a suspensão em cirurgias programadas. No caso em questão, o paciente apesar de não ter MELD alto, apresentava CHC, com risco de crescimento tumoral e de ultrapassar os Critérios de Milão com tempo de lista longo, caso fosse tratado com angioplastia com stent farmacológico. Por essa razão, foi submetido a angioplastia com stent convencional em descendente anterior e circun� exa, seguido de antiagregação com ácido acetilsalicílico (AAS) e clopidogrel por 45 dias. Após esse período, foi suspenso o clopidogrel e mantido o AAS. Essa condu-ta permitiu a realização do transplante com baixo risco de sangra-mento adicional e com boa segurança para a doença coronariana. Paciente transplantado em uso de AAS e propranolol. Durante o ato anestésico, foi realizada monitorização cerebral com BIS (ade-quação plano anestésico), aferição invasiva da pressão arterial e dé-bito cardíaco, pressão venosa central e variação de volume sistólico utilizando monitor EV 1000® durante a cirurgia e no pós-opera-69tório imediato. Cardioscopia, oximetria, capnogra� a, controle de temperatura, monitorização da diurese e débito gástrico conforme rotina. Gasometrias, dosagem de hematócrito, � brinogênio, ele-trólitos e plaquetas foram realizadas durante o transplante, visando manter hematócrito acima de 27%, plaquetas acima de 50 mil e � brinogênio acima de 150 mg/dl. Nesse caso, não houve a necessi-dade detransfusão. Nos 2 (dois) primeiros dias de pós-operatório, foram acrescidos dosagem de troponina e ECG seriados. Paciente recebeu alta da unidade de terapia intensiva, sem evento corona-riano agudo detectado.INTRODUÇÃOUma parte fundamental para o sucesso do transplante hepá-tico (TH) é a correta preparação do paciente para o ato cirúrgico. No nosso serviço, essa avaliação é multidisciplinar e inclui a consulta pré-anestésica como parte importante no preparo pré-operatório.O adequado manejo pré-operatório, a correta condução transoperatória e cuidados intensivos no pós-operatório são fun-damentais e contribuem para aumentar a sobrevida dos pacientes transplantados.Um paciente corretamente avaliado e otimizado eleva as chances de sobrevida. Identi� car patologias e/ou disfunções, vi-sando tratar ou pelo menos compensar antes da cirurgia, reduz de forma signi� cativa a morbidade e mortalidade do TH.O serviço de TH do HUWC começou a realizar transplantes em 2002, contando com o ambulatório de anestesia desde o início. O objetivo, além de estrati� car risco e identi� car patologias, tem sido também explicar ao paciente e família sobre o ato anestésico, esclarecer dúvidas e tentar minimizar angústias.Semanalmente, atendemos pacientes que serão ou já estão lis-tados para TH. O protocolo de atendimento do receptor de TH do serviço inclui sempre a avaliação ambulatorial. Muitas vezes, esses 70pacientes são atendidos mais de uma vez. Excepcionalmente, alguns pacientes não são avaliados em regime ambulatorial, por apresenta-rem escore MELD elevado e serem transplantados em tempo muito curto. Esses casos são avaliados durante o internamento. Todos os pacientes que serão submetidos a TH realizam eletro-cardiograma (ECG), ecocardiograma com doppler (ECO), raio X de tórax, US abdominal total com doppler do sistema porta. São subme-tidos ainda a fenotipagem sanguínea, dosagem de eletrólitos, provas de função renal, hepática, hematimetria e dosagem de � brinogênio.No primeiro atendimento, além da avaliação de via aérea e rede venosa, analisamos exames e explicamos ao receptor e à famí-lia o ato anestésico. O atendimento é registrado no prontuário e o resumo no folhão do receptor (documento que resume a história, registro de exames e pareceres multidisciplinares). Dessa forma, o anestesiologista que fará o procedimento, terá acesso a avaliação que foi previamente realizada.Devido à complexidade e gravidade clínica dos receptores, é comum a solicitação de exames especí� cos para diagnóstico e seguimento de doenças preexistentes. Os mais frequentes são os testes de isquemia miocárdica, espirometria e ecocardiograma com microbolhas. Pacientes com suspeita de hipertensão pulmonar são encaminhados para estudo hemodinâmico. De acordo com protocolo do serviço, devem ser submetidos a teste de isquemia todos os diabéticos insulinodependentes acima de 35 anos, diabéticos não insulinodependentes acima de 40 anos com mais de 5 (cinco) anos de tratamento medicamentoso, maio-res de 65 anos, pacientes com doença arterial coronariana (DAC) prévia, além de maiores de 50 anos com pelo menos 3 (três) fatores de risco (tabagismo, DM, HAS, vasculopatias periféricas, história familiar para DAC). Devido às características próprias desses pacientes e medica-mentos em uso contínuo, para avaliação de DAC no hepatopata crônico, cintilogra� a miocárdica é o exame preferido. 71Durante a avaliação, podemos identi� car a necessidade de interconsulta com outra especialidade. As mais frequentes são com a cardiologia, pneumologia e hematologia.Uma vez avaliado pelo anestesiologista, o candidato a TH pode ser de imediato liberado ou necessitar retorno para apresentar parecer ou outro exame. Uma vez otimizado é, então, liberado.DISCUSSÃOO correto processo de avaliação pré-operatória deve incluir história clínica completa, exames laboratoriais e métodos comple-mentares diagnósticos. O objetivo principal é diagnosticar e tratar disfunções/distúrbios previamente e, dessa forma, minimizar riscos.Sempre que possível, essa avaliação deve ocorrer em regime ambulatorial. No entanto, devido à gravidade e instabilidade dos pacientes com cirrose hepática descompensada, é mandatória rea-valiação quando o paciente é admitido no hospital para a realiza-ção da cirurgia. Devemos repetir o exame físico, avaliar os exames colhidos na admissão, planejar a terapia transfusional e checar a quantidade de hemocomponentes disponibilizados. Importante alertar a agên-cia transfusional, caso haja o risco de transfusão maciça, como nos receptores com trombose de veia porta e/ou cirurgias prévias no andar superior do abdome.O desfecho positivo no TH começa na avaliação pré-opera-tória, como no caso em discussão, em que uma doença coronariana grave pode ser tratada com sucesso antes do transplante. A avaliação multidisciplinar é etapa imprescindível para o sucesso dos procedi-mentos de alta complexidade, especialmente o transplante hepático. REFERÊNCIAS BARJAKTAREVIC, I., LOPEZ, R.C, STEADMAN, R., et al. Pe-rioperative considerations in liver transplantation. Semin Respir Crit Care Med. v.39, n.5, p.609-624, 2018.72BONOU, M., MAVROGENI, S., KAPELIOS, C.J., et al. Pre-operative evaluation of coronary artery disease in liver transplant candidates: many unanswered questions in clinical practice. Diag-nostics, v.11, n.1, p.75, 2021.DALAL, A. Anesthesia for liver transplantation. Transplant Rev. 2016, v.30, n.1, p.51-60.FINDLAY, J.Y. Patient selection and preoperative evaluation for transplant surgery. Anesthesiology Clin. v.31, n.4, p.689-704, 2013. MOLINARI, M, JORGENSEN, D, AYLOO, S. et al. Preopera-tive strati! cation of liver transplant recipients: validation of the LTRS. Transplantation. v.104, n.12, p. e332-e341, 2020.73CAPÍTULO 5AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA E INSCRIÇÃO EM LISTAKarla Brandão PereiraHeloisa Vidal Alves PereiraLeandro Regis Melo AlvesKátia Suelly Ferreira AmorimCASO CLÍNICOPaciente do sexo feminino, 68 anos, encaminhada com qua-dro de ascite volumosa, fadiga e dispneia aos esforços. Após avalia-ção, teve diagnóstico de cirrose por esteatohepatite não alcoólica e ascite refratária – disfunção renal e hiponatremia relacionadas ao uso de diuréticos. Evoluiu com episódios de hemorragia digestiva por ectasia vascular de antro. Era hipertensa e diabética. Não tinha his-tória de etilismo ou tabagismo. Histerectomia prévia. História fami-liar de diabetes. Tinha boa aderência ao tratamento e ótimo suporte familiar. À admissão, apresentava-se com EGR, consciente e orien-tada, chamando atenção a ascite volumosa e a sarcopenia. Na avalia-ção laboratorial, apresentava escore Child-Pugh B8 e MELD-Na 17 (bilirrubina 1,82mg/dl; INR 1,14; creatinina 1,3 mg/dl; sódio 132 mEq/L; albumina 3,0 g/dL); plaquetas 100.000 /uL; Hba1c 6,5%; sódio urinário de 24h < 10 mEq. Foram descartadas infecções virais e bacterianas. TC abdome mostrava sinais de hepatopatia crônica e trombose parcial na veia porta (grau I). Na avaliação cardiopulmo-nar, cintilogra: a miocárdica demonstrou hipocaptação ínfero-basal 74em VE, com fração de ejeção normal. Realizou então cateterismo cardíaco que revelou lesão obstrutiva de 95% em óstio de CD. Após discussão do caso com a cardiologia, optou-se por angioplastia co-ronária percutânea antes do transplante. Realizou ligadura elástica de varizes esofágicas e coagulação de ectasias vasculares com plasma de argônio para controle de sangramento. Posteriormente, realizou angioplastia com implante de stent convencional, mantendo AAS e clopidogrel. Foi solicitada situação especial para transplante hepáti-co por ascite refratária (MELD 20). Três meses depois, foi suspensa a terapia antiplaquetária e o transplante foi realizado. Atualmente, após 2(dois) anos de transplante, segue em acompanhamento am-bulatorial, mantendo ótimas funções hepática e renal,em uso de dose baixa de tacrolimo. INTRODUÇÃOO transplante hepático (TH) revolucionou o tratamento da doença hepática terminal, da insu# ciência hepática aguda e das neoplasias hepáticas. Engloba um conjunto complexo de atitudes e procedimentos, com necessidade de recursos humanos especiali-zados, infraestrutura e ambiente adequados para o sucesso do pro-cesso multidisciplinar, que se inicia bem antes no pré-operatório e continua após o transplante.A complexidade da cirurgia em receptores muitas vezes de-bilitados por causa da doença avançada pode levar a complicações técnicas, além dos efeitos adversos da imunossupressão terapêu-tica. Portanto, a decisão de listar um paciente para transplante é uma análise de risco e benefício na qual os riscos inerentes à ci-rurgia, recorrência da doença de base e imunossupressão a longo prazo devem ser pesados contra os benefícios do transplante. Na maioria dos casos, os riscos associados à doença não superam os benefícios do TH, que incluem aumento da sobrevida, prevenção de complicações a longo prazo e melhoria da qualidade de vida. 75A avaliação dos candidatos visa con� rmar a indicação do TH, investigar possíveis contraindicações, além de identi� car e tratar si-tuações que possam ser importantes durante e após a cirurgia.As indicações gerais para o TH são: doença hepática crônica avançada e irreversível, insu� ciência hepática aguda grave e doença hepática metabólica congênita (Quadro 1).Quadro 1 – Indicações de transplante de fígadoInsufi ciência hepática aguda graveCirrose não colestáticaHepatites crônicas pelos vírus B e C, doença hepática alcoólica crônica, hepatite autoimune, cirrose criptogênicaCirrose colestáticaColangite biliar primária, colangite esclerosante primária, atresia de vias biliares, doença de AlagilleDoenças metabólicas que causam cirroseEsteatohepatite não alcoólica, doença de Wilson, defi ciência de alfa-1-an-titripsina, hemocromatose hereditária, tirosinemia, glicogenose tipos I e IV, fi brose císticaDoenças metabólicas que causam grave morbidade extra-hepáticaPolineuropatia amiloidótica familiar, hiperoxalúria primáriaTumores primários do fígadoCarcinoma hepatocelular, carcinoma fi brolamelarOutrosSíndrome de Budd-Chiari, doença hepática policística, metástase hepática de tumor neuroendócrinoFonte: MARTIN et al, 2013.A avaliação para TH deve ser considerada quando um pa-ciente com cirrose evolui com piora da função hepática ou apre-senta complicações como ascite, peritonite bacteriana espontânea (PBE), encefalopatia hepática (EH), hemorragia digestiva alta (HDA) refratária, síndrome hepatorrenal (SHR), carcinoma hepa-tocelular (CHC), pois são importantes preditores de diminuição da sobrevida, com elevada mortalidade.76Os critérios clínicos e laboratoriais, representados pelos esco-res de Child-Pugh e MELD são amplamente utilizados (Quadro 2). O escore MELD (bilirrubina, INR, creatinina e sódio) é uma escala contínua de gravidade que prediz a mortalidade em três meses e é utilizado como parâmetro para a alocação do fígado. A incorpora-ção do sódio sérico no escore MELD foi proposta para priorizar a alocação de órgãos para candidatos com hiponatremia, visto ser um marcador de aumento da mortalidade na lista de espera.O paciente pode ser encaminhado ao centro transplantador uma vez que tenha MELD > 10. Isto permite uma avaliação pela equipe em tempo adequado antes do desenvolvimento da doença terminal. O momento correto para a indicação do TH é funda-mental para maior taxa de sucesso, nem tão precoce o que levaria a um risco desnecessário, e, nem tão tardio o que aumentaria as complicações e a mortalidade. Pacientes cirróticos são tipicamente candidatos ao TH quando o escore MELD for ≥15. Quadro 2 – Classi� cação Child-Pugh (CP) de gravidade da cirrosePARÂMETROS 1 2 3ENCEFALOPATIA Ausente Grau 1 - 2 Grau 3 - 4ASCITE Ausente Leve ModeradaBILIRRUBINAS (mg/dl) < 2,0 mg/dL 2,0 – 3,0 mg/dL > 3,0 mg/dLALBUMINA (g/dl) > 3,5 g/dL 2,8 – 3,5 g/dL < 2,8 g/dLINR < 1,7 1,7 – 2,3 > 2,3Fonte: ROSEN; MARTIN,1999.Notas: 5-6: CP A (doença compensada) 7-9: CP B (disfunção signi! cante) 10-15: CP C (doença descompensada). Correlação com sobrevida entre 1(um) e 2(dois) anos: CP A: 100 e 85%; CP B: 80% e 60%; CP C: 45% e 35%.Algumas condições ou complicações devem ser analisadas de maneira especial, pelas suas peculiaridades e por não se enquadra-rem na regra geral. Estas situações, em que o prognóstico depende de outros fatores ou a sobrevida é prejudicada, recebem pontuação MELD que varia 20 a 29, independentemente do escore calculado (Quadro 3), como no caso de ascite refratária relatado.77Quadro 3 – Situações especiais para transplanteAscite refratária (MELD 29)Encefalopatia persistente Carcinoma hepatocelular / Fibrolamelar / Hemangioendotelioma epitelióideColangite recorrentePrurido intratávelSíndrome hepatopulmonarPolineuropatia amiloidótica familiarHiperoxalúria primáriaDoença hepática policísticaMetástase hepática de tumor neuroendócrinoFonte: BRASIL, 2009.Considera-se uma contraindicação absoluta aquela que torna o TH tecnicamente impossível de ser realizado ou que determina uma sobrevida inaceitável pós-transplante (Quadro 4). Já uma con-traindicação relativa determina um resultado pós-transplante pior que o esperado. Idade avançada e obesidade mórbida são exemplos de contraindicações relativas que são analisadas caso a caso.Quadro 4 – Contraindicações ao Transplante de FígadoTrombose completa do sistema portaAlcoolismo ativo ou abuso de drogas ilícitas: período de abstinência < 6 meses; deterioração neuropsicológica importante; parecer desfavorável da psicologia/psiquiatria e/ou do serviço socialDoença cardíaca ou pulmonar graveDoença infecciosa ativa, sepseObesidade mórbida – IMC ³40 (relativa)Colangiocarcinoma intra-hepáticoNeoplasias extra-hepáticas < 5 anosTumores metastáticos, exceto neuroendócrinosFalta de aderência ou de adequado suporte socialFonte: MARTIN et al, 2013.78Não há consenso quanto ao limite de idade para a realização do TH. Recomenda-se que pacientes com mais de 70 anos sejam submetidos a cuidadosa avaliação, para descartar comorbidades, tais como doenças cardiopulmonares, neurológicas e neoplásicas. Estes casos devem ser analisados e autorizados pela Câmara Técni-ca Estadual de Transplantes mediante envio de relatório médico.DISCUSSÃOO objetivo da avaliação pré-transplante é identi! car e tra-tar as complicações da cirrose, a desnutrição e infecções em geral, abordar possíveis comorbidades e avaliar a capacidade do pacien-te de tolerar o estresse da cirurgia. Este acompanhamento servirá também para avaliação psicossocial, e esclarecimento ao paciente das suas dúvidas. As consultas são realizadas pela equipe multipro-! ssional (hepatologista, cirurgião, anestesista, enfermagem, nutri-ção, psicologia, serviço social).Uma série de exames laboratoriais para avaliar a função he-pática e renal, bem como exames virológicos e bacteriológicos são indispensáveis para a detecção de infecções ou de contatos prévios com vírus ou bactérias que potencialmente são reativados pelo uso da imunossupressão. Exames especí! cos variam dependendo da idade, sexo, etiologia da cirrose e comorbidades do paciente. Alguns exames servirão também como parâmetros na evolução se-quencial a que devem se submeter os pacientes (Quadro 5).Imagens abdominais (US abdominal com doppler, TC mul-tifásica ou RM de abdome) são necessários para avaliar a patência dos vasos do sistema porta e como rastreamento para CHC. Reali-zamos US doppler a cada 6(seis) meses no seguimento. 79Quadro 5 – Exames Pré-TransplanteExames laboratoriaisTipagem sanguínea ABO-Rh, hemograma completo, glicemia, perfi l lipídicoTestes bioquímicos e de função hepática (ALT, AST, FA, GGT, Bilirrubi-nas, Albumina, INR),alfa-fetoproteínaUreia, creatinina, clearance de creatinina, sódio, potássioSumário de urina e urinoculturaAvaliação de doenças infecciosasSorologias para hepatites A, B, C, D, HIV, CMV, EBV, varicela-zosterToxoplasmose, sífi lis (VDRL ou teste rápido), doença de ChagasTeste tuberculínico (PPD)Parasitológico de fezes para áreas endêmicas de estrongilóidesAvaliação cardiopulmonarECG e ecocardiograma transtorácico com doppler (ECO)Teste cardíaco de estresse se idade > 50 anos ou fator de risco (HAS, DM, dislipidemia, tabagismo)Oximetria de pulso; gasometria arterial se saturação de oxigênio baixaRaio X de tóraxTC tórax e espirometria para casos específi cosRastreamento de neoplasiasCHC: US doppler, TC multifásica ou RNM de abdomeColonoscopia se idade > 50 anos ou portador de colangite esclerosante primáriaExame ginecológico, mamografi a para mulheres > 35 anos Rastreamento de câncer de próstata para homens > 40 anosExame dermatológicoOutrosEndoscopia digestiva alta para cirróticos e/ou hipertensão portalDensitometria ósseaFonte: DOVE, 2021Notas: ALT: alanina aminotransferase; AST: aspartato aminotransferase; GGT: gamaglutamiltransferase; FA: fosfatase alcalina; INR: international normalized ratio CMV: citomegalovirus; EBV: Epstein-Barr vírus.80A avaliação cardiológica é fundamental, pois alterações he-modinâmicas que ocorrem durante a cirurgia e após a reperfusão, podem ser mal toleradas em pacientes com patologias cardíacas. A avaliação do risco cardíaco começa com a anamnese, investigando sintomas como dor precordial, dispneia, palpitações, bem como achados do exame físico como ausculta cardíaca alterada e turgên-cia jugular. No entanto, esses achados podem não ser con� áveis, visto que os cirróticos podem sentir fadiga e dispneia aos esforços, além da ascite e edema, que simulam uma insu� ciência cardíaca. Além disso, a debilidade desses pacientes pode limitar sua capa-cidade de exercício de tal forma que eles não o exerçam a ponto de ter angina. Os fatores de risco clássicos para doença arterial coronariana (DAC) incluem homens acima de 45 anos, mulheres acima de 55 anos, hipertensão arterial, diabetes, dislipidemia, ta-bagismo, e história familiar de DAC. Estima-se que entre 2,5% e 27% dos pacientes assintomáticos com cirrose têm DAC. Não há diretrizes claras para determinar quando a DAC é uma contraindicação absoluta ao TH. Na maioria dos centros, a doença não passível de revascularização percutânea ou cirúrgica, contraindica o TH, incluindo os pacientes que não podem tolerar a terapia antiplaquetária (trombocitopenia, coagulopatia ou risco signi� cativo de sangramento), bem como pacientes com cirrose Child B ou C que necessitem de revascularização cirúrgica devido à alta mortalidade peri-operatória. Todos os pacientes devem rea-lizar eletrocardiograma (ECG) e ecocardiograma (ECO). O ECO avalia a presença de anormalidades estruturais e a função sistólica ventricular esquerda. Uma fração de ejeção ≤ 45% deve indicar angiogra� a coronária. No geral, recomenda-se evitar o transplante em pacientes com insu� ciência cardíaca e fração de ejeção ≤ 40%. O ECO avalia ainda a pressão sistólica ventricular direita, que se estimada acima de 40 mmHg, exigirá cateterismo cardíaco direito para avaliação da pressão na artéria pulmonar. Uma pressão na 81artéria pulmonar acima de 40 mmHg, con� rma o diagnóstico de hipertensão portopulmonar grave e contraindica o TH. Embora não seja rotina na avaliação, o ECO com contraste salino intrave-noso pode ser necessário em pacientes com dispneia e hipoxemia para avaliar a presença de síndrome hepatopulmonar.Pacientes com mais de 50 anos ou com fatores de risco para DAC ou com achados anormais no ECG ou ECO devem ser sub-metidos a testes de estresse. Devido à debilidade clínica para teste de estresse físico, recomenda-se teste de estresse farmacológico as-sociado à imagem, que pode ser ecocardiograma com dobutamina ou cintilogra� a miocárdica com dipiridamol, ambos com excelen-te valor preditivo negativo. No caso relatado, a evidência de isquemia na cintilogra� a levou à realização da angiogra� a, que de� niu o diagnóstico de obs-trução coronária. O adequado tratamento com angioplastia foi determinante para que a paciente continuasse na � la e realizasse o transplante.A insu� ciência renal na cirrose aumenta o risco de mortali-dade e cerca de 50% dos pacientes morrem dentro de um mês após o início da disfunção renal. O diagnóstico diferencial é amplo e inclui hipovolemia, infecções, doença renal parenquimatosa crôni-ca (DRC) e síndrome hepatorrenal (SHR). A lesão renal aguda é caracterizada por aumento da creatinina basal >50% ou > 0,3 mg/dL em menos de 48 horas. No caso em questão, a paciente evoluiu com piora aguda da função renal, relacionada ao uso de diuréticos e hipovolemia, mas que foi revertida após estabilização clínica e suspensão de diuréticos.O transplante simultâneo fígado-rim está indicado se: DRC em estágio terminal com cirrose; insu� ciência hepática com DRC e taxa de � ltração glomerular <30 mL/min ou biópsia renal com mais que 30% de glomeruloesclerose e � brose; lesão renal aguda ou SHR com creatinina ≥ 2,0 mg/dL e diálise ≥ 8 semanas.82Candidatos ao TH têm maior risco de infecções, incluindo PBE, pneumonia e infecções do trato urinário. A infecção ativa precisa ser tratada antes da cirurgia. Como parte da avaliação, de-vem ser solicitadas diversas sorologias virais, testes para infecções por sí� lis e tuberculose latentes (Quadro 5). Avaliação odontoló-gica é essencial, pois infecções dentárias são fontes importantes de infecções após o TH. Várias vacinas são recomendadas antes do TH, incluindo he-patites A e B, pneumocócica, in� uenza, difteria, coqueluche, tétano e Covid-19. As vacinas de vírus vivo (sarampo, varicela, febre ama-rela) são contraindicadas após o transplante e, se necessárias, devem ser administradas pelo menos 2(dois) meses antes da cirurgia.A avaliação psicossocial tem como objetivo principal identi-� car problemas que prejudiquem o sucesso do TH, que incluem a falta de discernimento sobre a natureza do procedimento, a inca-pacidade de adesão aos tratamentos e uso ativo de álcool ou drogas ilícitas. Também devem ser considerados os elementos da família, as condições de moradia, a situação socioeconômica e a localização geográ� ca com relação ao centro transplantador. O apoio familiar é de suma importância.Para pacientes com histórico de alcoolismo ou uso de drogas ilícitas, deve ser oferecido tratamento e seguimento psiquiátrico, objetivando um período mínimo de sobriedade antes da listagem para transplante. Para os usuários de álcool, há uma regra geral, embora não haja consenso, da abstinência de 6 (seis) meses para serem listados para TH. Os casos, depois de completada a avaliação protocolar, são rela-tados em reunião conjunta do serviço de TH, onde se chega ao con-senso de aceitação para a maioria dos avaliados, que serão listados.O nome do paciente e seus dados pessoais com informações clínicas pertinentes são enviados à Secretaria da Saúde do Estado e farão parte da lista de espera para TH. Após ser listado, o paciente 83fará acompanhamento sequencial com o hepatologista por perío-dos variáveis, de acordo com suas condições clínicas e necessidade de atualização do escore MELD. REFERÊNCIAS DOVE, L.M, BROWN, Jr. RS. Liver transplantation in adults: Patient selection and pretransplantation evaluation. UpToDate, WALTHAM, M.A. 2021 Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/online. Acesso em: 16 maio 2021.FOX, A.N., BROWN, R.S Jr. Is the patient a candidate for liver transplantation? Clin Liver Dis. v.16, n.2, p.435-48.KITTLESON, M.M. Pretransplantation Evaluation: Cardiac. In: BUSUTTIL, R.W, KLINTMALM, G.B.G. Transplantation of the Liver. Philadelphia:Elsevier, 2015. p.411-18.LENTINE, K.L, COSTA, S.P., WEIR, M.R., et al. Cardiac disea-se evaluation and management among kidney and liver transplan-tation candidates: a scienti! c statement from the American Heart Association and the American College of Cardiology Foundation. Circulation, 2012, v.126, n.5, p.617-63.MARTIN, P., DI MARTINI, A., FENG, S., et al. Evaluation for liver transplantation in adults: 2013 practice guideline by the American Association for the Study of Liver Disease and the American Society of Transplantation. Hepatology, 2014, v.59, n.3, p.1144-65.BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 2600 de 21 de outubro de 2009. Aprova o Regulamento Técnico do Sistema Nacional de Transplantes.Brasilia, 2009.RAVAL, Z., HARINSTEIN, M.E., SKARO, A.I. et al. Cardiovas-cular risk assessment of the liver transplant candidate. J. Am. Coll Cardiol., 2011, v.58, n.3, p. 223-31.ROSEN, H.R, MARTIN, P. Liver transplantation. In: SCHIFF, E.R., SORRELL, M.F, MADDREY, W.C. (Editors). Schi" ’s dise-ase of the liver. Philadelphia: Lippincott-Raven Publishers,1999. p.1589-615.8485CAPÍTULO 6EXTRAÇÃO DE ENXERTO DE DOADOR FALECIDOJosé Francisco Rêgo e Silva FilhoJosé Alberto Dias Leite FilhoBartolomeu Alves Feitosa NetoMaria José Nascimento FlorCASO CLÍNICO Doador do sexo feminino, 64 anos, grupo sanguíneo O, IMC de 30,9 kg/m2, falecida por acidente vascular cerebral is-quêmico. Sem história de tabagismo ou etilismo. Internado há 8 dias em hospital terciário de cidade localizada a 220 Km do centro transplantador. Estava em uso de vasopressina (3ml/h) e piperacilina-tazobactam iniciado de maneira empírica no terceiro dia de internação. Apresentava os seguintes exames: leucócitos = 9.000/mm3; Hb = 6,2g; creatinina = 0,74mg/dL; ureia = 76mg/dL; Na =157mmol/L; AST = 27U/L; ALT= 127 U/L; GGT = 441 U/L; bilirrubina total = 0,34mg/dL; RNI = 1,23; glicemia = 353mg/dL; sorologias para hepatite B, hepati-te C, HTLV, doença de Chagas, HIV e si' lis não reagentes. O enxerto hepático foi alocado para um receptor de 60 anos com cirrose hepática alcoólica associado a carcinoma hepatocelular, com MELD calculado de 14 e MELD 20 por situação espe-cial. A equipe de captação, composta por 2 (dois) cirurgiões e 1(um) enfermeiro, foi transportada em aeronave da Secretaria 86Estadual de Saúde. Foram realizadas as extrações do fígado e dos 2 (dois) rins, com utilização de 4 (quatro) litros de solução de preservação IGL-1, sendo 2 (dois) L infundidos através de cânula posicionada em aorta e 2 (dois) através de cânula em veia porta após cateterização de veia mesentérica inferior. O enxerto apresentou bom aspecto após perfusão, com esteatose estimada menor que 30%, de tamanho médio, com bordas � -nas e amolecidas. Durante o preparo do enxerto na banca, fo-ram infundidos mais 2 (dois) L de solução de preservação IGL-1, através da porta, artéria hepática e via biliar. Nessa ocasião, foram evidenciadas duas variações anatômicas arteriais: artéria hepática esquerda, ramo da artéria gástrica esquerda; artéria he-pática direita, ramo da artéria mesentérica superior, além da artéria hepática própria oriunda do tronco celíaco (Figura 1). A cirurgia do receptor teve início após o pouso da equipe de captação na cidade de origem e transcorreu sem intercorrên-cias, com tempo total de 7:45min, tempo de isquemia fria de 05:30min e isquemia quente de 30min. A reconstrução arterial ocorreu com o implante da artéria hepática direita anômala na artéria esplênica do enxerto e uma anastomose do tronco celía-co do enxerto com a taça da artéria gastroduodenal do receptor. O receptor evoluiu muito bem, sem disfunção de enxerto ou outras complicações, com pico máximo de AST de 1512 U/L e ALT de 1027 U/L no pós-operatório, recebendo alta hospitalar no 6º dia.87Foto 1 – Artéria hepática com variaçõesINTRODUÇÃOA extração do enxerto é a primeira e uma das mais impor-tantes etapas do TH. No nosso meio, até o momento, todos os transplantes são realizados com enxertos de doadores falecidos, geralmente utilizando órgãos inteiros e, algumas vezes, reduzidos, para contemplar crianças. Esses doadores, por sua vez, podem ser classi% cados em doadores com parada circulatória ou doadores com morte encefálica, sendo estes últimos, o principal pool de do-adores no Brasil. O critério de morte encefálica inicialmente endossado pe-los critérios formais de diagnóstico, proposto pela Universidade de Harvard em 1968, evidencia uma perda permanente e irreversível das funções do sistema nervoso central. No Brasil, a con% rmação desse diagnóstico deve ser feita por dois médicos distintos com um intervalo mínimo entre as avaliações (que pode variar de acordo com a idade do doador), e um exame complementar, como um eletroencefalograma com ausência de atividade cerebral ou algum 88exame que evidencie ausência de � uxo sanguíneo cerebral, como ultrassonogra� a com doppler transcraniano ou arteriogra� a. Após o diagnóstico, é necessário o consentimento escrito da família, au-torizando a doação.A compatibilidade do enxerto hepático deve levar em con-sideração, principalmente, dois fatores - grupo sanguíneo ABO e peso do doador e receptor. Mesmo o fígado sendo considerado um órgão com boa tolerância imunogênica, transplantes ABO incom-patíveis são associados a episódios de rejeição hiperaguda, trombo-se de artéria hepática e outras complicações e não é permitido pela legislação atual do Brasil. A compatibilidade do peso entre doador e receptor também deve ser considerada, uma vez que o implante de enxerto muito pequeno para o receptor, pode ocasionar uma síndrome small-for-size (insu� ciência hepática relativa). O enxerto muito grande pode apresentar complicações severas, como síndro-me compartimental abdominal e disfunção.A cirurgia para retirada de órgãos para transplantes, normal-mente ocorre no hospital em que o doador se encontra internado e, o principal objetivo, é a obtenção de enxertos de qualidade. O procedimento é iniciado por uma ampla incisão esterno-pubiana, seguido da inspeção macroscópica dos órgãos tóraco-abdominais e avaliação sobre alguma contraindicação ao transplante (como in-fecção ativa ou neoplasias). Uma manobra de Cattel-Kocher é feita para se ter acesso aos vasos retroperitoneais.Ao extrair os órgãos, haverá um tempo em que eles não serão irrigados por sangue arterial ou portal, levando a um período de isquemia. Para diminuir a lesão causada pela isquemia, são utiliza-dos dois principais artifícios: hipotermia e soluções de preservação. A hipotermia é o elemento mais importante da preservação fria e é induzida durante a captação de órgãos pela infusão arterial (através de canulação da aorta próximo à bifurcação das ilíacas) e portal (através da canulação da veia mesentérica inferior ou superior) de solução resfriada e pela aplicação de gelo na cavidade e na superfí-89cie do fígado (Foto 2). Há vários tipos de soluções de preservação, sendo as mais utilizadas em nosso meio, Belzer, IGL-1 e Custodiol, mas todas têm os mesmos objetivos: prevenção do edema celular induzido pela hipotermia, do edema intersticial, do desbalanço de eletrólitos, da acidose intracelular, além de prover substrato para o metabolismo energético celular, entre outros. Foto 2 – Aorta e cava expostasNota: Cateter introduzido pela veia mesentérica inferior até a porta.Após a perfusão com solução de preservação e colocação de gelo, associada a exsanguinação, tem início a isquemia fria do órgão e uma outra parte da cirurgia de extração, cujo principal objetivo é a retirada rápida do enxerto, iniciada com a dissecção do hilo hepático, do tronco celíaco e da artéria mesentérica superior, deixando sempre os vasos e a via biliar longas para facilitar o implante do enxerto. O diafragma, os ligamentos hepáticos e a veia cava supra einfra-hepáti-ca são então seccionados e o enxerto hepático é retirado da cavidade 90abdominal. Em seguida, é colocado em um recipiente plástico estéril e perfundido novamente com 1(um) ou 2 (dois) litros de solução de preservação a depender do tamanho e aspecto do enxerto. A terceira parte da extração é o preparo do enxerto hepá-tico ex-situ, mais conhecido como cirurgia de banca. O enxerto deve permanecer imerso na solução fria de preservação dentro do recipiente. O objetivo é preparar o enxerto para o implante no receptor e identi! cação de possíveis variações anatômicas, através de dissecção do tronco celíaco, artéria mesentérica superior, veia porta e veia cava. Segmentos de diafragma e gordura peritoneal aderidos ao fígado devem também ser delicadamente removidos. DISCUSSÃOA falência de enxerto é uma das complicações mais temidas do transplante hepático, uma vez que ameaça a vida do receptor e está associada a prolongamento do tempo de internação e au-mento dos custos hospitalares. Pode ser diferenciada entre aguda e crônica, sendo os casos crônicos causados principalmente por recorrência das doenças hepáticas, complicações biliares ou rejei-ção crônica. Nos casos agudos, em que são excluídas causas secun-dárias para tal falência, como trombose de artéria hepática ou veia porta, é chamada de não função primária do enxerto (casos em que o paciente evolui para óbito ou com necessidade de retransplante) ou de disfunção precoce do enxerto (demais casos). Há vários fatores de risco conhecidos para uma não função primária ou disfunção precoce do enxerto, dentre eles, fatores relacionados ao doador (como idade avançada, esteatose hepáti-ca macrovesicular, ! brose hepática), ao receptor (como falência renal pré-transplante, retransplante ou uso de drogas vasoativas em altas doses) e ao transplante (como tempo de isquemia fria ou quente longos). A disparidade entre a necessidade e a oferta de enxertos, na maioria dos países, incluindo o Brasil, e a elevada mortalidade na ! la 91de transplante, propiciam o uso de órgãos com critérios expandidos, incluindo enxertos com esteatose macrovesicular leve e moderada, o que coloca os pacientes sob um maior risco de evoluírem com compli-cações pós-operatórias, entre estas, a não-função primária e a disfunção do enxerto. Esses enxertos com critérios expandidos devem, idealmente, ser alocados em receptores mais estáveis e com escores MELD mais bai-xos, com previsão de tempo de isquemia fria menor que 6 horas. No caso relatado, tratava-se de um doador com critério ex-pandido, por vários fatores: idade avançada > 60 anos, sódio acima de 155mEq/L e tempo prolongado de internação em UTI. No en-tanto, o enxerto apresentava bom aspecto macroscópico com bai-xa taxa de esteatose macrovesicular (con� rmada posteriormente na biópsia), associada a um curto tempo de isquemia fria e quente. A maioria absoluta dos serviços de TH, incluindo o nosso, não dispõe de anatomopatológico por congelação para avaliar o grau de estea-tose macrovesicular, principalmente porque os transplantes frequen-temente são realizados no período noturno e � nais de semana. Em publicação recente do serviço, analisando 109 enxertos durante a captação de órgãos por cirurgiões experientes, foi possível estimar o grau de esteatose < 60% em cerca de 90% dos casos. Esses dados foram con� rmados depois por exame anatomopatológico.O conhecimento da anatomia é um ponto crucial durante a cirurgia de extração, pois é possível identi� car variações dos va-sos hepáticos, que se não forem corretamente preservadas, poderão inviabilizar o transplante. No caso do paciente em discussão, fo-ram evidenciadas duas variações no mesmo enxerto, possibilitando uma reconstrução arterial com sucesso.A organização logística é extremamente importante para a extração de órgãos, havendo necessidade de uma boa interação da central estadual de transplantes com as equipes de captação e transplante, com os membros das comissões intra-hospitalares de captação de órgãos (CIHDOTTs) do hospital em que o doador se encontra e com o sistema de transporte aéreo. Somente dessa forma 92é possível extrair órgãos com tempos de isquemias frias adequados e, como consequência, com altas taxas de sucesso dos transplantes. O caso relatado é um exemplo de como essa organização logística é fundamental, e sem a qual, muitos enxertos seriam perdidos, acarretando aumento da mortalidade em lista de espera.REFERÊNCIAS BUSUTIL, R.W., DINORCIA, J., KALDAS, F.M. Extendend Criteria Donors. Transplantation of the Liver. 3th Edition. Phila-delphia: Elsevier, 2015. p.547-556.DUTKOWSKI, P., SCHLEGEL A, SLANKAMENAC, K., OBERKOFLER, C.E., et al. ! e Use of Fatty Liver Grafts in Mo-dern Allocation Systems. Ann Surg. 2012, v.256, n.5, p. 861-869. GAO, F., XU, X., LING, Q., et al. E" cacy and Safety of Mo-derately Steatotic Donor Liver in Transplantation. Hepatobiliary Pancreat Dis Int. 2009, v.8, n.1, p. 29-33.MARTINS, A.M.A., COELHO, G.R., MARQUES, G.A., et al. Hepatic steatosis assessment: a comparative study between surge-on evaluation and forward histopathologic # ndings. Arq Gastro-enterol. 2013, v.50, n.1, p.15-18.OTHOFF, K.M., KULIK, L., SAMSTEIN, B., et al. Validation of a Current De# nition of Early Allograft Dysfunction in Liver Transplant Recipients and Analysis of Risk Factors. Liver Transpl. 2010,v.16, n.8, p. 943-949.PETROWSKY, H., BUSUTIL, R.W. Graft Failure. In: BUSUT-TIL, R.W., KLINTMALM, G.B.G., (Editors). Transplantation of the Liver.3th Edition. Philadelphia: Elsevier; 2014. p.960-974.WONG, T.C.L, FUNG, J.Y.Y., CHOK, K.S.H., CHEUNG, T.T., et al. Excellent Outcomes of Liver Transplantation Using Severely Steatotic Grafts from Brain-Dead Donors. Liver Trans-plant. 2016, v.22, 2, p. 226-236.93CAPÍTULO 7TÉCNICA PADRÃO DO TRANSPLANTE HEPÁTICO Marcos Aurélio Pessoa BarrosAna Clemilda Marques XimenesJosé Huygens Parente GarciaCASO CLÍNICOPaciente masculino, 44 anos, natural e procedente de Eiruno-pé - Amazonas, portador de cirrose hepática pelo vírus da hepatite B. Há um ano evoluindo com ascite e episódios de hemorragia di-gestiva. Em julho de 2018, com escore MELD 22 e MELD Na 25, foi submetido a transplante hepático (TH) com doador falecido por trauma cranioencefálico, de 27 anos. Doador com variação anatô-mica rara, apresentando 3 (três) artérias: artéria hepática esquerda ramo direto da aorta, tronco celíaco ramo da aorta e artéria hepáti-ca direita oriunda da artéria mesentérica superior (AMS) (Foto 1). Após anestesia geral e monitorização invasiva, foi realizada hepatec-tomia com preservação de veia cava inferior (técnica piggyback). Na fase anepática, dissecção de artéria hepática comum até a taça da artéria gastroduodenal, para reduzir o tempo de isquemia arterial. Com o enxerto no campo operatório, foi realizada anastomose da veia cava supra-hepática do enxerto com as 3 (três) veias hepáticas do receptor de forma término-lateral. Em seguida, anastomose da veia porta término-terminal com excelente perfusão do enxerto. De-vido a ariação arterial rara do enxerto, 3 (três) artérias em direção ao fígado, foi realizada reconstrução arterial anastomosando a artéria 94hepática esquerda anômala com artéria esplênica e tronco celíaco na óstio proximal da AMS, já que a artéria hepática direita anômala se originava desse vaso (Figura 2).No receptor, foi realizada anastomose do óstio distal da AMS do enxerto com “taça” da artéria gastroduodenal do receptor, ou seja, bifurcação da artéria hepática comum com a artéria gas-troduodenal (Figura 3). Foto 1 – Enxerto com variação anatômica arterialNotas: AHD: Artéria Hepática Direita (ramo da Mesentérica); AHE: Artéria Hepática Esquerda (ramo direito da Aorta); AM: Artéria Mesen-térica; TC: Tronco Celíaco (ramo da Aorta).95Foto 2 – Reconstrução arterial do enxertoNotas: Anastomoseda AHE em AE (Artéria esplênica); Anastomose do TC com óstio proximal de AM.Foto 3 – Anastomose receptor-doadorNotas: AM: Artéria Mesentérica; AGD: Artéria Gastroduodenal. Anastomose do óstio distal da AM do enxerto com a taça da AGD do receptor.96Em seguida, foi realizada revisão da hemostasia e anastomo-se colédoco-colédoco término-terminal. Durante o transoperató-rio, foram transfundidas 10 unidades de plaquetas e 10 unidades de CRIO. Tempos de isquemia quente de 31 minutos e isquemia fria de 5,44 horas. O tempo total de cirurgia foi de 6,4 horas. No pós-operatório, necessitou transfusão de 2 (dois) concentrados de hemácias no 3º dia e recebeu alta hospitalar no 18º dia pós-ope-ratório após tratamento de quadro infeccioso pulmonar, com boa função do enxerto. Dois meses após o transplante, em setembro de 2018, passou a apresentar episódios de icterícia � utuante associados a prurido, sendo identi� cada estenose da anastomose biliar, tratada com sucesso por via endoscópica. Passados 3 anos do TH, o paciente encontra-se muito bem, em uso apenas de tacrolimo e entecavir.INTRODUÇÃOHá 3(três) técnicas operatórias de TH com doador falecido. A primeira, denominada clássica, implica na utilização de circula-ção extracorpórea após a retirada do fígado nativo em bloco com a veia cava inferior (VCI). Uma bomba drena o sangue proveniente da VCI e veia porta para a veia cava superior através de uma cânu-la introduzida geralmente na veia jugular esquerda (Foto 4). Esse desvio evita a estagnação sanguínea no território esplâncnico e per-mite um melhor controle hemodinâmico do paciente.97Foto 4 – Técnica clássica com circulação extracorpórea Fonte: MIES, 1995.Foto 5 – Técnica com preservação de veia cava –piggybackFonte: MIES, 1995.98A segunda técnica difere da primeira, por não utilizar circu-lação extracorpórea, mesmo ressecando a veia cava em conjunto com o fígado. Alguns pacientes podem não tolerar o pinçamento da veia cava retrohepática, apresentando instabilidade hemodinâ-mica. Por outro lado, mesmo os pacientes que suportam a oclusão da veia cava, geralmente necessitam do aporte de grande volume de soluções salinas e coloides, que podem acarretar efeitos adversos após a revascularização do enxerto.A terceira técnica, descrita por Calne e William em 1968, evita a interrupção do � uxo da VCI, através da dissecção do fíga-do e sua liberação da veia cava retrohepática até a emergência das veias hepáticas. Após a hepatectomia do órgão nativo, a veia cava suprahepática do enxerto é anastomosada diretamente na união das veias hepáticas esquerda, média e direita. A veia cava infrahe-pática do enxerto é ligada. Uma variante dessa técnica é o fecha-mento da veia cava supra e infrahepática do enxerto e confecção de uma ampla anastomose látero-lateral entre as veias cavas do enxerto e do receptor. Esse método, conhecido como piggyback, foi difundido principalmente por Tzakis em transplante pediá-trico. Essa técnica tem a preferência da maioria dos grupos de transplante por propiciar mais estabilidade hemodinâmica, me-nor índice de transfusão de hemoderivados e de disfunção renal (Figura 5).A via de acesso preferida é uma incisão subcostal bilateral com prolongamento xifoidiano. Em 2.000 transplantes realizados no nosso serviço, a hepatectomia do fígado nativo foi realizada com a técnica de preservação da veia cava – técnica de piggyback - em mais de 95% dos casos. Nessa casuística, nunca foi instalada circulação extracorpórea. Após a hemostasia adequada, o enxerto hepático é retirado da solução com gelo estéril para o início do implante do órgão. Nesse momento, termina a isquemia fria e co-meça a isquemia quente.99O implante do enxerto hepático é realizado com a con-fecção das anastomoses da veia cava do enxerto com as três veias hepáticas do receptor (em casos selecionados utilizamos somente as veias hepáticas E/M com prolongamento na cava) e da veia porta do enxerto com veia porta do receptor. Após essas duas anastomoses, o � uxo sanguíneo através das veias hepáticas e da veia porta é restabelecido e o enxerto reperfundido, � nalizando o tempo de isquemia quente. Após estabilização hemodinâmica e hemostasia, é iniciada a reconstrução arterial. Nos primeiros 105 transplantes, o nosso grupo realizou anastomose contínua com � o polipropileno 7.0 e com auxílio de lupas com uma taxa de 9% de trombose. Em seguida, passou a realizar anastomose arterial com sutura com pontos interrompidos com queda da taxa de trombose para 2%, conforme estudo publicado em artigo recen-te. A anastomose biliar utilizada de rotina é a colédoco-colédoco termino-terminal sem dreno, com � o absorvível mono� lamentar 6.0. Em casos selecionados, é utilizada a colédoco-jejuno anasto-mose com alça em Y-de-Roux.DISCUSSÃOO evento mais temido é o não funcionamento do enxerto após o TH. A trombose da artéria hepática é a complicação vas-cular mais frequente e mais grave de transplante de fígado, sendo uma das principais causas de perda do enxerto.Complicações biliares são frequentes em pacientes subme-tidos a TH com doador falecido. Elas ocorrem principalmente ao longo do primeiro ano após o transplante, mais frequentemente nos primeiros três meses, com incidência entre 11% e 34%. Com-plicações que ocorrem após procedimentos cirúrgicos são frequen-temente atribuídas a questões técnicas. Entretanto, as técnicas de anastomoses biliares são insu� cientes para explicar os casos fre-quentes de estenoses e fístulas, que representam as complicações 100que mais ocorrem após transplantes de fígado, acometendo até 34% dos pacientes. A literatura já demonstrou que o aumento do tempo cirúr-gico, o tempo prolongado de isquemia fria e quente aumentam o risco de trombose de artéria. Estudo recente em nosso serviço com mais de 1000 transplantes demonstrou ainda que anastomose em sutura contínua tem 263% a mais trombose quando comparada à sutura interrompida. Além de que o tempo de isquemia quente prolongado, MELD elevado e idade do receptor foram fatores de risco independentes para trombose de artéria hepática após trans-plante de fígado em adultos. O tempo de isquemia fria prolongada também tem sido apontado como um fator de risco independente de rejeição aguda ao enxerto. Um limite seguro para o tempo de isquemia fria não foi de-� nido na literatura até o momento, havendo ampla discussão entre os estudos que o avaliam. Alguns grupos têm estabelecido 12 horas como período máximo apropriado para que não haja repercussão na função do enxerto, enquanto outros mais recentes sugerem que a caracterização de um tempo adequado deve obedecer a critérios que individualizem cada paciente de acordo com os outros fatores de risco presentes.No nosso serviço, individualizamos o tempo de isquemia tolerável, de acordo com os fatores de risco dos nossos receptores. O tempo de isquemia fria em média é abaixo de 8 horas, sendo as mais longas consequente a captações realizadas a distância. Evita-mos aceitar enxerto com isquemia presumida maior de 10 horas.A padronização da técnica em todos os tempos cirúrgicos, incluindo as anastomoses dos vasos e expertise da equipe, tem apresentado excelentes resultados, com menos de 2% de trom-bose arterial. Esse caso, com 3(três) artérias desembocando no enxerto hepático, poderia ter acarretado uma maior chance de trombose 101arterial, já que resultou em uma reconstrução rara e complexa. To-davia, foi seguido o padrão técnico básico de uma boa anastomose, sem tensão, sem redundância, pontos separados e com uso de lu-pas, o que contribuiu para o bom desfecho � nal.REFER ÊNCIAS AKAMATSU, N., SUGAWARA, Y., HASHIMOTO, D. Biliary reconstruction, its complications and management of biliary com-plications after adult liver transplantation: a systematic review of the incidence, riskfactors and outcome. Transpl Int. v.24, n.4,p.379-92, 2011.FREITAS, A.C.T., MATOS, D.M.N., MILSTED, J.A.T, et al. Efeitos do tempo de isquemia fria sobre os enxertos hepáticos. ABCD. Arq. Bras. Cir. Dig. v.30, n.4, p.239-243, 2017.LIMA, A.S., PEREIRA, B.B., JUNGMANN, S., et al. Fatores de risco para complicações biliares pós-transplante hepático na ausên-cia de complicações arteriais. ABCD Arq. Bras. Cir. Dig. 2020, v.33, n.3. [s.d.].MIES, S.O doente cirúrgico ictérico. [s.l.]: Robel, 1995.PINTO, V.L.E, GARCIA, J.H.P., COELHO, G.R., et al. Risk fac-tors associated with hepatic artery thrombosis: analysis of 1050 liver transplants. ABCD Arq. Bras. Cir. Dig., 2020, v.33, n.4, [s.d.].SALVIANO, M.E.M., LIMA, A.S., TONELLI, I.S., CORREA HP, CHIANCA TCM. Disfunção e não função primária do enx-erto hepático: revisão integrativa. Rev. Col. Bras. Cir., v.46, n.1, [s.d.].YOSHIYA, S., YOSHIZUMI, T., ISEDA, N., et al. Anastomosis of the Common Hepatic Artery and Round Ligament as Portal Vein Arterialization for Hepatic Artery Occlusion After Deceased Donor Liver Transplantation: A Case Report. Transplantation Proceedings. v.52, n.2, p.641-643, 2020. 102103CAPÍTULO 8 CUIDADOS INTENSIVOS NO PÓS-OPERATÓRIO IMEDIATOAlberto Hil Furtado Jr.Dirk SchreenCASO CLÍNICOPaciente do sexo feminino, 43 anos, acompanhada no servi-ço por colangite esclerosante primária e já listada para transplante, com histórico de diversas descompensações agudas por hemorra-gia digestiva alta (HDA) e síndrome hepatorrenal tipo 1 (SHR1). No início de janeiro de 2021 apresentou novo episódio de HDA, sendo admitida em outro serviço, em Fortaleza. Foi necessário a passagem de Balão de Sangstaken-Blakemore para conter o san-gramento e intubação orotraqueal para proteção de vias aéreas. Estabilizado o quadro agudo, foi mantida ativa na * la para trans-plante. Dois dias após sua internação, ainda em ventilação mecâ-nica e com baixa dose de noradrenalina, foi oferecido um órgão de doador falecido de 21 anos, em João Pessoa, Paraíba. Devido à logística de captação, uma das equipes de transplante de Recife, Pernambuco, se pronti* cou a realizá-la. O órgão foi, então, trazi-do para Fortaleza por via aérea. Concomitantemente à captação, a paciente foi transportada por equipe do SAMU para o hospital onde seria realizado o transplante. O procedimento foi realizado sem intercorrências importantes. O tempo de isquemia fria foi de 7:11h e de isquemia quente, 30 minutos, com um tempo total de cirurgia de 5:48h. Recebeu 4(quatro) concentrados de hemácias, 1043(três) plasmas frescos congelados e 4(quatro) unidades de crio precipitado. Evoluiu no pós-operatório com boa função do enxer-to, permitindo desmame das drogas vasoativas e extubação após cerca de 24h. Teve discreta a moderada alteração da função renal, com rápida recuperação. Não teve novas intercorrências, receben-do alta hospitalar no 7º dia de pós-operatório.INTRODUÇÃOO pós-operatório do transplante hepático (TH) é a etapa " -nal de um processo que começa na preparação do paciente durante o pré-transplante e é o resultado de todos os eventos ocorridos no período perioperatório. Desta forma, qualquer evento ou inter-corrência que ocorra nesse período, ou ainda, na história pregressa recente do paciente, tem impacto também no pós-operatório.Considerada uma das cirurgias mais complexas da atuali-dade, devido ao impacto global no organismo do receptor, o TH também tem um pós-operatório com múltiplas especi" cidades, em que algumas condutas podem determinar o prognóstico do paciente. Como exemplo, a ausência de detecção precoce de dis-função de enxerto ou de sangramentos, pode levar a quadros gra-ves e arrastados e, muitas vezes, ao óbito.De um modo geral, no entanto, podemos dividir a aborda-gem do paciente no pós-operatório imediato na UTI, semelhante a outras cirurgias de grande porte, de forma prática, sistematizan-do e focando o cuidado nos seguintes aspectos:Manejo ventilatórioDurante o transplante, o objetivo é manter valores " sioló-gicos normais ou quase normais até o " nal da cirurgia. Após a chegada do receptor na UTI, o clínico deve avaliar a estabilidade hemodinâmica e ventilatória com o objetivo de extubação preco-ce do paciente. Normalmente, evitamos sedar os pacientes, tanto 105pelo objetivo de extubar precocemente, como para termos parâ-metros neurológicos do funcionamento do enxerto.Alguns critérios para considerar desconexão e extubação do paciente devem ser buscados ativamente:• PaO2 ≥60 mmHg com FIO2 ≤0,4 e PEEP ≤5 a 8 cm H2O; • Hemodinâmica estável, com boa perfusão tecidual, sem ou com doses baixas de vasopressores, ausência de insu-� ciência coronariana descompensada ou arritmias com repercussão hemodinâmica; • Paciente capaz de iniciar esforços inspiratórios; • Balanço hídrico neutro ou negativo nas últimas horas; • Equilíbrio ácido-básico e eletrolítico normais ou em cor-reção; • Considerar adiar extubação quando houver possibilidade de reintervenção devido a problemas com a hemostasia.Outros fatores a serem considerados relacionados ao pro-cedimento são: tempo de sala, hemostasia e história de encefa-lopatia hepática.Com a evolução da expertise dos anestesiologistas e a sin-cronia entre a equipe do trans e pós-operatórios muitos pacientes atualmente chegam à UTI já extubados. Manejo hemodinâmicoPacientes cirróticos geralmente têm alto débito cardíaco e baixa resistência vascular sistêmica. Esta característica hemodinâ-mica não se reverte de imediato, podendo estar exacerbada no pós--operatório. Entretanto, com o início do funcionamento do enxer-to, a tendência é de rápida reversão da vasodilatação, permitindo o desmame das drogas vasoativas. Por outro lado, com o aumento do tônus vascular e da osmolaridade, o volume intravascular tende a aumentar, levando a quadros de congestão.106Um dos principais objetivos no pós-operatório é garantir a boa perfusão do enxerto. Isto é obtido por uma pressão arterial adequada, mas também, garantindo-se uma drenagem e� ciente do sangue através do fígado. Considerando-se que a pressão da veia porta é de 5 a 10 mmHg, a pressão em veia cava (normalmente monitorada através da pressão venosa central), não pode ser supe-rior a ela, caso contrário haverá di� culdade no e� uxo sanguíneo hepático e congestão do enxerto, podendo promover ou agravar quadros de disfunção do enxerto.Assim, a conduta de escolha para a estabilização hemodinâ-mica nos pacientes em pós-operatorio imediato de transplante de fígado é o uso de drogas vasoativas, evitando-se grandes aportes de volume e balanço hídrico positivo. A escolha das drogas vasoativas varia conforme o serviço, mas nós preferimos a noradrenalina, pelo seu efeito vasopressor, e adrenalina, pelo seu efeito vasopressor as-sociado a efeito inotrópico positivo. Em alguns casos, quando a vasoplegia é muito importante e não há resposta aos vasopressores habituais, descartando-se outros motivos de choque, como hemor-ragia e sepse, utilizamos azul de metileno.As metas geralmente são garantir pressão arterial média por volta ou acima de 70mmHg e PVC mais baixa possível, com balanço hídrico reduzido. O acompanhamento do lactato é bas-tante útil, tendo-se em mente que o lactato inicial tende a ser elevado. Mesmo em uso de drogas vasoativas, sua queda re� ete, não só uma boa perfusão tecidual, como também o bom funcio-namento do enxerto. Manejo da função renalA insu� ciência renal aguda (antes ou após o transplante) tem um impacto signi� cativo na sobrevivência do enxerto e do paciente. A mortalidade aumenta para 40% nos pacientes com in-su� ciência renal dialítica perioperatória. Oligúria e alterações leves 107a moderadas da função renal são, no entanto, muito comuns nes-ses pacientes.O prognóstico dessas disfunções depende,diretamente, da qualidade e bom funcionamento do enxerto. Assim, enxertos com boa função tendem a evoluir com boa função renal ou sua rápida recuperação. Pacientes com disfunção do enxerto hepático evo-luem com disfunção renal mais grave, precisando de hemodiálise. Depreende-se, com isso, que garantindo um bom funcionamento do enxerto possivelmente teremos uma evolução renal favorável.Algumas condições que levam a maior risco de disfunção renal estão listadas no Quadro 1 a seguir.Quadro 1 – Condições que levam a maior risco de disfunção renalFatores Predisponentes para Disfunção Renal no Pós-Operatório do Transplante de FígadoComorbidades pré-transplanteHipertensão arterial sistêmica, Diabetes mellitusDisfunção renal prévia dialítica ou nãoQuestões relacionadas ao enxertoTempos de isquemia fria e quenteEventos intra-operatóriosSangramentos e instabilidade hemodinâ-mica importanteCondições pós-operatóriasHipotensão, sangramentos, necessidade de reoperação, disfunção do enxerto, infecçõesFonte: Adaptado de BUSUTTIL; KLINTMALM, 2014.As condutas mais importantes para prevenir e tratar a dis-função renal estão listadas no Quadro 2 abaixo.108Quadro 2 – Condutas mais importantes para prevenir e tratar a disfunção renalCondutas para o Prevenção e Tratamento da Disfunção Renal- Manter PA adequada, garantindo boa perfusão periférica- Evitar sobrecarga de volume- Iniciar diuréticos de alça, intermitente ou em infusão contínua, objetivan-do um balanço hídrico neutro- Hemodiálise quando não houver resposta com diurético- Evitar congestão hepática e manter boa perfusão do enxerto- Evitar medicamentos nefrotóxicos e contrastes intravenosos- Adequar o esquema imunossupressor, em particular os inibidores de calcineurina, conforme a função renalFonte: Adaptado de BUSUTTIL; KLINTMALM, 2014.O uso de diuréticos, particularmente da furosemida, acaba por ser conduta muito comum nesses pacientes, devido a oligúria frequente. A opção quanto à infusão contínua varia com o grau da disfunção renal, mas tem se demonstrado mais e' caz em casos refratários. Conforme a literatura, doses de até 160mg/h de fu-rosemida podem ser utilizadas, sendo que em nosso serviço não ultrapassamos a dose de 0.5mg/Kg/h. Muitas vezes associamos al-bumina de horário para esses pacientes, com bons resultados.Monitorização da hemostasiaSangramentos são os eventos mais frequentes e deletérios no pós-operatório do transplante. Eventualmente são devidos a coa-gulopatia desencadeada pela cirurgia, mas, normalmente, quando há instabilidade hemodinâmica importante, a causa é de origem vascular, exigindo reintervenção. Rotineiramente, em nosso servi-ço, mantemos dreno abdominal até haver segurança em relação a sangramentos e, em casos mais selecionados, por exemplo, quando houver risco aumentado de fístula biliar, por mais tempo. O débito costuma estar elevado em pacientes que tinham ascite importante 109antes do transplante, mas o aspecto é de fundamental importância. Débitos serosanguinolentos claros não causam preocupação. No entanto, débitos hemorrágicos persistentes indicam reoperação.O nível de hemoglobina não deve ser guiado somente por trigger points, mas principalmente pela clínica e hemodinâmica do paciente. Apesar de termos sido conservadores em relação a trans-fusões por muitos anos, ultimamente temos sido mais permissivos. Muitas vezes é preferível transfundir concentrado de hemácias do que fazer volume em forma de cristaloides.Quanto à correção de distúrbios da coagulação, ela também é guiada pela clínica do paciente. Mesmo apresentando alargamento do TAP, baixo nível de $ brinogênio ou plaquetopenia, normalmente os pacientes só recebem, respectivamente, plasma, crioprecipitado e plaquetas, se houver evidência ou suspeita de sangramento. Monitorização da função do enxertoA vigilância quanto à função do enxerto, é um dos aspectos mais importantes no pós-operatório desses pacientes. Os principais parâmetros a serem observados estão listados a seguir (Quadro 3).Quadro 3 – Principais parâmetros no pós-operatórioDisfunção do EnxertoAspectos clínicos Aspectos laboratoriaisNeurológico/DespertarHemodinâmicaDiureseHipoglicemiasEnzimas hepáticas (AST/ALT)TAPLactatoBicarbonatoBilirrubinasOs aspectos particulares da disfunção do enxerto serão abor-dados em outro capítulo, mas o seu reconhecimento e intervenção precoce são de fundamental importância para o bom prognóstico do paciente.110DISCUSSÃOO caso apresentado ilustra uma total interdependência entre os eventos pré, intra e pós-operatórios. Mais do que isso, demons-tra que, em um transplante, várias equipes podem estar envolvidas, cada uma delas cumprindo um aspecto fundamental para garantir um bom resultado. Tratada por hemorragia digestiva e intubada em um hospital público terciário, recebeu um fígado captado em João Pessoa pela equipe de Recife, teve esse enxerto enviado a For-taleza, e ( nalmente, foi transplantada em nosso serviço, tendo ex-celente evolução.Atualmente a paciente tem cerca de 8 meses de transplante, vem em acompanhamento ambulatorial, sem sinais de rejeição ou outras intercorrências.Casos como este somente são possíveis devido ao compro-metimento de diversos serviços, instituições e pro( ssionais, médi-cos e não médicos.REFERÊNCIAS ADAM, R; KARAM, V; CAILLIEZ, V; et al. 2018 annual report of the European Liver Transplant Registry (ELTR) - 50-year evo-lution of liver transplantation. Transpl. Int., v. 31, n.12, p.1293-1317, 2018.FELTRACCO, P, BARBIERI, S, GALLIGIONI, H, Intensive care management of liver transplanted patients. World J. 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In: BUSUTTIL, R.W, KLINT-MALM, G.B. Transplantation of the Liver. 3 ed. Saunders;, p. 866-893, 2014.112113CAPÍTULO 9 PÓS-OPERATÓRIO TARDIO E IMUNOSSUPRESSÃOKarla Brandão PereiraCASO CLÍNICOPaciente masculino, 68 anos, foi encaminhado por quadro de cirrose pelo vírus da hepatite B e ascite refratária ao tratamen-to diurético, com necessidade de paracenteses seriadas. Diagnóstico recente de diabetes com necessidade de insulina. Sem história de etilismo, tabagismo ou cirurgias prévias. À admissão, apresentava-se com EGR, consciente e orientado, emagrecido, com ascite volumo-sa. Na avaliação laboratorial, apresentava escore Child-Pugh C10 e Meld-Na 17 (bilirrubina 3,85 mg/dl; INR 1,35; creatinina 1,2 mg/dL; sódio 140 mEq/dL; albumina 3,4 g/dl). Glicemia 135mg/dl, HbA1c 6,5%; alfa-fetoproteína normal; taxa de + ltração glomerular - TFG (CKD-EPI): 63 mL/min/1,73m2. Sódio urinário de 24h: 34 mEq; Proteinúria 24h: 88 mg. Ultrassonogra+ a (US) de vias uriná-rias normal. Tomogra+ a computadorizada (TC) de abdome mos-trava nódulo hepático de 1,2 cm, hipervascular,em segmento V, veia porta pérvia. Avaliação cardiopulmonar normal. Em reunião multidisciplinar, foi solicitado situação especial por ascite refratá-ria e inscrito para transplante com MELD 20. Após 3(três) meses, realizou o transplante e evoluiu com disfunção grave do enxerto, sendo retransplantado no dia seguinte. Evoluiu com normalização das enzimas e da função hepática, porém, com piora progressiva da função renal (Cr 4,0 mg/dL) e hipercalemia, necessitando de he-modiálise temporária. A imunossupressão foi feita com corticoide e 114dose baixa de tacrolimo, pois o paciente evoluiu com infecção por citomegalovírus e mielotoxicidade pelo micofenolato sódico. Após o primeiro mês, foi associado everolimo, mantendo-se dose menor de tacrolimo. A prednisona foi suspensa no quarto mês. Evoluiu com melhora progressiva da função renal. Atualmente, 1 (um) ano e 5 (cinco) meses após o transplante, apresenta enzimas hepáticas nor-mais, Cr 1,0 mg/dL e TFG > 60ml/min/1,73m2. INTRODUÇÃOO transplante hepático (TH) é o tratamento de escolha para pacientes com doença hepática em estágio terminal. A disponi-bilidade de drogas imunossupressoras (IMS) efetivas melhorou a sobrevida e permitiu a mudança de foco da rejeição celular aguda para o manejo das complicações a longo prazo. No entanto, o uso contínuo de IMS tem seu custo: maior risco de infecções, complicações metabólicas como hipertensão ar-terial sistêmica (HAS), diabetes mellitus (DM), dislipidemia, obe-sidade, gota e doença óssea, doença renal crônica (DRC), doenças dermatológicas e neoplásicas.Os inibidores da calcinerina (IC), tacrolimo (TAC) e ciclos-porina (CYA), tornaram-se a base da IMS no TH. No período pós-transplante imediato é necessária uma IMS signi$ cativa. Além desse período, as complicações da IMS excessiva superam o risco cada vez menor de rejeição do órgão. Nosso objetivo é usar o míni-mo possível de IMS para minimizar as complicações a longo prazo dessas drogas. Atualmente, uma série de drogas complementares nos permitem individualizar a IMS. A maioria dos centros usa duas ou três drogas no período pós-transplante imediato. Geralmente, inicia-se com uma combi-nação de glicocorticoide como a prednisona, um IC, como TAC, e uma terceira droga como o micofenolato mofetil (MMF) ou só-dico (MYF). Ao longo dos 6(seis) primeiros meses, a IMS vai sen-do reduzida, até $ car em monoterapia, tipicamente com TAC. O 115micofenolato ou o everolimus podem ser continuados por longo prazo, em pacientes com risco aumentado de rejeição ou como estratégia para redução de TAC e melhora da função renal. Todos os agentes imunossupressores têm efeitos colaterais, sendo os mais comuns HAS, DM e disfunção renal (Quadro 1). Além disso, merecem atenção as inúmeras possíveis interações com outras medicações, que podem alterar as concentrações séricas dos IMS, levando a risco de rejeição ou toxicidade (Quadro 2).Quadro 1 – Drogas imunossupressoras no transplante de fígadoDroga Mecanismo de ação Efeitos adversosPrednisonaSupressão de leucócitos, macrófa-gos e células T citotóxicas, diminui-ção de citocinas, prostaglandinas e leucotrienos.Hipertensão, intolerância à glicose, dislipidemia, osteoporose, úlceras pépticas, doenças psiquiá-tricasTacrolimo (TAC)Ciclosporina (CYA)Inibe a calcineurinaDiminui a produção de IL-2, inter-feron-gama e a ativação de células T. TAC 100 vezes mais potente que CYA, sendo a droga de escolha.Metabolização hepática via CY-P3A4Hipertensão, resistência à insulina, dislipidemia, dis-túrbios hidroeletrolíticos, hiperuricemia, insufi ciên-cia renal, neuropatia, hir-sutismo (CYA), hiperplasia gengival (CYA)Mico feno la to Mofetil/SódicoInibe a produção de inosina mono-fosfatase, impedindo a proliferação de células T e B.Metabolização por glucuronidação e excreção urinária.Anemia, leucopenia, trombocitopenia, efeitos gastrointestinais (dor ab-dominal, náuseas, vômitos e úlceras orais)AzatioprinaInibe a produção de adenosina e guanina, inibe a síntese de DNA e RNA e a proliferação de células TAnemia, leucopenia, trom-bocitopenia, pancreatite, hepatotoxicidadeEverolimusSirolimusInibidor mTOR (alvo da rapamici-na), impede a replicação de células T.Metabolismo via CYP3A4, 3A5 e 2C8Anemia (microcítica), leucopenia, trombocitope-nia, hiperlipidemia, edema periférico, toxicidade pulmonar, úlceras orais, retardo na cicatrização de feridasFonte: Adaptado de GAGLIO et al, 2021.116Quadro 2 – Principais interações medicamentosas dos imunossupressoresTipo de interação DrogasAumenta o nível dos imunossupres-sores – risco de toxicidadeAmiodarona, fl uconazol, macrolí-deos, ritonavir, inibidores de protea-se, verapamil, diltiazemDiminui o nível dos imunossupres-sores – risco de rejeiçãoCarbamazepina, fenitoína, fenobar-bital, rifampicinaDrogas nefrotóxicas com IC – risco de lesão renalAnti-infl amatórios não esteroides, aminoglicosídeos, anfotericina B, colchicinaDrogas que aumentam o potássio sérico com IC – risco de hiperca-lemiaIECAs, BRAs, amilorida, espirono-lactona, triantereno, sulfametoxa-zol-trimetoprimaEstatinas com ciclosporina – au-mento dos níveis de estatina e risco de miotoxicidadeSinvastatina, rosuvastatina, ator-vastatinaFonte: Adaptado de GAGLIO et al, 2021DISCUSSÃOA abordagem inicial inclui avaliação clínica e exame físico a cada consulta. A frequência das consultas varia conforme o tempo de TH e com as particularidades de cada paciente, podendo ser mensal, semestral ou anual.A dosagem de TAC deve ser individualizada. Inicia-se dose baixa (0,10 mg por Kg de peso/dia com doses divididas a cada 12 horas) com ajuste para atingir nível de 7 a 10 ng/mL até o & nal da primeira semana. Em pacientes com disfunção renal no pré-ope-ratório, utilizamos dose mais baixa do TAC, em associação com drogas auxiliares (micofenolato e/ou anticorpo monoclonal).Ao longo dos 6(seis) primeiros meses procede-se à diminui-ção gradual dos níveis de TAC, até a faixa de manutenção, entre 4 a 6 ng/mL. Alguns pacientes, principalmente os mais jovens e portadores de doenças hepáticas autoimunes, podem necessitar de níveis mais altos. 117Devido à insu� ciência renal induzida pelos IC, várias estra-tégias, que incluem drogas como o everolimus (EVR), um inibidor de mTOR, têm sido estudadas como alternativa para IMS a longo prazo. A dose inicial do EVR é de 0,5 a 1mg duas vezes por dia, com um nível alvo de 3 a 8 ng/mL. Estudo multicêntrico aberto demonstrou que a introdução precoce do EVR com níveis redu-zidos de TAC melhorou a função renal em dois anos após o TH, principalmente se iniciado quando a TFG estiver entre 40 e 50 mL/min/1,73m2.Como no caso relatado, o paciente já tinha diagnóstico pré-vio de DM e aumento de creatinina associado à ascite refratária, evoluindo com disfunção renal importante após disfunção do enxerto e retransplante. Neste contexto, a introdução precoce do EVR, permitindo a redução dos níveis de IC foi fundamental para evitar a progressão da doença, visto que esta droga está associada a menor risco de lesão renal em pacientes sem proteinúria.O tempo ideal de retirada do IC após a associação com EVR não está estabelecido. Estudos que incluíram o EVR, em compa-ração com a terapia padrão apenas com IC, mostraram benefício nos parâmetros de função renal para os grupos com EVR, porém, a retirada do IC antes de 12 meses foi associada a maior taxa de rejei-ção celular aguda quando comparada aos pacientes que receberam a associação de EVR e TAC. O micofenolato não causa nefrotoxicidade ou neurotoxici-dade e é utilizado com objetivo de reduzir a dosagem de TAC. Os efeitos adversos mais comuns são mielotoxicidade e queixas gas-trointestinais, que geralmente melhoram com redução da dose ou suspensão da droga. A dosagem habitual é de 1 a 2g por dia para o MMF e 720 a1440mg para o MYF, com doses divididas a cada 12 horas. Alguns pacientes desenvolvem tolerância imunológica após o TH e poderiam prescindir de IMS. No entanto, não há marca-118dores que indiquem tolerância e a interrupção da IMS não pode ser recomendada na prática clínica.A seguir, discutiremos as principais complicações crônicas da IMS e suas respectivas estratégias de prevenção, vigilância e manejo.Síndrome metabólicaA síndrome metabólica é comum entre pacientes submeti-dos ao TH e está relacionada ao aumento da mortalidade. É de-# nida por uma combinação de HAS, resistência à insulina/diabe-tes, dislipidemia e obesidade. Estudo realizado com 252 pacientes transplantados revelou que 52% tinham síndrome metabólica após o transplante, em comparação com apenas 5% antes do TH.Aproximadamente 65% a 70% dos receptores desenvolvem HAS após o TH e a aferição da pressão arterial deverá ser realizada em todas as consultas. A causa é multifatorial, mas está princi-palmente relacionada ao uso dos IC. Os IC atuam aumentando tanto a resistência vascular sistêmica quanto a resistência vascular renal. O tratamento engloba dieta, redução dos níveis de IC eleva-dos e anti-hipertensivos, visando pressão arterial menor que 125 a 130/80 mmHg. O tratamento medicamentoso é iniciado com um bloqueador de canal de cálcio, uma vez que parte do mecanismo da hipertensão é devido à vasoconstrição arteriolar renal. Anlodi-pina e nicardipina são drogas de primeira linha, uma vez que pou-co interagem com os IC. Bloqueadores de canais de cálcio não-dii-dropiridínicos (verapamil e diltiazem) podem inibir o citocromo P450, aumentando os níveis de IC, e devem ser evitados. Até 30% dos pacientes precisarão de mais de uma droga para controle da HAS. Se necessário, sugere-se a associação de um bloqueador beta cardioseletivo, como metoprolol ou atenolol. Inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA) ou bloqueadores do receptor da angiotensina 2 (BRA) também podem ser usados, com atenção para o potencial de hipercalemia.119Os fatores diabetogênicos após o TH incluem corticosteroi-des, ICs (TAC mais do que CYA), infecção pelo vírus C e síndro-me metabólica. Pelo risco aumentado de DM realizamos triagem a cada consulta com glicemia de jejum ou hemoglobina glicada (HbA1c). Os pacientes diabéticos devem realizar microalbuminú-ria e exame oftalmológico anualmente. O DM não afeta negativa-mente a sobrevida no primeiro ano após o TH, mas está associado à diminuição da sobrevida após 5 a 10 anos. O tratamento engloba dieta, perda de peso e medicação padrão, com objetivo de manter uma HbA1c < 7%. No período pós-operatório, a insulina é geral-mente necessária com ou sem hipoglicemiantes orais. Além disso, a redução ou suspensão do corticoide, bem como a redução dos níveis de TAC, pode ser bené� ca. A troca de TAC por CYA pode ser uma opção em pacientes com DM de difícil controle.Aproximadamente um terço dos pacientes com peso normal no momento do TH se tornará obeso nos anos seguintes. O peso corporal tende a aumentar durante os dois primeiros anos após o TH e depois estabilizar. A prevenção da obesidade por meio de orientação nutricional e atividade física é importante para reduzir a morbidade pós-transplante. Se essas medidas não forem su� cientes, tratamento medicamentoso e cirurgia bariátrica devem ser considerados. A dislipidemia é comum após o TH e os pacientes devem ter um per� l lipídico solicitado anualmente. Hipercolesterolemia se desenvolve em 16% a 43% dos pacientes e hipertrigliceridemia em 40% a 47%. A redução do HDL também é comum. O TAC parece ter um efeito menos proeminente no per� l lipídico do que a CYA. O tratamento inclui orientação dietética e, se necessário, hipolipemiantes. Pravastatina e � uvastatina são preferidas devido à menor interação com imunossupressores.Risco cardiovascularOs receptores de TH têm maior risco de morte cardiovascular e eventos isquêmicos como demonstrado por estudo que comparou 1201312 receptores de TH com controles de mesma idade e sexo. O ris-co relativo de morte por doenças cardiovasculares em receptores de TH foi de 2,6 (IC95% 1,5-4,0) em comparação aos controles. Os fatores associados a doenças cardiovasculares incluem idade avança-da no TH, sexo masculino, HAS e DM pós-transplante, esteatohe-patite não alcoólica e histórico de DAC. Recomendamos testes de estresse (exercício ou farmacológico) a cada cinco anos em pacientes com fatores de risco para doença arterial coronariana (DAC) e com maior frequência em pacientes com DAC pré-existente. A modi� ca-ção dos fatores de risco é essencial para melhores resultados. Doença renal aguda e crônicaLesões renais agudas e crônicas são comuns no TH. Estudo de coorte que acompanhou quase 37000 receptores de TH por 36 meses revelou incidência de DRC de 18% em 5 anos e 25% em 10 anos. A causa da lesão renal é multifatorial com destaque para: DRC pré-existente, insu� ciência renal antes do TH, HAS, DM e toxicidade devido ao IC. A insu� ciência renal aguda relacionada ao IC deve-se à vasoconstrição renal e melhora com a redução da dose. A DRC também pode ser induzida por essas drogas, provavelmente por � brose intersticial e lesão tubular. A cada consulta, solicitamos creatinina sérica, e a cada 3 ou 6 meses, um sumário de urina e medida da TFG. O manejo da IMS, com associação de drogas não nefrotóxicas como EVR ou MMF/MYF, permite a diminuição ou mesmo substituição do IC e deve ser feito de forma precoce. É im-portante evitar causas adicionais de lesão renal, como anti-in' ama-tórios não esteroides, aminoglicosídeos e anfotericina B. Hiperten-são e diabetes também precisam ser adequadamente controlados.Doença óssea metabólicaA perda óssea é importante causa de morbidade em recep-tores de TH, principalmente nos que apresentavam doença hepá-121tica colestática. Recomenda-se uma densitometria óssea antes do TH e, posteriormente, a cada dois anos, para avaliar a osteopenia ou osteoporose. A maioria das fraturas ocorrem nos primeiros seis meses, geralmente envolvendo a coluna vertebral. A osteopenia re-sulta principalmente do uso de corticoides, embora estudos em animais sugiram que os IC também aumentam a reabsorção óssea. Outros fatores incluem imobilidade, hipogonadismo, colangite bi-liar primária ou hepatite autoimune tratada com glicocorticoides e doença hepática relacionada ao álcool. O tratamento é feito com um bifosfonato, reposição de cálcio e vitamina D.Malignidade de novoTanto o câncer de pele quanto outras malignidades são mais comuns em receptores de TH do que na população geral. A inci-dência acumulada de câncer de novo aumenta de 5% aos 3(três) anos para 11% a 20% aos 10 anos após o TH. Os cânceres de pele são os mais comuns. Outros tipos incluem as doenças lifoprolifera-tivas, os cânceres de colón, cabeça e pescoço, pulmão, mama, cer-vical, próstata, rim e bexiga. A vigilância inclui exame físico anual, incluindo exame da orofaringe e exame dermatológico completo. Alguns centros realizam anualmente toque retal e antígeno espe-cí$ co próstatico em homens, papanicolau e mamogra$ a em mu-lheres. Em pacientes com hepatite viral recorrente que progridem para cirrose e em pacientes que foram transplantados por CHC, a vigilância para CHC deve ser feita com ressonância magnéti-ca anual e/ou ultrassom abdominal a cada seis meses associadas a medidas de alfa-fetoproteína. Seguimos as diretrizes padrões para rastreamento de câncer colorretal, com colonoscopia a cada cinco anos se não houver alterações ou mais frequente (a cada um a dois anos) em pacientes com retocolite ulcerativa ou doença de Crohn. Pacientes com histórico de tabagismo e alcoolismo podem neces-sitar de avaliação otorrinolaringológica periódica e/ou uma endos-122copia digestiva alta, dependendo dos fatores de risco especí� cos in-dividuais. Os pacientes devem ser instruídos ausar protetor solar e suspender o tabagismo. Todos os pacientes devem ser aconselhados a evitar o consumo de álcool após o TH, principalmente aqueles com doença hepática alcoólica. Estudos demonstram que o con-sumo excessivo de álcool após o TH está relacionado à menor so-brevida independentemente da causa de indicação do transplante. REFERÊNCIASCHAK E, SAAB S. Risk factors and incidence of de novo malig-nancy in liver transplant recipients: a systematic review. 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Transplant., v.177, p.1843-1852, 2017.124125SEÇÃO 2 Principais indicações de transplante hepático126127CAPÍTULO 10FALÊNCIA HEPÁTICA AGUDACyntia Ferreira Gomes VianaMaria Carolina Nunes AlbanoCASO CLÍNICOPaciente do sexo feminino, 15 anos, previamente hígida, há cerca de 8(oito) semanas da internação iniciou quadro de icterícia, colúria e comprometimento de estado geral. Há 4(quatro) sema-nas, passou a apresentar ascite e edema de membros inferiores e, há 1(uma) semana, associaram-se desorientação, voz empastada e ! apping. À admissão, apresentava alteração de aminotransferases (aproximadamente 3(três) vezes acima do valor da normalidade), fosfatase alcalina (FA) normal, bilirrubinas (BT) 6,2mg/dl, ra-zão normatizada internacional (RNI) de 2,9, sódio sérico (Na) de 135mEq/l, creatinina sérica (Cr) de 0,7mg/dl e albumina sérica de 1,6g/dl, além de sinais de hepatopatia crônica à ultrassonogra< a. Negava etilismo, medicações, suplementos ou < toterápicos. Possuía irmão com história de icterícia na infância. Marcadores para hepati-tes virais e autoimunidade negativos. Evidenciados anemia hemolí-tica Coombs negativo, ceruloplasmina reduzida e presença de anéis de Kayser Fleischer ao exame oftalmológico. Evoluiu com rápida piora clínica (encefalopatia grau IV) e laboratorial (BT = 31,7mg/dl, RNI > 6, Na = 134mEq/l e Cr = 1,4mg/dl no 8º dia de internação), sendo transferida em ventilação mecânica para o HUWC. Como preenchia os critérios do King’s College, foi priorizada e submetida a transplante hepático (TH) de urgência com doador falecido. Evo-luiu com completa recuperação de função hepática, tendo apresen-128tado tardiamente, 2(dois) episódios de rejeição por má adesão ao uso dos imunossupressores. Após 8(oito) anos do TH, passou por uma gestação natural e sem intercorrências, gerando criança saudável, a termo. Hoje, após 19 anos do TH, encontra-se em seguimento re-gular, em uso de tacrolimo e micofenolato mofetil, mantendo ami-notransferases e função hepática normais.INTRODUÇÃOA Falência Hepática Aguda (FHA) é caracterizada por perda de função hepática de instalação rápida, em paciente sem doen-ça hepática conhecida previamente. O paciente, em geral, cursa com sintomas inespecí# cos como mialgia, febrícula, desconforto abdominal, náuseas e icterícia. Para a caracterização de FHA, dois marcadores de insu# ciência hepática são essenciais: encefalopatia hepática (EH) e alargamento do RNI.O intervalo entre o início da injúria hepática (icterícia) e o início da disfunção hepática (EH) varia de acordo com a etiologia da doença e tem importância prognóstica. Quanto mais curto o intervalo de instalação, maior a chance de recuperação da função hepática, desde que garantidos os cuidados intensivos; já os casos mais subagudos apresentam pior prognóstico. Podemos classi# car a FHA como hiperaguda, quando o intervalo entre início da ic-terícia e início da EH é de até 1(uma) semana, podendo ser até em horas, como é comum na FHA por paracetamol ou na FHA isquêmica. Quando o intervalo é de 1(uma) a 4(quatro) semanas, trata-se de FH aguda, forma comum de apresentação da FHA por hepatites virais. Finalmente, a FHA é dita subaguda, quando in-tervalo de instalação varia entre 5 a 24 semanas, sendo essa a apre-sentação mais comum da FHA por hepatite autoimune, doenças metabólicas e por medicamentos (não paracetamol).Nos países desenvolvidos, a intoxicação por paracetamol é a principal causa de FHA, principalmente após ingestão de do-129ses superiores a 8-10 gramas, podendo ocorrer em doses menores quando associada a fatores como desnutrição, uso de drogas e ál-cool. Outras medicações estão associadas ao desenvolvimento de FHA, como antibióticos, com atenção especial para amoxicilina/clavulanato e antituberculostáticos, anti-in� amatórios não hormo-nais (AINES), anti-tireoideanos, chás, suplementos e � toterápicos.Nos países em desenvolvimento, as hepatites virais são im-portantes causas de FHA: hepatite A em adultos e idosos; hepatite B, seja em infecção aguda, superinfecção com vírus delta ou em reativação viral por imunossupressão; hepatite E em gestantes. He-patite C isoladamente é uma causa pouco provável de FHA. Vírus não hepatotrópicos também podem causar FHA: herpes simples, varicela zoster, Epstein-Barr, adenovírus, citomegalovírus, parvo-virus B19.Diversas outras condições podem causar FHA: hepatite au-toimune (HAI), síndrome de Budd Chiari, doença veno-oclusi-va, doença de Wilson (DW), intoxicação pelo cogumelo Amanita phalloides, esteatose hepática aguda da gravidez, hepatectomia par-cial, in� ltração neoplásica. É importante salientar que a hepatite alcoólica aguda, mes-mo sendo reconhecida em até 24 semanas, é sempre considerada acute-on-chronic liver failure e não FHA.A rápida identi� cação de possível etiologia para a FHA é importante para estabelecimento de medidas especí� cas, a saber: N-acetilcisteína preferencialmente nas primeiras 8(oito) horas após intoxicação por paracetamol; carvão ativado após ingestão de Amanita phalloides; análogo nucleosídeo para hepatite B; aciclovir para herpes simples; desobstrução de veias hepáticas na síndrome Budd-Chiari; realização do parto na esteatose aguda da gravidez. O uso de corticóide na FHA por HAI pode aumentar o risco de sepse e não tem benefício comprovado, sendo de uso controverso e nunca por períodos maiores que 1(uma) a 2(duas) semanas. O 130uso de quelantes na DW não está indicado, sendo a plasmaférese possivelmente utilizada como ponte para o TH.Independentemente da etiologia, compreende-se FHA como entidade que envolve in� amação sistêmica, vasodilatação periférica, edema cerebral e potencial evolução para falência de múltiplos órgãos, sendo essencial seu pronto reconhecimentoe condução em centro com unidade de terapia intensiva e serviço de TH. Os avanços no reconhecimento da FHA, nas medidas de cuidados intensivos e na realização do TH aumentaram de forma dramática a sobrevida dos pacientes nas últimas 3(três) décadas.As medidas de suporte incluem pronto estabelecimento do equilíbrio hemodinâmico (expansão com cristalóide e uso de nora-drenalina para manutenção de pressão arterial média de 75mmHg) e hidro-eletrolítico (corrigir lentamente Na para valores entre 145 a 150mEq/l, por exemplo) além de monitorização da glicemia vá-rias vezes ao dia. Garantir aporte nutricional, com atenção ao risco de aumento da pressão intracraniana (PIC) pela passagem sonda nasoenteral, além do risco de aspiração e hiperamonemia com ali-mentação enteral. Note-se que, apesar da presença de EH, deve-se fornecer um mínimo de 60g/proteína/dia para evitar o catabolis-mo proteico; ademais, não há evidências de benefício no uso de lactulona ou rifaximina na EH da FHA.Sepse é uma importante causa de óbito na FHA. Atenção à vigilância e rápido reconhecimento de infecções, inclusive fúngi-cas. Não há consenso sobre antibioticoterapia pro� lática de rotina, podendo esta ter mais benefícios em pacientes com SIRS, hipo-tensão refratária, piora da EH sem motivo evidente e nos pacientes com indicação urgente de TH.A transfusão pro� lática de plasma fresco congelado ou ou-tros componentes sanguíneos é contraindicada. O alargamento do RNI é critério para diagnóstico e prognóstico de FHA por re� e-tir a diminuição de síntese hepática dos fatores pró-coagulantes, mas não é preditor de sangramento, pois não re� ete o real estado 131de coagulação do paciente (melhor avaliado por métodos como o tromboelastograma). Na ausência de contraindicações, está inclu-sive recomendada trombopro� laxia. É importante realizar preven-ção de úlcera de estresse gástrica em todos os pacientes com FHA.A insu� ciência renal é comum em pacientes com FHA e pouco representada pelos níveis sérios de ureia e creatinina. A tera-pia contínua de reposição renal deve ser precocemente instituída e os níveis de amônia rigorosamente monitorizados (amônia sérica > 150 mcg/dL está relacionada a risco de herniação cerebral). O edema cerebral tem papel central na gravidade e prognós-tico da FHA, sendo todos os esforços necessários para controle da PIC e prevenção da herniação cerebral. Monitorização do nível de consciência, com atenção para sinais clínicos de hipertensão intra-craniana, como aumento da pressão arterial, associado a bradicar-dia e bradipneia (tríade de Cushing). Há controvérsias quanto ao benefício da monitorização sistemática da PIC, que deve perma-necer abaixo de 20 a 25 mmHg, mantendo a pressão de perfusão cerebral acima de 50 a 60 mmHg. Medidas como controle de estí-mulos sensoriais, elevação da cabeceira a 30 graus, indução caute-losa de hipernatremia e hemodiálise precoce devem ser universais. Uso de manitol e barbitúricos são úteis para diminuição da PIC, enquanto a hiperventilação deve ser usada com cautela pelo risco de isquemia cerebral com piora do edema. A hipotermia e o uso de indometacina não têm benefício claro. O uso de corticóide está contraindicado, por ser ine� caz e aumentar risco de sepse.A presença de convulsões é frequente e muitas vezes de di-fícil reconhecimento nos pacientes em FHA, podendo aumentar PIC e hipóxia cerebral. Recomenda-se a realização de EEG e uso de sedativos com ação anticonvulsivante de rotina. Para tratamen-to de convulsões, a fenitoína é a droga de escolha.O uso de dispositivos extracorpóreos de suporte hepá-tico têm sido testados há anos na FHA, porém, ainda sem resultados convincentes.132Os avanços na terapia intensiva levaram ao questionamen-to do papel do TH na FHA, notadamente em casos hiperagudos como na intoxicação por paracetamol. Se por um lado, alguns irão recuperar a função hepática espontaneamente e seguir uma vida sem imunossupressores e outras complicações após TH; por outro lado, muitos evoluirão para falência de múltiplos órgãos e perda do tempo hábil para o TH, a despeito de todas as medidas de suporte disponíveis. O desa� o é identi� car os pacientes com menor proba-bilidade de recuperação espontânea da função hepática e viabilizar um enxerto o mais rapidamente possível.Muitos critérios para indicação de TH na FHA são propos-tos, sendo os mais utilizados o do King´s College (Quadros 1 e 2) e o de Clichy (Quadro 3). O valor de MELD (Model for End-stage Liver Disease) acima de 32, além de índices como SOFA, APA-CHEII ou nível sérico de lactato também são utilizados. No geral, os índices apresentam excelente valor preditivo positivo, porém baixo valor preditivo negativo. Ou seja, preenchidos os critérios, o TH está bem indicado, porém, mesmo nos pacientes sem critério, a mortalidade sem TH pode ser signi� cativa.Quadro 1 – Critérios King’s CollegeCritérios King’s College para indicação de TH na FHA por ParacetamolpH< 7,30 ou3 dos critérios abaixoEncefalopatia Hepática > grau IIICreatinina> 3,4 mg/dlRNI > 6, 5Fonte: O’GRADY et al,1989.Notas: TH, transplante hepático; FHA, falência hepática aguda.133Quadro 2 – Critérios King’s College Critérios King’s College para indicação de TH na FHA por outras etiologias• INR > 6, 5 ou • 3 dos critérios abaixoo Idade <10 anos ou >40 anoso Etiologia hepatite não-A, não-B; reação idiossincrásica a drogas, DWo Intervalo icterícia- encefalopatia > 7 diaso RNI > 3, 5o BT> 17, 5Fonte: O’GRADY et al, 1989.Notas: TH, transplante hepático; FHA, falência hepática aguda; DW, doença de Wilson.Quadro 3 – Critérios de Beaujon-Paul Brousse (Clichy)Critérios de Beaujon-Paul Brousse (Clichy) para indicação de TH na FHA• Encefalopatia Grau 3 ou 4 e• Fator V <20% do normal se idade <30 anos ou• Fator V < 30% se idade > 30 anosFonte: WENDON et al, 2017.Notas: TH, transplante hepático; FHA, falência hepática aguda.No Brasil, os pacientes que preenchem os critérios de King’s College ou Clichy são alocados prioritariamente, por compatibi-lidade ABO, para TH de urgência. Embora a sobrevida de 1(um) ano após TH por FHA seja aproximadamente 10% menor que em outras etiologias, ela é maior que 80%, e o TH segue como única terapia e+ caz para grande número de pacientes com FHA.DISCUSSÃOPara diagnóstico de FHA é fundamental que não haja do-ença hepática conhecida previamente. Sabe-se, no entanto, que al-134gumas enfermidades como HAI, DW e síndrome de Budd-Chiari podem ter um curso silencioso durante anos e abrir a apresentação clínica de forma fulminante, apesar de ter um fígado acometido cronicamente. Assim, a de� nição de FHA é clínica e não ultrasso-nográ� ca ou histológica, sendo o caso apresentado caracterizado como FHA, apesar dos achados sugestivos de doença hepática crô-nica à ultrassonogra� a e con� rmados no explante.Tratava-se de paciente com FHA subaguda, pois o intervalo entre o início da icterícia e o início da encefalopatia foi de 7(sete) semanas. Como descrito, os casos subagudos podem cursar com ascite e sinais de hipertensão portal e tendem a evoluir de forma mais grave, necessitando com mais frequência de TH. A partir da manifestação da EH, o curso da paciente foi galopante, preenchen-do os critérios do King´s College para indicação de TH e atingin-do MELD 35. Pode-se inferir que, caso não houvesse recebido TH naquele momento, provavelmente teria evoluído para óbito, como ocorreu com os demais pacientes do nosso serviço que preenche-ram critérios, mas não conseguiram órgão a tempo.Considerando-se, por � m, o diagnóstico etiológico, a DW é descrita como doença genética rara causada por variantes no gene transportador de cobre (ATP7B), que cursa com acúmulo de co-bre inicialmente em tecido hepático e, posteriormente, em tecido cerebral.Tem amplo espectro clínico, inclusive com manifestações neurológicas ou psiquiátricas, isoladamente. A maioria dos casos, no entanto, se apresenta com alterações hepáticas de início até os 16 anos de idade, sendo até 22% desses com FHA.A tríade laboratorial clássica da DW é formada por dimi-nuição de cobre e ceruloplasmina séricos com aumento de cobre urinário. No caso supracitado, o histórico de doença hepática em irmão e os achados de anemia hemolítica Coombs negativo, ami-notransferases pouco elevadas com fosfatase alcalina normal, além da presença de anel de Kayser Fleischer, corroboraram o diagnós-tico de DW. A possibilidade de alterações neurológicas próprias da DW pode ser um fator de confusão com EH.135Nas formas de FHA por DW, o TH é a terapêutica de esco-lha, pois a recuperação espontânea da função hepática não é espe-rada e o uso de quelantes ou zinco não tem indicação. Ademais, o TH promove o restabelecimento da proteína ATP7B hepática, sendo curativo para a DW.O rápido reconhecimento da FHA por DW e pontuação dos critérios revisados do King´s College (Quadro 4) igual ou su-perior a 11 devem levar à priorização para TH. Os resultados a longo prazo são excelentes, chegando a sobrevida de até 88% em 5(cinco) anos.Quadro 4 – Critérios revisados do King’s CollegeCritérios modifi cados do King’s College para indicação de TH na FHA por DWEscore BT RNI AST Leucócitos Albumina0 0-100 0-1,29 0-100 0-6,7 >451 101-150 1,3-1,6 101-150 6,8-8,3 34-442 151-200 1,7-1,9 151-300 8,4-10,3 25-333 201-300 2,0-2,4 301-400 10,4-15,3 21-244 >301 >2,5 >401 >15,4 <20Fonte: DHAWAN et al, 2005.Notas: Escore ≥11 está associado a alta mortalidade sem TF. TH, transplante hepático; FHA, falência hepática aguda; DW, Doença de Wilson; BT; bilir-rubinas (mmol/L); AST, alanina-aminotransferase (U/L); leucócitos (109/L); albumina (g/L). REFERÊNCIAS BERNAL W, WILLIAMS R. Acute liver Failure.CliniCal liver Disease., v. 16, p.45-55, 2020.BERNAL W, LEE WM, WENDON J, LARSEN FS, Williams R. Acute liver failure: A curable disease by 2024?J. Hepatol., v.62, p.112-120, 2015.136GAROUFALIA, Z.; PRODROMIDOU, A.; MACHAIRAS, N; et al. Liver Transplantation for Wilson’s Disease in Non-adult Pa-tients: A Systematic Review. Transplant Proc., v.51, n.2, p. 443-445, 2019.JAYALAKSHMI, V.T.; BERNAL, W. Update on the management of acute liver failure.Wolters Curr Opin Crit Care., v.26, n.2, p.163-170, 2020.MENDIZABAL, M; SILVA, MO. Liver transplantation in acute liver failure: a challenging scenario.World J gastroenterol. 2016, v. 22, n.4, p.1523-1531.PALUMBO, C.S.; SCHILSKY, M.L. Clinical practice guidelines in Wilson disease. Ann transl med., v.7(Suppl 2), 2019.SANTOS, G.; FIGUEIRA, E.R.R.; D’ALBUQUERQUE, L.A.C. et al. Evaluation of drug-induced liver injury as etiology for acute liver failure in Brazil: Ann Hepatol. 2021, p. 23.SQUIRES JE, MCKIERNAN P, SQUIRES RH. 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No entanto, tinha má adesão à dieta hipossódica, sendo observado sódio urinário sempre elevado. Durante o seguimento, necessitou de vários internamentos por descompensação de ascite, encefalopatia hepática e sangramento por gastropatia hiperten-siva com necessidade transfusional. Em 2020, apresentou-se em consulta ambulatorial com nova piora da ascite, queixando-se de desconforto abdominal e dispneia. Na investigação, foi evidencia-do, em tomogra& a computadorizada de abdome com contraste, nódulo hepático hipervascularizado, com washout, no segmento VIII, medindo 2,8 cm, além de trombose crônica parcial de veia porta. Foi deferida situação especial por carcinoma hepatocelular (CHC), uma vez incluído nos critérios de Milão, e transplanta-do com doador falecido. Histopatológico con& rmou a presença de tumor (3,0 x 2,0 cm), solitário, estádio pT1a pNX, compatível 138com carcinoma hepatocelular (G2) em fígado com cirrose micro-nodular em moderada atividade. Pós-operatório transcorreu sem maiores intercorrências. Decorrido 1(um) ano do TH, encontra-se em seguimento regular, com função hepática normal, recebendo imunossupressão com tacrolimo e micofenolato.INTRODUÇÃOO álcool está entre as principais etiologias de doença he-pática, contribuindo com aproximadamente 25% das mortes por cirrose. Seu uso excessivo induz amplo espectro de desordens no fígado, como esteatose, esteato-hepatite e cirrose. A esteatose sim-ples está presente em mais de 90% dos usuários de álcool em exces-so. Já a hepatite alcoólica cursa, além de esteatose, com in" ltrado polimorfonuclear, balonização e necrose hepatocelular. Na cirrose, ocorre a distorção do parênquima hepático por extensas áreas de " brose, com septos " bróticos, nódulos de regeneração e capilariza-ção dos sinusóides. A deposição de colágeno se dá tipicamente em torno da veia hepática terminal e ao longo dos sinusóides, levando ao padrão " brótico de chicken wire ou tela de galinheiro. Entre 10-35% dos usuários crônicos de álcool chegam à fase cirrótica, tendo como principais fatores de risco a quantidade e fre-quência de consumo. Entretanto, fatores genéticos (polimor" mos no gene PNPLA3) e fatores ambientais, como sexo, tabagismo, sín-drome metabólica e infecções virais (HBV/HCV/HIV) associadas, in' uenciam na patogênese da doença. Importante ressaltar que o padrão binge drinking, de" nido como ingestão etílica episódica em grande quantidade, tem correlação com progressão para cirrose, afetando particularmente pacientes com síndrome metabólica.A apresentação clínica pode variar de pacientes assintomáti-cos a diferentes manifestações de disfunção hepática e hipertensão portal. Ao exame físico, além dos estigmas comuns às demais he-patopatias crônicas, pode-se observar a contratura de Dupuytren. 139A maioria dos pacientes admitidos com doença alcoólica descom-pensada apresentam sinais de desnutrição, com hipoalbuminemia, sarcopenia e de� ciências vitamínicas, notadamente de tiamina. A ascite, uma das apresentações clínicas mais prevalentes, pode ser controlada em aproximadamente 90% dos pacientes com restrição de sódio e uso de diuréticos. Alguns pacientes podem evoluir com ascite resistente ao uso de diuréticos ou com ascite intratável com diuréticos, na qual o paciente desenvolve complicações associadas à diureticoterapia, que impedem o aumento de dose.Em pacientes com anamnese compatível, pode-se fazer o diagnóstico sem a necessidade de biópsia hepática, que é o padrão--ouro, restrita aos casos duvidosos. Métodos não invasivos, como a elastogra� a hepática, estimam a � brose com boa acurácia e têm ganhado espaço na propedêutica.Importante atentar para outras condições associadas ao con-sumo de álcool, como cardiomiopatia alcoólica, pancreatite, ne-fropatia por IgA, neuropatia periférica, encefalopatia de Wernick e síndrome de abstinência.Pacientes com cirrose alcoólica têm risco aumentado de desenvolver CHC, com incidênciaestimada em 2,06% ao ano. Seu rastreio é formalmente indicado com exame de imagem (habi-tualmente, ultrassonogra� a) a cada 6 meses em pacientes CHILD A e B, como também CHILD C listados em � la de transplante. A dosagem de alfafetoproteína pode ser utilizada em conjunto, em-bora não haja consenso nas diretrizes internacionais.O transplante hepático é a única opção terapêutica e� caz para pacientes com doença hepática terminal. O escore MELD-Na é o preditor de escolha, tendo boa acurácia em estimar sobrevida após o TH. Algumas condições que prejudicam a sobrevida nos cirróticos podem ser utilizadas para priorização em lista, conforme legislação, como CHC e ascite refratária. 140DISCUSSÃONa cirrose alcoólica, a ascite é o padrão predominante de descompensação, como visto no caso clínico relatado. A ascite re-fratária é associada a prognóstico ruim, com sobrevida média de 6 meses, devendo o paciente ser referenciado imediatamente para um centro de TH.Wiegand et al, comparando os padrões de descompensação da cirrose por etiologia, mostraram maior prevalência de ascite, pe-ritonite bacteriana espontânea (PBE) e outras infecções bacterianas nos quadros de origem alcoólica, enquanto o CHC predominou nos demais casos. Não houve diferença signi/ cativa na prevalência de encefalopatia hepática e sangramento varicoso.O fator independente com maior in2 uência na morbimor-talidade da hepatopatia alcoólica é a persistência do consumo de álcool. O álcool é um gatilho para descompensação clínica, através de mecanismos associados ao aumento da in2 amação hepática, de-vido a translocação bacteriana. Mesmo o consumo moderado de álcool piora a hipertensão portal de forma signi/ cativa.A abstinência sustentada é o ponto chave do tratamento, sendo bené/ ca em qualquer estágio da doença. Tratar comorbida-des associadas, especialmente síndrome metabólica, desnutrição e tabagismo, in2 uencia o prognóstico. É parte importante do mane-jo realizar rastreio, tratamento e pro/ laxias primárias e secundárias das complicações, como em outras etiologias.A cirrose alcoólica está entre as três principais indicações de TH na Europa e EUA. Esta proporção tende a aumentar com a queda esperada do número de cirróticos por Hepatite C. No HUWC, nos últimos 5 (cinco) anos (2016-2020), foram realiza-dos 744 transplantes hepáticos, sendo 195 (26,2%) por etiologia alcoólica. Segundo revisão recente publicada na revista Lancet em 2020, a taxa de sobrevida de pacientes com doença hepática por álcool após 1(um) ano de TH alcança 80-85%.141Apesar da crescente prevalência, o transplante por hepato-patia alcoólica persiste sendo uma área controversa em relação à opinião pública, in� uenciada por julgamentos morais pelos que ainda acreditam ser uma doença autoin� igida. Durante a seleção dos candidatos ao TH é crucial uma abordagem multidisciplinar da adicção ao álcool, da rede de apoio familiar e dos transtornos psiquiátricos frequentemente associados, a � m de garantir adesão terapêutica e manutenção da abstinência pós-transplante.A maioria dos centros requer um período mínimo de abs-tinência alcoólica. Usualmente, aplica-se a regra dos 6 meses de abstinência como pré-requisito. Ainda que este seja um critério amplamente utilizado, não há evidência que suporte o uso isolado deste dado como preditor de recaída, bem como, há benefício de sobrevida no TH precoce em pacientes com hepatite alcoólica que não respondem à terapia clínica. A UNOS (United Network for Organ Sharing) e a EASL (European Association for the Study of the Liver) não recomendam esse critério formalmente. No Estado do Ceará, a regra dos 6 meses de abstinência é aplicada como rotina. Em contrapartida, a literatura mostra que a menor duração da so-briedade pré-transplante, a falta de apoio social, o tabagismo e o histórico familiar de alcoolismo possuem maior correlação com recaída pós-transplante. No seguimento pós-transplante, estima-se que a taxa de recaída (de� nida como qualquer consumo de álcool) varie entre 10-50% e que 10% retornem ao consumo excessivo.Por � m, o uso abusivo de álcool é responsável direta ou in-diretamente por milhões de mortes anuais. Daí a importância de se discutir e implementar políticas públicas que tenham como alvo desencorajar o consumo abusivo. REFERÊNCIAS ASHWANI KS,MATHURIN P. Diagnosis and Treatment of Al-cohol-Associated Liver Disease: a review. JAMA, v. 326, n.2, p.142165-176.2021[cited 2021 jun 16]; Avaliable from: https://jamane-twork.com/journals/jama/article-abstract/2781852 doi:10.1001/jama.2021.7683.MATHURIN P, LUCEY MR. Liver transplantation in patients with alcohol-related liver disease: current status and future direc-tions. Lancet Gastroenterol Hepatol., 2020, v.5, n.5, p.507–514.[cited 2021 jun 15] Avaliable from: https://www.thelancet.com/journals/langas/article/PIIS2468-1253(19)30451-0/fulltext doi:doi.org/10.1016/S2468-1253(19)30451-0.PESSIONE, F, RAMOND, MJ, PETERS, et al. Five-year surviv-al predictive factors in patients with excessive alcohol intake and cirrhosis. E! ect of alcoholic hepatitis, smoking and abstinence. Liver Int 2003, v.23, n.1, p.45-53. 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Ultrassonogra-& a abdominal (US) evidenciou sinais de hepatopatia crônica e en-doscopia digestiva alta (EDA) varizes de & no calibre. Classi& cado como Child C12 e MELD 18, optou-se por não realizar tratamento especí& co para hepatite C sendo encaminhado para transplante he-pático (TH). Foi submetido a TH com doador falecido de 48 anos, em outubro de 2014, com tempo de isquemia fria de 4:31 horas. Pós-operatório sem complicações. Iniciou imunossupressão 3(três) dias após o TH, com micofenolato, tacrolimo e prednisona, com boa evolução, tendo apresentado quadro de herpes-zoster adequada-mente tratado na ocasião. Aproximadamente 4 meses após TH, evo-luiu com elevação progressiva de aminotransferases, apesar de imu-nossupressores em níveis terapêuticos e US com doppler normal. Realizada investigação para possível recidiva de hepatite C: carga viral (PCR HCV) de7.656.642 cópias/ml (log 6,88), genótipo 1a. e biópsia hepática evidenciando sinais histológicos de hepatite viral (Metavir A2F0), sem sinais de rejeição. Decidido, então, por iniciar interferon peguilado e ribavirina, tratamento disponível na época. Paciente apresentou hiporexia, adinamia e prurido intenso durante tratamento antiviral, além de anemia, necessitando ajuste de dose da 146ribavirina e uso de eritropoietina. Foi realizado PCR HCV com 4 e 12 semanas que mostrou redução parcial da carga viral, mas sem negativação. Em decorrência dos efeitos colaterais signi� cativos e da baixa chance de cura, decidiu-se por suspender o tratamento. Diante da disponibilidade dos novos antivirais de ação direta e persistência da replicação viral, foi iniciado sofosbuvir, daclatasvir e ribavirina em janeiro de 2016. Paciente evoluiu clinicamente bem, com redução das aminotransferases e de enzimas canaliculares, apresentando ape-nas leve prurido em face e couro cabeludo e queda de hemoglobina, que foram contornados com a redução da dose de ribavirina de 750 mg/dia para 250 mg/dia. Realizou PCR HCV com 4 semanas de tratamento, já com carga viral indetectável. Concluiu o tratamento antiviral com 12 semanas, com obtenção de resposta virológica � nal (carga viral indetectável ao � nal do tratamento) e resposta virológica sustentada (RVS), carga viral indetectável 12 semanas após o � nal do tratamento. Decorridos 7(sete) anos do TH, paciente encontra--se com enzimas hepáticas normais, carga viral indetectável e boa qualidade de vida.INTRODUÇÃOA infecção causada pelo vírus da hepatite C corresponde a importante causa de doença hepática crônica em todo o mundo, estando entre as principais indicações de TH. No manejo desses pacientes, a erradicação do vírus é peça fundamental no tratamen-to, tanto no sentido de evitar as formas mais avançadas de doença hepática, onde o TH surge com única modalidade terapêutica pos-sível, quanto no contexto do paciente já transplantado.A utilização dos novos antivirais de ação direta (AAD) au-mentou bastante a efetividade do tratamento, com taxas de cura bem mais elevadas que os esquemas antigos com interferon e riba-virina, permitindo ainda terapia em pacientes com cirrose descom-pensada, com a possibilidade inclusive de retirar pacientes da � la de TH, uma vez que a erradicação do vírus pode levar a melhora clínica e de função hepática, com redução signi� cativa do MELD 147em alguns pacientes. De modo geral, o tratamento é guiado com base no genótipo viral, presença de cirrose e de disfunção renal, com esquemas que variam de 8 a 12 semanas em sua maioria.Uma vez o paciente evoluindo com falência hepática e sendo indicada a realização de TH, o estado de replicação viral é ponto crucial na avaliação desse paciente, fazendo-se necessária uma pro-gramação do momento ideal de erradicação do vírus.Embora o tratamento pré-transplante seja desejado, preve-nindo a infecção do enxerto, pode não ser a melhor estratégia para alguns pacientes, tanto por uma maior di� culdade de erradicação em pacientes com cirrose descompensada, quanto pela possível al-teração no MELD, por vezes não desejada.Sabe-se que com o tratamento e a aquisição de uma resposta virológica sustentada (RVS), podemos adquirir uma estabilização da função hepática e, na grande maioria dos pacientes, uma re-gressão do MELD, porém, nem sempre seguida por uma melhora clínica signi� cativa, podendo essa redução, no entanto, inviabilizar o transplante.Em pacientes com cirrose avançada e com MELD elevados, a redução não é signi� cativa, em torno de 1-3 pontos, sem a ga-rantia de estabilidade desse valor a longo prazo. Dessa forma, o tratamento prévio pode até atrasar o transplante hepático, uma vez que reduzirá o MELD, porém, sem melhora do estado clínico (situação conhecida como purgatório do MELD). Havendo replicação viral no momento do TH, a reinfecção do enxerto é quase universal, ocorrendo já durante a reperfu-são. Se não houver erradicação do vírus, a reinfecção pode ser a principal causa de falha do enxerto, levando a dano histológi-co em cerca de 20-40% dos pacientes e cirrose em 10-20% nos primeiros 5(cinco) anos pós-TH. Uma parcela pequena dessas recidivas pode ainda evoluir de maneira bastante agressiva, com um padrão de hepatite colestática, com altos índices precoces de perda de enxerto e mortalidade. Os fatores de risco para essa progressão, ainda não bem estabelecidos, inclui características do 148doador (idade avançada), do receptor (status imune e in� amató-rio) e do vírus (carga viral, genótipo). No contexto do pós-transplante, os esquemas terapêuticos são semelhantes ao tratamento pré-transplante, com as mesmas doses e alta e� cácia, porém, exigindo maior atenção devido a pos-sibilidade de interação dos inibidores de protease com imunossu-pressores. Essa possibilidade de tratamento pós-transplante com AAD mudou consideravelmente o panorama da hepatite C após realizado o transplante. Antes da disponibilidade dessas drogas, tí-nhamos curvas de sobrevida do enxerto e do paciente claramente inferiores quando comparados com pacientes transplantados por outras causas de doença hepática, fato esse não mais evidente.DISCUSSÃODesde o início do uso dos antivirais de ação direta (AAD), em substituição ao interferon, a proporção de pacientes na � la de transplante por cirrose induzida pelo vírus C vem reduzindo gra-dativamente. Isso decorre tanto da menor quantidade de pacientes que evoluirão para doença hepática terminal, quanto da possibili-dade de tratamento de alguns pacientes já com doença avançada, que tratados mesmo nessa fase, obterão ganhos clínicos, dispen-sando a realização do TH.Em 2014, quando o paciente em questão foi transplantado, o tratamento disponível, com interferon e ribavirina, mostrava ín-dices de cura quase proibitivos, o que nos fez considerar o trata-mento viral apenas após o transplante. Se na ocasião da avaliação e listagem para � la de transplante, fosse disponível o uso de DAA esse paciente poderia ter sido tratado naquele momento e talvez a realização do transplante não tivesse sido necessária.Várias sociedades e consensos buscam fatores e pontos de corte do MELD que sejam preditores de uma melhor resposta ao tratamento prévio ao TH. Conforme orientação da International Liver Transplantation Society, o tratamento prévio ao TH está indi-cado em pacientes com cirrose descompensada com MELD abaixo 149de 20. Deve-se considerar, no entanto, o valor de MELD estimado para TH em cada centro transplantador, o que representa, em ou-tras palavras, o tempo de espera em � la em cada centro. Quanto maior for o MELD médio necessário para TH, maior deve ser o MELD de� nido como limite para tratar antes do transplante.Como é de conhecimento amplo, a recidiva do vírus C é universal após transplante, quando o paciente é transplanta-do com replicação viral. No caso apresentado, essa recidiva foi evidenciada precocemente, com importante elevação de ami-notransferases e biópsia hepática evidenciando recidiva histoló-gica com atividade in� amatória moderada (A2 na classi� cação de Metavir) já no quarto mês de transplante. Foram excluídos fatores como rejeição ou alterações biliares. O tratamento anti-viral prontamente estabelecido permite a erradicação do vírus na imensa maioria dos casos, sem efeitos colaterais importantes e contribuindo de forma contundente para a sobrevida do enxerto e do paciente a longo prazo.Figura 1 – Sugestão de abordagem do tratamento da hepatite C em cirróti-cos e candidatos ao transplante hepáticoFonte: Elaborado pelo autor.Notas: HVC: vírus hepatite C, TH: Transplante Hepático.150REFERÊNCIAS AMERICAN ASSOCIATION FOR THE STUDY OF LIVER DISEASES (AASLD); INFECTIOUS DISEASES SOCIETY OF AMERICA (IDSA). Recommendations for testing, managing and treating hepatitis C. AASLD; [cited 2021 jun 12]. Avaliable from: https://www.hcvguidelines.org/.DANIEL KE, SAID A. Considerations When Treating Hepatitis C in a Cirrhotic Transplant Candidate. Current Gastroenterol Reports. v. 20, n.5, p.20, 2018.EKPANYAPONG S, REDDY KR. Hepatitis C virus therapy in advanced liver disease: Outcomes and challenges. 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Transplantation. v.101, n.5, p.945-955, 2017.151CAPÍTULO 13ESTEATOHEPATITE NÃO ALCOÓLICA (NASH)Alice Albuquerque Figueirêdo Ingrid de Almeida CostaLúcio Côrtes dos AnjosCASO CLÍNICOPaciente do sexo feminino, 60 anos, natural de Rondonópolis, Mato Grosso, parda, com diagnóstico de cirrose hepática por estea-tohepatite não alcoólica há 10 anos. Há relato de ascite, tratada com diuréticos e varizes esofágicas, tratadas com ligadura elástica. Recente-mente, evoluindo com edema progressivo em membros inferiores, ic-terícia leve, dor abdominal em hipocôndrio direito e prurido intenso. Paciente obesa (IMC de 33,7 kg/m2), com ateromatose coronariana evidenciada em exame de imagem, sem outras comorbidades. Negava tabagismo, etilismo e uso de drogas ilícitas. Sorologias virais, autoan-ticorpos e demais pesquisas de doença hepática especí* ca foram ne-gativas. A história familiar conta com mãe diabética e dislipidêmica, irmão diabético, dislipidêmico e hepatopata, que realizou transplante hepático por cirrose alcoólica, além de irmã falecida por cirrose hepá-tica por vírus C. Realizou TH em 08/07/2020, com escore MELD 25, sem trombose venosa portal pré-transplante. Recebeu fígado de doador falecido de 10 anos de idade, com tempo cirúrgico de 6 horas e isquemia fria de 4,58 horas. Anatomopatológico do explante iden-ti* cou cirrose hepática com moderado processo in: amatório septal e de interface e moderada proliferação ductal, sem esteatose. Evoluiu no 152pós-operatório com disfunção renal, manejada com ajuste da imunos-supressão, apresentando hoje Cr entre 1,2 a 1,5 mg/dL, em uso de everolimo associado a nível baixo de tacrolimo. Segue obesa, passou a apresentar diabetes mellitus e hipertensão arterial sistêmica pós--TH, bem controladas com metformina e losartana, respectivamen-te. Enzimas hepáticas normais, sem sinais de esteatose hepática ao exame ultrassonográ� co.INTRODUÇÃODoença hepática não alcoólica (ou NAFLD - do inglês non alcoholic fatty liver disease) é um termo que se refere a um grupo de doenças que engloba as doenças hepáticas por depósitos gordu-rosos, relacionadas ou não à síndrome metabólica, e que na ausên-cia de outras complicações sistêmicas podem agravar o prognóstico do paciente no pré e pós-transplante hepático. Um novo termo tem sido proposto recentemente para designar a NAFLD, sendo ele disfunção metabólica associada a doença gordurosa do fíga-do, porém ainda segue em discussão. Já a esteatohepatite não alcoólica (NASH - do inglês: non--alcoholic steatohepatitis), representa um grau avançado de NA-FLD, que ocorre após a esteatose e antes da cirrose, com um risco 16.2% maior de evoluir para carcinoma hepatocelular (CHC), se-gundo referências internacionais, ocorrendo em um contexto no qual o número de casos de carcinoma devido à doença alcoólica do fígado ou hepatite C permanecem estáveis. Ressalta-se a importân-cia de diferenciar estes conceitos (NAFLD x NASH), tantas vezes usados como sinônimos, para melhor de� nir o prognóstico dos pacientes. Segundo dados de incidência norte-americanos, atual-mente a NASH é a segunda causa de indicação de TH em adultos, em torno de 24%, assim como na Europa, onde gira em torno de 23%. Estima-se que os casos de carcinoma hepatocelular relacio-nados a NASH/NAFLD aumentem 137% entre 2015 e 2030. 153Nesse contexto, ressalta-se que uma das maiores incidências é descrita na América no Sul, onde o crescimento da indicação de TH por NASH foi de 30% nos últimos anos, em concomitância com a redução das taxas de TH por hepatite C, devido ao maior sucesso terapêutico do tratamento desta condição. No sexo femi-nino, NASH já representa a principal causa de TH. Dados mais recentes apontam que NASH afeta 3% a 10% da população pediátrica geral e já emergiu como a causa mais co-mum de doença hepática crônica em crianças, o que é agravado pelo fato de que comumente esses pacientes se apresentam assin-tomáticos, tendo um diagnóstico acidental em média entre 11-13 anos de idade.Em geral, percebe-se que há uma discordância entre os da-dos, de acordo com o método utilizado para o diagnóstico da do-ença hepática. Um estudo realizado no Brasil, com 250 pacientes biopsiados durante cirurgia bariátrica, revelou uma prevalência de 90% de esteatose e 70% de esteatohepatite dentre os avaliados. Entretanto, a estatística brasileira é ainda escassa e de difícil análi-se, permitindo apenas estimar uma prevalência anterior de 19%, que não aparenta ser condizente com a realidade atual.Os principais fatores associados ao seu desenvolvimento são: polimor� smos genéticos (mutações nos genes PNPLA3 e TM6SF2), sedentarismo, alta ingesta calórica, resistência à insu-lina e obesidade.Devido ao exposto, os pacientes listados para TH por NASH são, em geral, mais obesos (ainda que a doença possa ocorrer na ausência de obesidade), mais idosos, em sua maioria do sexo fe-minino e com maior quantidade de comorbidades sistêmicas, no-tando-se uma discrepância importante entre regiões e etnias. Além disso, pacientes transplantados por doença gordurosa têm maior chance de desenvolver complicações perioperatórias, como infec-ções, e podem apresentar um risco mais elevado de óbito durante 154o primeiro ano de cirurgia decorrente de enfermidades cardíacas ou cerebrovasculares. Entretanto, curiosamente, a mortalidade em 5(cinco) anos e as taxas de complicações maiores não apresentam uma discrepância tão signi� cativa quando comparada aos trans-plantados por outras etiologias.O diagnóstico de NAFLD idealmente deve ser realizado com identi� cação de esteatose hepática em exame de imagem ou em bi-ópsia hepática após exclusão de outras causas prováveis, com evi-dência de acúmulo excessivo de triglicerídeos nos hepatócitos. Já o diagnóstico de NASH requer, necessariamente, uma biópsia hepá-tica e a identi� cação de 3 (três) achados patognomônicos obrigató-rios: ballooning hepatocelular (aumento das glândulas hepatocitárias com lesão adjacente); in! amação lobular e esteatose. No entanto, por conta da di� culdade de padronização e acesso aos meios diag-nósticos, a avaliação dos candidatos pré -TH ainda apresenta dados controversos, podendo inclusive, estarem subestimados. O TH deve ser considerado quando o paciente portador de cirrose devido a NASH tiver desenvolvido complicações como as-cite, encefalopatia hepática, hemorragia varicosa ou disfunção he-patocelular com escore MELD maior ou igual 15 ou escore Chil-d-Pugh maior ou igual a 7.DISCUSSÃOSegundo as principais referências, o valor do escore MELD dos pacientes listados por NASH tende a ser menor quando com-parado ao daqueles listados por outras causas e esses mesmos pa-cientes têm, em geral, uma menor chance de receber transplante hepático, devido às suas altas taxas de redução anual do MELD e de abandono da lista devido ao óbito por outras causas. Em nosso serviço, foram realizados45 transplantes hepá-ticos que tiveram NASH como causa base de indicação entre os anos de 2002 e 2020, sendo o primeiro deles registrado em 2014. 155Nota-se signi� cativo número de TH realizados anteriormente com diagnóstico de base de cirrose criptogênica, entidade de diagnós-tico de exclusão, nos permitindo inferir a possibilidade de que os dados sobre os TH por NASH tenham sido subestimados. Quan-do comparados aos pacientes transplantados por outras etiologias, aqueles com doença hepática gordurosa apresentaram uma média de escore MELD maior. Dentre estes, registramos um óbito no 7º dia após o TH, que ocorreu em uma paciente do sexo feminino com escores iniciais CHILD C 10 e MELD 24.Os princípios do manejo pós-TH destes pacientes são sem-pre permeados pelas mudanças de estilo de vida, imunossupressão ou imunomodulação e tratamento medicamentoso das condições metabólicas. Devido ao alto risco de NASH após TH, exames de imagem e elastogra� a têm sido comumente usados para monito-rizar os pacientes com maior risco, porém, ainda não dispomos de dados su� cientes para a de� nição de um seguimento especí� co para esses casos.É importante ressaltar que a obesidade, por si só, não é con-traindicação ao TH, mas a perda de peso ainda continua sendo o tratamento padrão ouro para a NASH e, nesse contexto, a cirurgia bariátrica tem se mostrado como uma aliada e� caz naqueles pa-cientes refratários a medidas comportamentais e farmacológicas, ainda no período pré-transplante. A sobrevida dos pacientes após TH com e sem NASH tem se mostrado similar, fato que poderia ser explicado pela menor chance de falha do enxerto quando comparado com os transplan-tados por outras indicações.Vale ressaltar que NASH é um fator de risco independen-te para o desenvolvimento de disfunção renal tanto antes quanto após o TH, sendo recomendado pela Sociedade Latino-Americana de Estudo do Fígado (ALEH), o seu rastreio, diagnóstico precoce e manejo adequado. Apesar de tantas referências à obesidade, a 156sarcopenia é o achado mais comumente encontrado em pacientes com NASH e se associa com uma maior mortalidade durante a espera por TH.O TH cura a doença hepática, mas não remove os fatores de risco. Os dados disponíveis atualmente sobre a recorrência de doença hepática gordurosa ainda são controversos e apresentam certos vieses de amostragem e diagnóstico. A recorrência de NA-FLD ou NASH de novo parece estar presente em aproximadamen-te 50% dos receptores após 1 (um) ano, sendo o IMC e o per! l lipídico os principais preditores independentes de prognóstico. Alguns estudos, inclusive, observaram uma recorrência de 100% de NAFLD em 5 (cinco) anos. Ademais, já se foi identi! cado que os receptores de fígados esteatóticos podem apresentar resolução completa da condição com alguns meses após a cirurgia, ressaltan-do o caráter multifatorial da doença, que envolve a interação entre variáveis ambientais e não ambientais. A crescente ocorrência de NASH em doadores, falecidos ou vivos, pode afetar a elegibilidade dos mesmos, mas atualmente não há nenhum escore detalhado para avaliar tal acometimento, sendo recomendada a exclusão de enxertos com mais de 60% de macro esteatose. O padrão ouro seria a avaliação histopatológica, no en-tanto, a biópsia hepática não está disponível, em tempo viável para o TH, na grande maioria dos centros do país. Segundo a literatura revisada, esteatose presente no fígado do doador não parece in-" uenciar os resultados pós-transplante, diferentemente do obser-vado em casos de NASH comprovada por exame histopatológicoEm associação, o aumento da sobrevida devido às novas técnicas operatórias e terapias imunossupressoras mais e! cazes faz com que ocorra também maior chance de desenvolver doenças crônicas após o TH que não necessariamente estivessem presen-tes antes, sendo inclusive mais comum a ocorrência de NODAT (new diabetes after transplant) em indivíduos com fatores de ris-157co pessoais e familiares e com uso de inibidores da calcineurina. Curiosamente, essa ocorrência foi percebida em maior número em pacientes com doença hepática alcoólica quando em comparação com outras etiologias. Diante do exposto, torna-se evidente não só o crescimento da importância da doença hepática gordurosa não alcoólica como etiologia de base para o transplante hepático, mas também a sua emergência como questão de saúde pública, principalmente quan-do se leva em consideração que estes pacientes após o TH apresen-tam uma maior expectativa de vida apesar das suas comorbidades. Os dados nacionais disponíveis ainda são inconsistentes e escassos, culminando em subdiagnóstico, manejo pouco estruturado e re-sultados enviesados. A determinação de protocolos cientí� cos em-basados para o diagnóstico precoce, o manejo das comorbidades e o acompanhamento destes pacientes transplantados é urgente e deverá impactar diretamente os desfechos dos TH no Brasil e no mundo nas próximas décadas. REFERÊNCIAS ANDRADE, ARCFD; COTRIM, HP; BITTENCOURT, PL; et al, Boa Sorte NCA. Nonalcoholic steatohepatitis in posttrans-plantation liver: Review Article. Rev. Assoc. Med. Bras. v.2, n.64, p.187-194. 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O diagnóstico de colangite biliar primária (CBP) foi con! rmado, 5(cinco) meses após o parto, por meio de antimi-tocôndria (AMA) reagente e biópsia hepática (BxH) compatível com CBP estágio II. Fez uso de ácido ursodesoxicólico (AUDC), colestiramina e anti-histamínicos sem melhora clínica ou labora-torial, sendo então encaminhada ao nosso serviço. À admissão, apresentava-se ictérica, desnutrida, com múltiplas escoriações, xantelasmas e xantomas. Exames laboratoriais destacaram bilir-rubinas totais (BT) de 35,7mg/dl, com aumento importante ga-maglutamiltransferase (GGT) e fosfatase alcalina (FA), 30 e 17 vezes acima do valor da normalidade, respectivamente. Veri! cado ainda hipoalbuminemia (2,4g/dl) e dislipidemia (colesterol total de 762mg/dl e triglicérides de 340 mg/dl). Ultrassonogra!a de ab-dome (US) mostrou sinais de hepatopatia crônica e esplenomega-lia. Com MELD 22 e sem resposta após 19 meses de tratamento clínico, paciente foi submetida a transplante hepático (TH) com sucesso. Após 1(um) ano do TH, apresentava aumento persistente de GGT e FA, AMA 1/320 e BxH con! rmou recidiva de CBP 160(Figura 1), sendo iniciado uso de AUDC. Evoluiu com enzimas hepáticas � utuantes, transtorno depressivo, recaída do tabagismo e di� culdades de adesão medicamentosa. Decorridos 9(nove) anos do TH necessitou de retransplante por perda do enxerto (MELD 24). Após 1(um)ano do retransplante, nova recidiva de CBP foi con� rmada por BxH (Figura 2), sendo reintroduzido AUDC, po-rém sem resposta bioquímica ou histológica completa. Desde o primeiro TH, a imunossupressão foi realizada com tacrolimo, em alguns períodos em associação com corticóide e/ou micofenolato de sódio. A paciente evoluiu para óbito, 15 anos após o primeiro TH (6(seis) anos após retransplante), por complicações de infec-ção respiratória.Figura 1 – Cirrose hepática em que não se visualizam ductos interlobula-res no espaço porta HE x400Notas: Setas vermelhas: ramos arteriais desacompanhados de ductos interlobu-lares.Seta verde: ramo venoso portal.161Figura 2 – Ducto interlobular permeado por in� ltrado predominantemen-te linfocitário, observando-se granuloma periductal. HE, x400Notas: Setas pretas: ducto interlobular. Setas vermelhas: granuloma.INTRODUÇÃOA colangite biliar primária (CBP), anteriormente conhecida como cirrose biliar primária, é uma colangite linfocítica granulo-matosa crônica dos pequenos ductos biliares, que predomina em mulheres (90% a 95%) entre 30 a 65 anos de idade, e pode estar associada a outras condições autoimunes. Apesar de ser considera-da rara, é a doença autoimune mais comum do fígado. Seu marca-dor sorológico, AMA, está presente em 95% dos casos. Apresenta curso crônico, no qual fatores genéticos, associados a possíveis ga-tilhos ambientais, levam à injúria do epitélio biliar, com conse-quente colestase, ductopenia e 2 brose biliar progressiva.Possui amplo espectro de apresentação clínica, desde casos assintomáticos até formas com fadiga (o sintoma mais comum, 162que pode ser incapacitante e associado a pior sobrevida) e prurido. A icterícia tende a ser uma manifestação mais tardia. Ao exame físico podem ser observados xantomas, xantelasmas, hiperpigmen-tação, dermatogra� smo, xerodermia. Achados de osteopenia e dis-lipidemia podem ser exuberantes, com risco aumentado de fratura patológica, mas não de risco cardiovascular.O diagnóstico de CBP é con� rmado pela presença de 2(dois) dos seguintes fatores: FA ≥ 1,5 vezes o valor normal, AMA≥ 1/40, BxH característica (notadamente com ductopenia, reconhecida quando há menos de 50% de ductos interlobulares em 10 ou mais espaços-porta, e/ou granuloma periductal); em paciente com apre-sentação clínica compatível e descartadas causas obstrutivas para a colestase (por US e, se possível, ressonância nuclear magnética). O aumento de FA é mais especí� co, já que a GGT re� ete, além de lesão biliar, a in� amação e o estresse oxidativo. Na ausência de AMA, padrões especí� cos de FAN (anticentrômero, antiGp210, antiSp100) e aumento inespecí� co de IgM podem contribuir para o diagnóstico. A realização de BxH raramente é necessária, sen-do reservada para casos de dúvida diagnóstica, como nos AMA negativos, ou suspeita de doenças associadas, como sobreposição com hepatite autoimune. A elastogra� a hepática é uma alternativa e� caz e não invasiva para estadiamento da CBP.Todos os pacientes com CBP e aumento de FA devem ser tratados com AUDC, na dose de 13 a 15 mg/kg/dia, com o objeti-vo de controle bioquímico, diminuição da progressão histológica e melhora da sobrevida livre de TH. Em geral, a droga é muito bem tolerada e, uma vez iniciada na fase pré cirrótica e atingida res-posta bioquímica completa (normalização da FA em 1(um) ano), permite expectativa de vida semelhante à da população geral. Sin-tomas como fadiga e prurido frequentemente não melhoram com AUDC e precisam de manejo especí� co. Para os casos de resposta bioquímica parcial ao AUDC, pode-se associar o ácido obeticóli-163co, na dose inicial de 5mg/dia e dose alvo de 10mg/dia. Trata-se de terapêutica de segunda linha, com mais efeitos colaterais (inclusive prurido) e sem segurança comprovada para uso em cirróticos. Fi-nalmente, uma alternativa ainda em investigação, é a associação de beza� brato, 400mg/dia, com relatos de boa resposta bioquímica e até melhora de fadiga e prurido. Feno� brato e budesonida são também drogas potencialmente úteis, mas que necessitam de me-lhor avaliação.A realização de TH por CBP tem diminuído nas últimas décadas, provavelmente pela melhora no diagnóstico e na insti-tuição de AUDC nas fases precoces da doença. Há vários índices prognósticos especí� cos para CBP, com destaque para o da Mayo Clinic, o GLOBE e o UK-PBC score. A maioria dos centros, no entanto, utiliza o índice MELD para indicar e estrati� car pacientes em lista de TH. Valores isolados de BT≥ 5mg/dl ou albumina sé-rica ≤2,8g/dl, ou mesmo a caracterização de prurido intratável ou fraturas patológicas de repetição também podem ser considerados como indicação para TH.Apesar da excelente sobrevida após TH (95%, 90% e 81% em 1, 5 e 10 anos, respectivamente) e da pronta resolução do pru-rido e de outras complicações da cirrose, os achados de icterícia, ascite e osteodistro� a podem persistir por meses. Outros, como fadiga e esplenomegalia, podem nunca reverter, mesmo com o per-feito funcionamento do enxerto hepático. Ademais, a recorrência CBP (rCBP) é estimada em até 36% dos pacientes após 10 anos de TH e deve ser diagnosticada por BxH, uma vez que o AMA permanece reagente após o TH, independentemente de recorrên-cia, e o aumento de FA pode ter múltiplas causas. A rCBP tem impacto na sobrevida do enxerto e do paciente e a resposta ao uso de AUDC ainda é incerta. Estudos recentes focam na prevenção da rCBP, como discutiremos a seguir.164DISCUSSÃOO caso apresentado acima ilustra quadro clássico de CBP, em mulher jovem. Há descrição na literatura de que prurido du-rante a gestação e tabagismo são fatores de risco epidemiológico para CBP. A rápida evolução para icterícia e descompensação he-pática, a despeito do uso de AUDC, faz supor que esta paciente já estivesse em estádio avançado da doença quando do seu diagnósti-co. Não dispomos de dados clínicos anteriores à gestação.O TH foi indicado e realizado com sucesso inicial, porém a paciente evoluiu a longo prazo com rCBP, necessidade de re-transplante (rTH) e nova rCBP. Apesar do conhecimento de que a CBP pode recorrer em até um terço dos transplantados, até re-centemente se considerava que essa recorrência não fosse relevante e menos de 5% dos pacientes necessitam de rTH. Foram descritos como fatores de risco para rCBP: idade ≤50 anos no diagnóstico de CBP ou ≤ 60 anos no momento do TH; FA aumentada após 6 e 12 meses de TH; uso de tacrolimo, sirolimo ou micofenolato para imunossupressão. Sugere-se avaliar o uso de ciclosporina nos pacientes submetidos a TH por CBP. Optamos por manter tacro-limo, nesse caso, por seu maior poder imunossupressor e as di3 cul-dades de adesão da paciente, que apresentava constante 7 utuação de enzimas hepáticas, o que motivou a realização de várias BxH por suspeita de rejeição e tentativas de ajuste da imunossupressão.Trabalho recente, publicado no 3 nal de 2020, demonstrou que o uso preventivo de AUDC, iniciado nas primeiras 2(duas) semanas após TH, esteve consistentemente associado à redução da rCBP e da perda de enxerto, da mortalidade por causas hepáticas e da mortalidade geral. Demonstrou ainda que o uso combinado de ciclosporina e AUDC teve maior efeito protetor do enxerto do que qualquer um deles isoladamente.Concluímos, portanto, passados 18 anos do início desse caso e à luz do conhecimento atual, que uma abordagem multi-pro3 ssional mais contundente em relação ao quadro depressivo e 165às di� culdades de adesão, o uso de ciclosporina como imunossu-pressor de base e a introdução de AUDC precocemente pós TH, possivelmente teriam permitido um desfecho mais favorável para essa paciente.RE FERÊNCIAS ASHAH RA, KOWDLEY KV. Current and potential treatments for primary biliary cholangitis. Lancet Gastroenterol Hepatol, v.5, n.3, p. 306-315, 2019.CORPECHOT C, CHAZOUILLÈRES O, BELNOU P, et al. Long-term impact of preventive UDCA therapy after transplanta-tion for primary biliary cholangitis. J. Hepatol., v.73, n.3, p.559–565, 2020.COUTO C, TERRABUIO DRB, CANÇADO ELR, et al. 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Colangiorresso-nância evidenciou estenose da anastomose biliodigestiva na junção dos ductos hepáticos direito e esquerdo (Bismuth III). Foi realizado tratamento percutâneo da via biliar, e, na mesma ocasião, biópsia hepática que revelou cirrose. Após 3(três) anos da cirurgia inicial, foi encaminhada ao serviço, com a + nalidade de avaliar indicação de transplante hepático (TH). Apresentava icterícia acentuada, hérnia incisional no abdome superior e sarcopenia com IMC de 20,4. Exames laboratoriais: Hb 11,7 g/dL; plaquetas 120.000 /uL; bilirrubina total 14 mg/dL; bilirrubina direta 8,43 mg/dl; albu-mina 4,5 g; RNI 1,17; creatinina 0,6 mg/dL; sódio 141 mEq/L. 168Classi� cada como Child B7 e MELD 18. Endoscopia digestiva alta revelou varizes esofágicas de médio calibre e ultrassonogra� a abdominal com dilatação das vias biliares intra-hepáticas, mais evi-dente à esquerda, além de sinais de enfermidade parenquimatosa hepática crônica e esplenomegalia. A tomogra� a de abdome con-� rmou dilatação biliar intra-hepática e circulação colateral no sítio esplenorrenal. Colangiorressonância com dilatação das vias biliares intra-hepáticas e obstrução brusca ao nível da junção dos ductos hepáticos direito e esquerdo. Nessa ocasião, foi inscrita para TH. Após 71 meses da lesão inicial da via biliar e 3(três) anos em lista de espera, foi submetida a TH com MELD 18. A paciente recebeu enxerto de doador falecido de 13 anos, com tempo de isquemia fria de 7,35 horas e isquemia quente de 20 minutos. Tempo cirúrgico prolongado de 7,20 horas, devido a di� culdades técnicas ocasio-nadas por intensas aderências decorrentes das colangites e procedi-mentos cirúrgicos prévios. A via biliar foi reconstruída através de coledocojejunostomia término-lateral em Y de Roux. Recebeu so-mente transfusão autóloga através de recuperação intra-operatória de sangue (RIOS). Evolução pós-operatória sem intercorrências, com alta no 9º dia. Paciente segue em acompanhamento, após 10 anos de TH, assintomática, sem sinais de complicações biliares ou rejeição, em monoterapia com tacrolimo.INTRODUÇÃOA cirrose biliar secundária (CBS) é uma causa rara de doen-ça hepática em estágio terminal. A � siopatologia está associada à obstrução da via biliar, levando a colestase e, por � m, in! amação secundária e � brose. Dentre as etiologias, as principais associadas à CBS são atresia de via biliar e cistos de colédoco na infância. Em adultos, destacam-se as estenoses de via biliar decorrentes de procedimentos cirúrgicos, sendo o mais comum a lesão cicatrial de via biliar após colecistectomia e derivação biliodigestiva. Ou-169tras causas são estenoses após TH e induzidas por radiação, além de hepatolitíase. A lesão da via biliar (LVB) é uma temida complicação da colecistectomia, com incidência variando de 0,1-1,5%. Apesar do baixo risco, o número total de pacientes com LVB é considerável, em decorrência do grande número de colecistectomias realizadas em todo o mundo. Essa complicação está associada à alta morbi-mortalidade e requer tratamento especializado para evitar desfe-chos negativos. Presença de colecistite e inexperiência da equipe cirúrgica, são os dois fatores mais comuns relacionados à LVB. A LVB pode se apresentar com um amplo espectro clínico, variando desde quadros assintomáticos, colangites de repetição e CBS. Des-sa forma, as opções de tratamento variam amplamente, de acordo com o estágio e o quadro clínico do doente, podendo ser dilatação por colangiopancreatogra� a retrógrada endoscópica (CPRE), in-tervenção biliar percutânea, derivação biliodigestiva, ressecção he-pática e transplante hepático (TH). De acordo com a literatura, a CBS corresponde a 1-2% de todas as indicações de TH no mundo. A coledocolitiase, na maioria das vezes, é secundária a cálculos originados na vesícula que migram. Já a hepatolitíase é uma doença diferente, incomum em nosso meio e que se caracteriza por cálculos em ductos biliares mais periféricos. Tem causa desconhecida em tor-no de 70-80% dos casos, podendo ser associada nos casos restantes a procedimentos biliares prévios ou malformações biliares. A colangite normalmente se desenvolve em um contexto de infecção, na presença de estase, causada por alguma obstrução da via biliar. Seu curso clínico varia de leve a grave, podendo inclusive levar ao óbito. Caso a obstrução da via biliar não seja resolvida, as colangites podem ser recorrentes. Em casos mais graves, a estase biliar e as infecções favorecem o surgimento de cálculos pigmen-tados de bilirrubinato, que por sua vez, favorecem o aparecimen-to de infecções, criando um círculo vicioso. A tríade clássica da 170apresentação clínica da colangite é chamada de Triade de Charcot e se caracteriza por febre com calafrios, dor em hipocôndrio direi-to e icterícia, podendo estar associada com hipotensão e confusão mental (pêntade de Reynolds).DISCUSSÃOAs estenoses biliares são as complicações tardias mais co-muns da LVB, podendo evoluir para " brose portal e, por " m, cir-rose biliar secundária (CBS). A classi" cação mais usada para LVB é a de Strasberg-Bismuth (Quadro 1 e Figura 1).Quadro 1 – Classi! cação de Strasberg-Bismuth para lesão de vias biliaresTipo ALesão do ducto cístico ou de pequenos ductos do parênquima hepático com extravasamento de bile.Tipo BObstrução da árvore biliar, comumente de um ducto hepático direito aberrante.Tipo CTransecção de um ducto hepático direito aberrante com conse-quente extravasamento de bile.Tipo DLesão lateral ao ducto biliar principal, com extravasamento de bile.Tipo ELesão do ducto biliar principal, subclassifi cada de acordo com a altura da lesão com relação à confl uência dos ductos hepáticos.E1 Lesão localizada a > 2cm da confl uência dos ductos hepáticos.E2 Lesão localizada a < 2cm da confl uência dos ductos hepáticos.E3Lesão junto à confl uência dos ductos hepáticos, mas sem comprometimento desta.E4 Lesão comprometendo a confl uência dos ductos hepáticos.E5Lesão comprometendo o ducto hepático direito aberrante con-comitante a lesão do ducto hepático comum. Fonte: BARUT, 2016.171 Figura 1 – Classi! cação de Strasberg-BismuthFonte: BARUT, 2016.Após a LVB ou outra causa de estenose crônica das vias bilia-res, a exposição crônica a altas concentrações de ácidos biliares na membrana canalicular desencadeia uma proliferação ductal e in-' amação portal associada à deposição de ) brinogênio, resultando em estenose e, por consequência, colestase. Quanto maior o tempo de obstrução, maior a probabilidade de ocorrer ) brose, porém o tempo necessário de progressão para cirrose é controverso.A taxa de CBS devido a LVB é difícil de ser avaliada, sendo superestimada na maioria dos estudos. Devido à dilatação da via biliar, a biópsia hepática é mais complexa e risco aumentado de coleperitônio e hemobilia pode ser maior. A elastogra) a não é uma boa ferramenta para avaliar ) brose hepática em pacientes com obs-trução da via biliar. Os episódios repetidos de colangite clínica ou subclínica tendem a piorar o dano hepático e podem, por si só, levar ao óbito. O manejo clínico do quadro agudo de colangite se inicia com reposição intravenosa de ' uidos, analgesia e antibióticos de 172largo espectro (com cobertura para micro-organismos gram po-sitivos e negativos, especialmente E. Coli, Klebsiella sp., e anaeró-bios, principalmente em pacientes com anastomose biliodigestiva prévia). Além disso, a drenagem da via biliar (seja ela percutânea, endoscópica ou cirúrgica) deve ser procedida de maneira urgente nos quadros de colangite tóxica.O tratamento cirúrgico padrão das estenoses biliares cica-triciais é a hepaticojejunostomia em Y de Roux. O procedimento apresenta baixas taxas de mortalidade (0,1-1,7%), mas até 2/3 dos pacientes podem apresentar recidiva da estenose biliar em 2(dois) a 3(três) anos após o reparo, principalmente nos casos em que a di-latação de via biliar não é tão pronunciada ou nas derivações feitas em serviços sem experiência em cirurgia hepatobiliopancreática. A ressecção hepática está indicada em pacientes sintomáticos com falha no tratamento endoscópico, especialmente naqueles com le-são vascular associada e comprometimento de um lobo hepático isolado ou em casos de hepatolitiase restritas a um lobo hepático. O TH é um tratamento de exceção, sendo as duas princi-pais indicações após LVB: doença hepática crônica com ou sem episódios de colangite de repetição e insu6 ciência hepática aguda causada por lesão vascular grave da porta e da artéria associada a lesão biliar (cenário mais dramático e mais raro). Na hepatolitíase e nas outras causas de CBS, o TH normalmente só passa a ser uma indicação terapêutica após a evolução com cirrose. O TH deve ser considerado em pacientes com CBS compensada, mas que apresentam episódios de colangites de repetição, uma vez que tais complicações estão associadas a um aumento na mortalidade. A le-gislação brasileira confere situação especial e uma pontuação extra do escore MELD em pacientes que apresentaram dois episódios de colangites, com necessidade de internamento nos últimos 6 meses, ou um episódio com formação de abscessos ou com hemocultura positiva para bactérias multirresistentes. 173Nesses casos de CBS, o TH apresenta mais complexidade e di� culdade técnica quando comparado com transplantes por outras causas, uma vez que os pacientes comumente foram sub-metidos a múltiplos procedimentos cirúrgicos e tiveram vários episódios de colangites. Aderências fortes são esperadas e com a presença de hipertensão portal, aumentam o tempo cirúrgico e o risco de sangramento, mesmo quando realizados por cirurgiões experientes. Além disso, na maioria dos casos, a via biliar nativa do receptor não pode ser utilizada, sendo necessária uma derivação biliodigestiva. Como consequência, os tempos cirúrgicos são mais prolongados, há maior uso de hemoderivados e aumento de mor-talidade peri-operatória. No entanto, o prognóstico a longo prazo se assemelha ao de outras causas de cirrose. O caso em discussão já foi encaminhado para o serviço com cirrose estabelecida, com hipertensão portal e sem mais possibi-lidades de tratamentos percutâneos, endoscópicos ou derivação biliodigestiva. O TH era a única opção curativa. Em publicação recente do nosso grupo, a CBS correspondeu a 0,72% das indi-cações de TH, sendo a maioria secundária a lesões cicatriciais das vias biliares após colecistectomia, e todos os casos foram trans-plantados já com cirrose. Para a reconstrução biliar, foi necessário a confecção de anastomose biliodigestiva em Y de Roux em 90% dos casos. Em conclusão, pacientes com lesões biliares após colecistec-tomia devem ser tratados em centros especializados, que possam oferecer os procedimentos mais adequados em tempo hábil e, dessa forma, evitar a CBS e, consequentemente, o transplante hepático.REFERÊNCIAS BARBIER, L, SOUCHE, R, SLIM K, AH-SOUNE P. Long-term consequences of bile duct injury after cholecystectomy. J. Visc. Surg, v.151, n.4, p.269-279, 2014.174BARUT, B, GÖNÜLTAŞ, F, İNCE V, YÖNDER H. Our Clini-cal Experience in Iatrogenic and Traumatic Bile Duct Injury: A Retrospective Analysis. J. Turgut. Ozal. Med. Cent., v.23, n.1, p.42-48, 2016.CHAN, S.C.; FAN, S.T.; WONG, J. Recurrent pyogenic chol-angitis. In: JARNAGIN, W.R., (Editor). Blumgart’s Surgery Of ! e Liver, Biliary Tract And Pancreas. Philadelphia: Elsevier; p. 725-741, 2012.CHANG, J; YOON, Y; LEE, S; et al. 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Chirurgia, v.111, n. 5, p.450-451, 2016.175CAPÍTULO 16COLANGITE ESCLEROSANTE PRIMÁRIA (CEP)Marilia Ferreira Gomes GarciaCamilla Bezerra Bastos LimeiraDuílio Reis da Rocha FilhoJosé Huygens Parente GarciaCASO CLÍNICOPaciente masculino, 36 anos, procedente de Teresina – PI, foi diagnosticado com retocolite ulcerativa inespecí" ca (RCUI) em 2006, em uso contínuo de mesalazina. Em junho de 2018 ini-ciou quadro de icterícia, colúria, hipocolia fecal e prurido cutâneo. Sem perda de peso e sem dor abdominal. Exames de laboratório: bilirrubina total (BT) 4,94 mg/dL com direta de 4,1mg/dL; ga-maglutamil-transferase (GGT) 887 U/L; aspartato-aminotransfe-rase (AST)85 U/L; alanina-aminotransferase (ALT) 92 U/L; RNI 1,22; CA-19-9 22 U/mL. Ultrassonogra" a de abdome (US) reve-lou fígado com textura heterogênea e ectasia de via biliar intra-he-pática. Colangiorressonância evidenciou estenose comprometen-do a bifurcação dos ductos hepáticos direito e esquerdo (Foto 1).Na sua cidade de origem, foi submetido a colangioscopia (spyglass) com biópsia endoluminal na área de estenose biliar, se-guido de dilatação e aposição de endoprótese. Resultado negativo para neoplasia, sendo diagnosticado como colangite esclerosante primária associada à RCUI. Apresentou 3(três) episódios de co-176langite aguda, sendo tratado com antibioticoterapia e troca das endopróteses. Em seguida, foi encaminhado para o Centro de Transplante de Fígado do Ceará (CTFC). Como apresentou pelo menos 2(dois) episódios de colangite em 6 meses, o caso foi enca-minhado para a Câmara Técnica Nacional de Transplante de Fíga-do (CNT) do Sistema Nacional de Transplantes, com solicitação de situação especial por colangites de repetição, sendo deferido e recebendo escore MELD 20. Foi transplantado em abril de 2019. Durante a hepatectomia havia uma área endurecida no hilo hepá-tico e, por esse motivo, foi associado à linfadenectomia (Foto 2). O transplante hepático (TH) transcorreu sem transfusão e sem complicações, com alta hospitalar no 5º pós-operatório, em uso de tacrolimo e prednisona.Foto 1 – Colangiorressonância evidenciou estenose comprometendo a bifurcação dos ductos hepáticos direito e esquerdo 177Foto 2 – Explante com área endurecida no hilo O anatomopatológico do explante evidenciou colangiocar-cinoma moderadamente diferenciado, vasos livres, metástases em 8/14 linfonodos ressecados e cirrose micronodular. A imunossu-pressão foi modi$ cada com associação de everolimo e redução do tacrolimo. Foi avaliado pela oncologia clínica que indicou quimio-terapia adjuvante com capecitabina por seis meses, concluídos sem intercorrências. O paciente permaneceu em acompanhamento rigoroso, assintomático e com excelente qualidade de vida. No en-tanto, em maio de 2021, tomogra$ as evidenciaram a presença de nódulo pulmonar de 1,6 cm, além de proliferação tecidual de as-pecto in$ ltrativo ocupando o hilo hepático e o espaço portocaval, sugestivos de recorrência da neoplasia. Houve elevação do CEA para 24,20 ng/mL, com CA 19-9 normal. Uma biópsia da lesão pulmonar con$ rmou o diagnóstico de metástase do colangiocarci-noma. Iniciou tratamento paliativo em seguida. 178INTRODUÇÃOColangite esclerosante primária (CEP) é uma doença hepá-tica crônica colestática rara, caracterizada por in% amação e ' brose progressivas das vias biliares levando a estenose multifocal dos duc-tos biliares, podendo evoluir para cirrose hepática e necessidade de transplante hepático. Acomete principalmente homens adultos de meia-idade. Cerca de 50% a 80% dos pacientes com CEP apre-sentam doença in% amatória intestinal associada, sendo a retocolite ulcerativa idiopática (RCUI), a mais comum. A etiologia da CEP permanece desconhecida, embora fato-res genéticos imunomediados e ambientais estejam envolvidos na ' siopatologia da doença. O curso clínico é heterogêneo e insidioso, podendo a me-tade dos pacientes cursarem assintomáticos. A suspeita clínica ocorre frequentemente pela elevação das enzimas canaliculares (fosfatase alcalina e GGT). Os sintomas mais comuns são dor abdominal, prurido e fadiga. A icterícia pode ser vista em ca-sos avançados da doença hepática ou em estenose acentuada dos ductos biliares. A presença das estenoses intra e extra-hepáticas, em decorrência da injúria à árvore biliar, favorece o surgimento de colestase, colangites de repetição e cirrose biliar secundária. A piora rápida e progressiva dos sinais e sintomas colestásticos eleva a suspeita de colangiocarcinoma.O diagnóstico é feito através de elevação de enzimas cana-liculares e con' rmado pela visualização do padrão de estenose e dilatações em vias biliares intra e extra-hepáticas por meio das co-langiogra' as, sendo a colangiorressonância o exame mais utilizado inicialmente. A colangiopancreatogra' a endoscópica retrógrada (CPER) pode ser realizada para diagnóstico, mas atualmente seu uso ' ca reservado para abordagem terapêutica ou dúvida diagnós-tica, como na suspeita de colangiocarcinoma.179Não há evidência de medicações especí� cas que modi� quem a história natural da doença e prolonguem a sobrevida livre de TH. O ácido ursodesoxicólico em doses baixas (13 a 15mg/kg) parece melhorar a bioquímica, porém não interfere nos sintomas e na sobrevida a longo prazo. A CPER com dilatação por balão ou passagem de endoprótese, por facilitar a drenagem biliar, pode ser realizada em pacientes com estenoses biliares dominantes, levando a melhora do quadro clínico e redução da colestase, com impacto no prognóstico. A di� culdade diagnóstica reside em diferenciar a estenose dominante de um colangiocarcinoma inicial, sendo então possível a realização da biópsia dirigida por visualização direta do ducto ou escovado como opção diagnóstica viável. O TH é consi-derado o único tratamento de� nitivo para CEP, estando indicado para pacientes com doença hepática em estágio terminal, assim como prurido intratável e colangite bacteriana de repetição. DISCUSSÃOUma das complicações da CEP é o surgimento de colan-giocarcinoma (CCA), com risco de 5-15% ao longo da vida. O diagnóstico de CCA nesses pacientes pode ser extremamente di-fícil, chegando a 10% dos transplantados por CEP terem CCA incidental em um estudo descritivo. A biópsia endoscópica direcionada para área de estenose é o padrão ouro para diagnóstico e deve ser suspeitado quando há rápida deterioração clínica ou dilatação biliar progressiva. A dife-renciação do CCA com estenose dominante é um desa� o na prá-tica clínica. Outros métodos como a citologia por escovado biliar, colangiorressonância e marcadores tumorais, como o CA 19-9, também são frequentemente utilizados de forma combinada.As di� culdades citadas frequentemente levam a um diag-nóstico tardio, em que já não é possível a ressecção O transplan-te hepático por CCA é contraindicado no Brasil, devido ao mau prognóstico da neoplasia. 180O caso em discussão é de um paciente jovem, com diagnóstico de RCUI e CEP. Havia uma estenose comprometendo a bifurcação dos ductos hepáticos, que foi amplamente investigada por imagem e por colangioscopia, com biópsia negativa para neoplasia. Como apresentou 3(três) episódios de colangite bacteriana com necessidade de internamento e antibioticoterapia, foi contemplado com situa-ção especial pela CNT. Durante o transplante, houve suspeita de neoplasia por palpação de área endurecida no hilo hepático. Como não havia con� rmação histológica e nem doença extra-hepática, de-cidimos por prosseguir com o transplante e realizar linfadenecto-mia para melhor estadiamento. A presença de metástase linfonodal é critério de mau prognóstico no CCA e em todos os protocolos, incluindo o da Mayo Clinic, é uma contraindicação ao TH. Pacientes com tumores de vias biliares têm risco expressivo de recidiva após ressecção completa, o que motivou a pesquisa do papel da quimioterapia adjuvante. O estudo de fase 3 BILCAP mostrou que o uso de capecitabina pós-operatório aumentou de forma signi� cativa a sobrevida mediana de 36 meses para 53 me-ses na análise pré-especi� cada por protocolo, quando comparado com placebo (Hazard Ratio 0,75; intervalo de con� ança [IC] 95% 0,58-0,97; p=0,028). O resultado levou à incorporação da capeci-tabina adjuvante ao tratamento dos pacientes com tumores de vias biliares, especialmente aqueles com maior risco de recidiva, como os que apresentam envolvimento linfonodal. Apesar do tratamen-to otimizado, o paciente apresentou recorrência locorregional epulmonar da neoplasia 25 meses após o transplante.A maioria dos centros transplantadores optam por rastreio anual para CCA, com US ou ressonância magnética e CA 19-9. Pesquisas estão sendo realizadas para determinar fatores que po-deriam estar associados a maior risco de CCA nos portadores de CEP, para predizer aqueles que deveriam ser transplantados preco-cemente, porém, os resultados ainda são inconclusivos.181RE FERÊNCIAS DYSON, J.K.; BEUERS, U.; JONES, D.J.; et al. Primary scleros-ing cholangitis.! e Lancet, v.391, n.10139, p.2547-2559. Inter-net].2018 [cited 21 Jun 26];Avaliable from: ttps://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(18)30300-3/fulltext.doi: dx.doi.org/10.1016/s0140-6736(18)30300-3.ISAYAMA, H.; TAZUMA, S.; KOKUDO, N.; et al. Clinical guide-lines for primary sclerosing cholangitis 2017.J. Gastroenterol, v.53, n.9, p.1006-1034. 2018 [cited 21 maio 30]; Avaliable from: https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs00535-018-1484-9.doi:dx.doi.org/10.1007/s00535-018-1484-9.KARLSEN, T.H.; FOLSERAAS, T.; THORBURN, D.; et al. Primary sclerosing cholangitis – a comprehensive review. J. Hepatol. 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Recebeu imunossupressã o com tacrolimo (nível sérico entre 5 e 6ng/ml após 6 meses), mi-cofenolato mofetil 1,5g/dia e mantida prednisona 5mg/dia. Após 4(quatro) anos de TH, evoluiu com aumento gradativo das ami-notransferases, principalmente aspartato-aminotransferase (AST) em torno de 113 U/L. Na investigação, foi detectado aumento de gamaglobulina (IgG) e altos tí tulos de anti-LKM1 (1:2560), sendo descartadas outras causas como hepatites virais e toxicidade por drogas. Realizou bió psia hepá tica, que revelou hepatite de in-terface e in' ltrado linfoplasmocitário, sugestivo de recidiva de he-patite autoimune. Foi substituído micofenolato por AZA 50mg/dia, aumentada PD para 30 mg/dia e mantido nível de tacrolimo. Posteriormente foi aumentada a dose de AZA para 75 mg/dia e realizado desmame progressivo da PD para 5 mg/dia. Evoluiu com 184normalização de aminotransferases e IgG, além de negativação dos autoanticorpos. Apó s 3(três) anos, realizou bió psia hepática de controle que demonstrou remissã o histoló gica. Atualmente em seguimento após 18 anos de transplante, permanece com terapia de manutenç ã o com tacrolimo, AZA 75 mg/dia e prednisona 5 mg/dia, com bom controle clí nico e bioquí mico. INTRODUÇÃOA hepatite autoimune (HAI) é uma doenç a hepá tica crônica imunomediada que envolve a interaç ã o de fatores gené ticos, imuno-ló gicos e ambientais. Afeta todas as idades e gê neros, porém é mais prevalente em mulheres jovens e pode estar associada a doenças au-toimunes e extra-hepáticas. As manifestaç ões clí nicas são variá veis, podendo apresentar-se desde formas assintomá ticas, até quadros de insu# ciê ncia hepá tica aguda ou doença crônica. A maioria dos pa-cientes tem apresentaç ã o clí nica inicial inespecí # ca com sintomas crô nicos como fadiga, mal-estar, artralgias ou amenorreia.A HAI é caracterizada por reatividade a autoanticorpos, hipergamaglobulinemia (IgG) e resposta ao tratamento com cor-ticoides e imunossupressores. O diagnóstico é feito mediante a combinação de achados clínicos, laboratoriais e histológicos, com exclusão de outras causas de doença hepática (Tabela 1). A biópsia hepática deve ser sempre realizada, principalmente em casos não clássicos, como HAI em homens ou na ausência de marcadores sorológicos (10% dos casos). Há dois tipos de HAI: o tipo 1 é caracterizado pela presen-ç a de anticorpos antinucleares (ANA) e/ou anticorpo antimúsculo liso (AML) e representa mais de 80% dos casos; o tipo 2 caracteri-za-se pela presenç a de anticorpos antimicrossoma de fí gado e rim tipo 1 (anti-LKM1), associada ou não à presença do anticitosol hepático tipo 1 (anti-LC1). O anticorpo antiantí geno hepá tico solú vel/fígago-pâncreas (anti-SLA/LP) é altamente especí# co para 185HAI (99%), podendo ser encontrado em associação aos tipos 1 (7%-22%) e 2 (menos frequente), auxiliando no diagnóstico dos casos sem marcadores.Tabela 1 – Escore revisado e adaptado para o diagnó stico de HAI (ERDHAI)* PARÂMETRO ESCORESexo feminino +2Razão do aumento LSN FA/AST ou ALT< 1,5 / 1,5-3 / > 3+ 2 / 0 / -2IgG acima do normal>2 / 1,5-2 / 1-1,5 / <1+3 / +2 / +1 / 0ANA / AML / AAMFR1>1:80 / 1:80 / 1:40 / <1:40 +3 / +2 / +1 / 0AMA positivo -4Sorologia HVA, HVB, HVCPositivo / Negativo-3 / +3Drogas hepatotóxicasPositivo / Negativo-4 / +1Consumo médio de álcool<25g/dia / >60g/dia+2 / -2Histologia hepáticaHepatite de interface / infi ltrado linfoplasmocitário / rosetas / nenhuma acima Alterações biliares ou outras patologias+3 / +1 / +1 / -5-3Outras doenças autoimunes +2Outros autoanticorpos (anti-SLA/LP, pANCA, AAA, anti-LC1)+2HLA-DR3, DR4, DR7 e DR13 +1Resposta à terapiaCompleta / Recidiva+2 / +3Fonte: (ALVAREZ,1999).Notas: Pré-tratamento: HAI de" nida > 15; HAI provável 10-15. Pós-tratamen-to: HAI de" nida > 17; HAI provável 12-17.As indicações clássicas para o tratamento da HAI incluem: AST 10 vezes acima do valor normal, ALT 5(cinco) vezes acima 186do valor normal associado a gamaglobulina 2(duas) vezes acima do valor normal, achados histológicos de hepatite de interface, necrose em ponte/multilobular, índice de atividade histológica maior ou igual a 4(quatro) e cirrose compensada com ativida-de inflamatória.O tratamento convencional consiste em PD em monotera-pia, na dose de 60mg/dia (1mg/kg/dia), ou na dose de 30mg/dia associada à AZA, inicialmente 50mg/dia e até 2mg/kg/dia após a redução da dose inicial de PD (Figura 1). O tratamento combi-nado associa-se à menor ocorrência de efeitos colaterais. O tempo mínimo de tratamento é de três anos ou pelo menos 24 meses depois da normalização bioquímica. Após a documentação de re-missão histológica, pode-se optar pela suspensão do tratamento, entretanto, a recidivaé de até 80%.Figura 1 – Esquema terapê utico proposto para HAI (HCFM-USP)Fonte: TERRABUIO, 2012.Alguns pacientes, apesar do tratamento, progridem para cirrose hepática descompensada com necessidade de TH. A HAI representa de 5% a 6% das indicações para TH na Europa e Amé-rica do Norte, respectivamente. Fatores preditivos de falha no tra-tamento e progressão da doença são idade jovem ao diagnóstico, apresentação aguda, alto nível de bilirrubina e MELD >12. Após o TH, a sobrevida entre 1(um) e 5(cinco) anos é cerca de 90% e 70%, respectivamente. 187DISCUSSÃOO caso apresentado ilustra a evolução da HAI, a despeito de tratamento, para cirrose descompensada e necessidade de TH; além de recidiva da HAI, mesmo após TH bem-sucedido e com imunossupressão otimizada. Pacie ntes com HAI que já demonstram um defeito na tole-rância imune a autoantígenos, estão predispostos a ter recorrência da doença após o TH. Pequenas séries demonstraram que a hepati-te autoimune recorrente (HAIr) pode levar a disfunção do enxerto, progressão para cirrose (13%) e retransplante (23%), justi/ cando medidas para um diagnóstico precoce e tratamento e/ caz.Os mecanismos patogênicos para HAI antes do TH são pro-vavelmente semelhantes aos que promovem HAIr, mas o enxer-to pode introduzir novos antígenos e células imunorreativas que provocam um enfraquecimento da tolerância imunológica. Além disso, a resposta imune pode ser modi/ cada pelo tratamento imu-nossupressor contínuo.Estabelecer a prevalência da HAIr é difícil, pois os sistemas de pontuação diagnóstica para HAI não foram validados para HAIr e diferentes grupos utilizam protocolos diversos para rea-lização de biópsia hepática. Além disso, a rejeição celular aguda e tardia desenvolvem-se mais frequentemente em receptores com HAI e isso pode confundir o diagnóstico clínico e histológico. A frequência da recidiva aumenta com o tempo, sendo estimada em cerca de 8% a 12% após 1(um) ano e 36% a 68% após 5(cinco) anos de TH. Os critérios diagnósticos para HAIr são os mesmos para a doença original (Tabela 1). Após o TH, algumas características podem ser atípicas ou ausentes, devido à imunossupressão. Os pa-cientes podem ser assintomáticos e o diagnóstico ser baseado em aminotransferases alteradas nos exames de rotina, como no caso 188relatado, onde a biópsia hepática foi fundamental para o diagnós-tico precoce. Nenhum dos achados histoló gicos é especí � co para HAI, mas os achados de hepatite de interface com cé lulas linfo-plasmocí ticas, emperipolese (linfócito dentro do citoplasma do hepatócito com deslocamento do núcleo) e rosetas de hepatócitos sã o considerados tí picos de HAI. Necrose con� uente e em ponte indicam atividade in� amatória grave.A HAIr deve sempre ser considerada como causa de disfun-ção do enxerto nestes pacientes, mas o diagnóstico requer a ex-clusão de outras causas, principalmente a rejeição celular. Devem ser excluídas hepatotoxicidade medicamentosa, hepatites virais e esteatohepatite. Algumas caracterí sticas histoló gicas classicamente vistas na rejeiç ã o, como endotelialite e dano ao ducto biliar, geral-mente estã o ausentes na HAIr.Alguns fatores de risco para HAIr após o TH foram pro-postos, mas permanecem não estabelecidos, como: doença ativa antes do TH, incompatibilidade HLA entre doador e receptor, episódios prévios de rejeição, imunossupressão inadequada e sus-pensão de corticoide. Meta-análises que avaliam a associação de baixa dose da imunossupressão ou retirada de corticoides com o risco de HAIr são inconclusivas. Estudo britânico demonstrou segurança do tra-tamento prolongado com corticoide (PD 5-10 mg/dia) com baixa incidência de HAIr. Outro estudo � nlandês, incluindo 42 pacien-tes, sugeriu um efeito protetor do tratamento com AZA ou mi-cofenolato em associação ao tacrolimo e PD contra a recorrência. No entanto, a suspensão da PD tem sido defendida para reduzir os riscos de infecção e efeitos colaterais, e a literatura sugere que, em alguns pacientes, o corticoide pode ser retirado com segurança. O tratamento da HAIr é empírico e depende da apresen-tação. Se o paciente é assintomático, com alterações mínimas em exames hepáticos ou histopatológico, pequenos ajustes que au-mentam a imunossupressão podem ser su� cientes.189Em nosso serviço, mantemos imunossupressão com tacroli-mo associado a micofenolato e dose baixa de PD (5 mg/dia), com vigilância de enzimas hepáticas e atenção para os efeitos adversos da corticoterapia prolongada. No caso de elevação de enzimas, a biópsia hepática é realizada. Se con� rmada a recorrência da HAI, trocamos o micofenolato pela AZA e realizamos tratamento com-binado com desmame progressivo da PD até 5 mg/dia.A perda do enxerto foi relatada em 13% a 50% dos pacien-tes com HAIr, sugerindo que a cirrose ocorre em alguns pacien-tes, apesar da terapia imunossupressora intensiva, e o retransplante pode ser necessário. Dados de estudo multicêntrico europeu que incluiu 2515 pacientes transplantados por HAI em 32 países mostrou que a sobrevida geral destes pacientes foi menor em comparação aos transplantados por colangite biliar primária e colangite esclerosan-te primária. Um total de 708 (28,2%) tiveram perda do enxerto, seguida de morte ou retransplante. As principais causas foram in-fecção (19,9%), seguida pela rejeição aguda ou crônica do enxerto e recidiva da doença primária. Neste estudo, a sobrevida foi redu-zida principalmente por infecções durante os primeiros 90 dias (29,5% dos óbitos) e mais de 5% dessas mortes foram atribuídas a infecções fúngicas, sugerindo que a prevenção de infecções bacte-rianas e fúngicas após o TH é fundamental. Embora não houvesse informações sobre a imunossupressão antes do TH, ela pode con-tribuir para o aumento do risco de infecções no período precoce. Portanto, a imunossupressão em pacientes com HAI candidatos ao TH deve ser feita com cautela.É importante ressaltar que as evidências para os tratamentos utilizados na HAIr são derivadas de estudos antigos, pequenas sé-ries em centro único, utilizando principalmente o regime padrão da HAI clássica. Seria fundamental estudo multicêntrico, com abordagem padronizada sobre diagnóstico e tratamento e que tam-190bém incluísse novos agentes imunossupressores e combinações. No futuro, biomarcadores especí� cos e uma melhor compreensão dos mecanismos imunológicos podem melhorar o diagnóstico e o manejo dessa patologia.REFERÊNCIAS ALVAREZ, F.; CIOCCA, M.; CAÑERO-VELASCO, C.; et al. Short-term cyclosporine induces a remission of autoimmune he-patitis in children. J. Hepatology, v.30, n.2, p.222-277, 1999.HEINEMANN, M.; ADAM, R.; BERENGUER, M.; et al. Longterm survival after liver transplantation for autoimmune hep-atitis: results from the European Liver Transplant Registry. Liver Transpl., v. 26, n.7, p. 866- 877, 2020.IBÁÑEZ-SAMANIEGO, L.; SALCEDO, M.; VAQUERO, J.; et al. De novo autoimmune hepatitis after liver transplantation. A focus on glutathione S-transferase theta1. Liver Transpl. n.1, p.75-85, 2017.KRISHNAMOORTHY, T.L.; MIEZYNSKA-KURTYCZ, J.; HODSON, J.; et al. Longterm corticosteroid use after liver trans-plantation for autoimmune hepatitis is safe and associated with a lower incidence of recurrent disease. 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Inicialmente, havia sido aventada a possibilidade de hepatectomia com derivação biliodigestiva, porém, nova colangiorressonância evidenciou comprometimento difuso do fígado. Nesse período, realizou colecistectomia e colangiopancreatogra' a endoscópica re-trógrada (CPER) com remoção de cálculos das vias biliares.Em dezembro de 2014, novo internamento com quadro de dor abdo-minal e febre acompanhada de calafrios, con' gurando o segundo episódio de colangite. Fez uso de antibioticoterapia com cipro5 o-xacino e metronidazol, além de CPER com aposição de prótese na via biliar. Em menos de 2(dois) meses, apresentou novo episódio de colangite, seguido ainda de um quarto episódio no mês subse-194quente. Iniciou acompanhamento no serviço de TH do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC) em 2015, quando colan-gioressonância evidenciou dilatação cística dos ramos periféricos da árvore biliar intra-hepática, com microlitíase biliar intra-hepática, além de pelo menos quatro cálculos no interior do terço médio/distal do ducto colédoco, de até 7mm cada. Entre 2015 e 2016, a paciente passou por várias internações devido a episódios repetidos de colangite, tendo sido submetida a sucessivas trocas das próteses biliares. Sem opção de terapêutica clínica, endoscópica ou cirúrgica efetiva, e mantendo escore MELD baixo (12), foi solicitada à Câma-ra Técnica Nacional, inclusão em � la de transplante hepático como situação especial devido à Doença de Caroli associada a colangites de repetição, que foi deferida. Paciente foi submetida a TH em ju-nho de 2016 necessitando de retransplante no sétimo dia de pós--operatório, devido à trombose da artéria hepática. Passados mais de 5(cinco) anos do TH, encontra-se estável, em uso de micofenolato e tacrolimo.Figura 1 – Colangiorressonância evidenciando dilatações saculares das vias biliares intra-hepáticas de distribuição difusa, porém, de forma mais acentuada em lobo direito195INTRODUÇÃOA doença de Caroli (DC) é uma condição hereditária rara, caracterizada por dilatação segmentar não obstrutiva de grandes ductos biliares intra-hepáticos, podendo ter envolvimento hepá-tico difuso ou localizado. O acometimento difuso, envolvendo ambos os lobos, é a forma mais comum de apresentação. Quando o comprometimento é unilobar, o lobo esquerdo é o mais frequen-temente acometido.O termo “doença de Caroli” é empregado ex-clusivamente diante do envolvimento das vias biliares de maneira isolada. Síndrome de Caroli refere-se à condição de dilatação cís-tica das vias biliares associada à * brose hepática periportal e hiper-tensão portal. A DC manifesta-se igualmente entre homens e mu-lheres, geralmente antes dos 30 anos de idade. É mais prevalente em pessoas de ascendência asiática. Sua incidência e prevalência não são bem de* nidas, com estimativa de cerca de 1 em 10.000 nascidos vivos.Caracteriza-se por ser uma doença autossômica recessiva, envolvendo mutação do gene PKHD1, que afeta a síntese da pro-teína * brocistina, resultando em alterações * brocísticas nos rins e no fígado. Desse modo, a DC é frequentemente associada com doença renal policística autossômica recessiva (ARPKD), rim es-ponjoso e doença cística medular. A alteração na proteína * brocis-tina promove mudanças na composição da bile e na proliferação celular, levando a formação das dilatações nas vias biliares, o que leva à estase biliar, podendo evoluir com litíase intra-hepática, obs-trução e colangites recorrentes. Os sintomas iniciais costumam ser de dor abdominal em hipocôndrio direito, febre e icterícia em decorrência de complica-ções como hepatolitíase e colangite. O abscesso hepático também pode coexistir. O colangiocarcinoma é a complicação mais temida, chegando a acometer até 5-10% dos casos.196Os exames laboratoriais podem apresentar sinais de coles-tase com elevação de fosfatase alcalina, gama glutamil transferase e bilirrubina total com predomínio da bilirrubina direta. A fun-ção hepática tende a ser preservada inicialmente, podendo haver comprometimento dela quando os pacientes evoluem para cirrose biliar secundária.A adequada avaliação por exames de imagem é fundamen-tal para o diagnóstico. A ultrassonogra� a (US) e a tomogra� a computadorizada (TC) mostram dilatações saculares dos ductos intra-hepáticos. A TC, mais frequentemente do que o US, mos-tra o "central dot sign", sinal considerado patognomônico de DC. Esse sinal traduz a imagem gerada pelos ramos � brovas-culares do trato portal no interior ou na periferia da dilatação biliar o que resulta numa imagem hipodensa ao redor de um ponto central brilhante hiperdenso. A colangioressonância, po-siciona-se como exame de primeira escolha para diagnóstico de DC. É acurado em detectar e classi� car as dilatações císticas não obstrutivas, bem como avaliar complicações como hepatolitíase e malignidade. Os cistos comunicam-se com a árvore biliar, dife-rentemente do que ocorre na doença policística hepática, um de seus diagnósticos diferenciais.A colangiopancreatogra� a endos-cópica retrógrada (CPER) é o exame de maior sensibilidade no diagnóstico da DC. Diante de seu caráter invasivo e equiparada à acurácia da colangioressonância, a CPER costuma ser reservada para quando há necessidade de intervenção. Histologicamente, a doença caracteriza-se por dilatação sa-cular ou cística do segmento dos ductos biliares intra-hepáticos, com as paredes dos ductos revestidas de epitélio biliar ulcerado.O tratamento é considerado de suporte, sendo voltado para as complicações. Nos casos de colangite secundária à obstrução, deve-se iniciar antibióticos com cobertura para gram-negativos e anaeróbios. Pode ser necessária a drenagem da via biliar, por meio de CPER. 197O ácido ursodesoxicólico pode ser usado na ausência de obstrução de vias biliares, para reduzir a colestase laboratorial e na tentativa de diminuir a formação de bile espessa e de cálculos intra-hepáticos. Alguns autores recomendam segmentectomia, lo-bectomia ou hepaticojejunostomia dependendo da localização e extensão das dilatações císticas.O transplante hepático é o único tratamento de� nitivo dis-ponível no momento para a doença de Caroli, sendo indicado se houver presença de descompensação hepática ou colangite recor-rente. A presença de colangiocarcinoma, a princípio, contraindica o TH. Não é raro, no entanto, o achado de pequenos adenocarci-nomas focais no explante, o que não necessariamente compromete a sobrevida do paciente.DISCUSSÃOColangite bacteriana é a complicação mais comum da DC e pode ser a apresentação clínica inicial de até 64% dos casos. Sua evolução costuma ser marcada pela ocorrência de episódios repe-tidos de colangite,numa frequência variável entre os pacientes, com risco de evolução para sepse e morte. Quando recorrentes, acarretam importante prejuízo à qualidade de vida dos pacientes, ainda em idade jovem, com consequente comprometimento do prognóstico a longo prazo. O diagnóstico da paciente em discussão se deu numa fase ainda assintomática, favorecida pelo seu histórico familiar. Entre-tanto, episódios frequentes de colangite marcaram sua evolução clínica, com múltiplas internações hospitalares e necessidade de antibioticoterapia endovenosa, bem como de intervenções endos-cópicas, com aposição de próteses.A presença de hepatolitíase pode predispor à estase biliar com aumento do risco de colangites. A remoção terapêutica de um cálculo impactado pode ser feita por meio de CPER, mediante 198realização de es� ncterotomia, varredura com balão, litotripsia ou colocação de endoprótese. As formas localizadas de acometimento da DC, cujo envol-vimento é unilobar, podem ser abordadas com tratamento cirúr-gico, mediante realização de hemi-hepatectomia. Ressalta-se que o risco de recorrência da doença no lobo hepático remanescente existe. Diante do comprometimento difuso das vias biliares intra--hepáticas da paciente em questão, essa modalidade cirúrgica não foi aplicada. O transplante hepático é a única opção terapêutica de� niti-va para pacientes com acometimento difuso do fígado. Os indiví-duos que desenvolvem cirrose biliar secundária, com consequente deterioração da função hepática e descompensação, e aqueles que evoluem com colangites de repetição, costumam ser as principais indicações a esse procedimento.Para serem contemplados com maior pontuação MELD na � la para TH, precisa ser caracterizada a situação especial por colan-gite de repetição, sendo necessários dois ou mais episódios decolan-gite,comprovados por internamentos e uso de antibióticos, dentro de um intervalo de seis meses; ou um episódio com complicações sépticas decorrentes de colangite bacteriana (abscesso hepático ou biliar, meningite bacteriana, endocardite bacteriana, osteomielite bacteriana) ou um episódio com hemocultura positiva para bactérias multirresistentes. Diante do baixo valor de MELD apresentado pela paciente aqui descrita, a utilização dos critérios de priorização para transplante foi determinante para seu prognóstico.R EFERÊNCIAS ANANTHAKRISHNAN, A.N, SAEIAN, K. Caroli’s disease: Identi� cation and treatment strategy.Curr. Gastroenterol. Rep. v.9, n.2, p.151-155.2007.199HARRING, T.R.; NGUYEN, M.D.; LIU, H.; et al. Caroli disease patients have excellent survival after liver transplant. J. Surg. Res., v.177, n.2, p.365-72, 2012.KERCKHOVE, L.; MEYER, M.; VERBAANDERT. C.; et al. ! e place of liver transplantation in Caroli’s disease and syndrome. Transpl. Int., v.19, n.5, p.381–388, 2006.MOSLIM, M.A.; GUNASEKARAN, G.; VOGT, D.; et al. Sur-gical Management of Caroli’s Disease: Single Center Experience and Review of the Literature. J. Gastrointest. Surg. v.19, n.11, p.2019-27. 2015.SILVA, A.E.B.; CANÇADO, E.L.R.; PORTA, G.; BIITEN-COURT, P.L.; (Org.). 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Gastroenterol, v.13, n.13, p. 1930-1933, 2007.200201CAPÍTULO 19POLINEUROPATIA AMILOIDÓTICA FAMILIAR (PAF) E TRANSPLANTE DOMINÓPaulo Ribeiro NóbregaDiego de Castro dos SantosCyntia Ferreira Gomes VianaJosé Huygens Parente GarciaCASO CLÍNICO 1Paciente masculino, 27 anos, grupo sanguíneo O, proceden-te de Alagoas, foi encaminhado ao Centro de Transplante de Fí-gado do Ceará (CTFC), com diagnóstico de PAF há 3(três) anos. Quadro clínico caracterizado por fraqueza muscular progressiva e parestesias nos membros inferiores, diarreia e perda de 12 Kg de peso em 3(três) anos. Diagnóstico con% rmado por pesquisa gené-tica evidenciando presença da mutação no gene da transtirretina (TTR) do tipo Val30Met (pVal30Met). Diabetes controlado com metformina. Seu irmão, também portador de PAF, foi transplanta-do de fígado no mesmo serviço. Exames de laboratório e ultrasso-nogra% a de abdome (US) sem anormalidades. Foi inscrito na lista de transplante de fígado como situação especial, recebendo escore MELD 20. Paciente concordou e assinou termo de doação do seu fígado nativo para outro receptor da lista única do Estado. Rece-beu um enxerto de doador de 29 anos, com morte encefálica pelo TCE. Transplantado pela técnica piggyback, com cuidados espe-ciais para preservação dos cotos vasculares do explante, que seriam utilizados em outro receptor. Pós-operatório sem intercorrências e 202imunossupressão (IMS) com prednisona, tacrolimo e micofenola-to sódico. No entanto, em acompanhamento ambulatorial, apre-sentou disfunção renal e ascite com necessidade de paracentese. Ressonância magnética (RM) de abdome compatível com estenose da anastomose da cava do enxerto com as veias hepáticas do recep-tor. Foi submetido a 2(duas) sessões de dilatação endovascular com balão, sem implante de prótese. Evolução com normalização da função renal e desaparecimento da ascite. Decorridos 11 anos do TH, segue vida funcional normal, sem parestesia, fraqueza mus-cular ou diarreia relevantes clinicamente; funções hepática e renal normais, diabetes controlado com insulina e IMS com tacrolimo e micofenolato sódico.CASO CLÍNICO 2Paciente masculino, 59 anos, grupo O, cirrose pelo vírus da hepatite C, genótipo 3, complicada por ascite, encefalopatia e um episódio de peritonite bacteriana espontânea. Classi! cado como Child C10 e MELD 18. US doppler com veia porta dilatada e sem trombos. Aceitou receber um enxerto PAF, com esclarecimento so-bre riscos e benefícios. Técnica do TH: hepatectomia total padrão com preservação da veia cava inferior. Na banca, o enxerto PAF foi perfundido com solução de preservação habitual; em seguida, um enxerto de veia cava com as veias ilíacas, retirado do doador falecido do transplante PAF, foi anastomosado com as veias hepá-ticas direita, média e esquerda (Foto 1). O implante do enxerto hepático ocorreu pela técnica padrão. Recebeu alta hospitalar no 10º dia, sem complicações.203 Foto 1 – Cirurgia na banca: enxerto em Y de VCI com as ilíacas com anastomose das veias hepáticasEm biópsias seriadas, apresentou importante esteatose hepá-tica, revertida após resposta viral sustentada ao tratamento do vírus C com sofosbuvir, daclastavir e ribavirina. Após 11 anos de TF com enxerto PAF, segue com enzimas e função hepática normais, em monoterapia com dose baixa de tacrolimo. Assintomático e sem sinais de recorrência da PAF, seja na avaliação clínica ou em exames complementares.204INTRODUÇÃOA Polineuropatia Amiloidótica Familiar (PAF) é um grupo de doenças que acometem os nervos periféricos (polineuropatia) através do depósito de amilóide. Trata-se de doença genética au-tossômica dominante com penetrância incompleta. Esse grupo de doenças é causado por mutações que acarretam alteração da estru-tura proteica e seu acúmulo, o qual ocorre na forma de um ma-terial amorfo denominado amiloide. A proteína mais comumente envolvida é a transtirretina (TTR). Raramente, outras proteínas podem se acumular como amiloide nos nervos periféricos, como a Apolipoproteína A1, Gelsolina e B2-microglobulina. Desse ponto em diante nos concentraremos na PAF relacionada a transtirretina(PAF-TTR). A PAF-TTR é uma polineuropatia de distribuição universal e acomete cerca de 1 em 5.000 indivíduos. A doença é mais prevalente em Portugal (“Doença dos Pezinhos”), Japão e Suécia, sendo o Brasil também uma área endêmica devido sua ori-gem lusitana. A doença acomete igualmente homens e mulheres e tem uma distribuição bimodal por volta dos 30 anos (early-onset) e após os 50 anos (late-onset). A história familiar pode passar des-percebida principalmente nos pacientes com início tardio em que os fatores confundidores da polineuropatia são mais prevalentes. A PAF-TTR é causada por uma mutação no gene da transtirretina. A transtirretina é uma proteína tetramérica carreadora de tiroxina (T4) e retinol. A mutação mais comumente encontrada no gene da transtirretina é a pVal50Met (anteriormente chamada de Val-30Met). Esta mutação está presente em cerca de 88% dos casos e é caracterizada pela substituição de um aminoácido Valina por um metionina na posição 50. Tanto a pVal50Met como as mais de 120 mutações responsáveis pela PAF-TTR desestabilizam a es-trutura quaternária da transtirretina, favorecendo a agregação dos monômeros em 9 brilas insolúveis ( brilas amiloide). O amiloide 205formado ocupa o espaço extracelular, distorce a arquitetura normal dos tecidos e favorece a apoptose celular, sendo as � bras nervosas periféricas e o miocárdio particularmente sensíveis a tal deposição. A análise histopatológica desses tecidos evidencia o material amor-fo visível pela coloração “vermelho do congo”, com fenômeno de birrefringência quando submetido a análise com luz polarizada. O depósito amilóide ocorre potencialmente em qualquer órgão. No entanto, os principais sítios são nervos periféricos (� bras � nas autonômicas), coração (sistema de condução), rins e humor vítreo, com sintomas associados, além de pele e tecido subcutâneo de for-ma assintomática. A grande maioria da produção de transtiretina se dá no fígado, cerca de 90%. O fígado em si, no entanto, não costuma sofrer consequências signi� cativas do depósito amiloide.Os sintomas costumam iniciar com a perda de � bras � nas por volta dos 30- 40 anos. A neuropatia é o principal sintoma e ca-racteriza-se por alteração de sensibilidade com hiperestesia em pés e por uma disfunção de � bras de � no calibre autonômicas, resultando em alterações da sudorese, hipotensão postural, alterações intestinais (diarreia e/ou constipação alternadas) e alterações urinárias (tardias e marcadoras de pior prognóstico), seguida pelo acometimento de � -bras de grosso calibre levando ao comprometimento motor. Formas de início tardio, após os 50 anos (late-onset), são relatadas e podem ter apresentação atípica, iniciando com distúrbio da marcha, síndro-me do túnel do carpo bilateral (achado que deve levantar a suspeita de PAF em pacientes com polineuropatia), muitas vezes sem as ma-nifestações autonômicas precedentes. Sintomas sistêmicos podem estar presentes em todas as formas e re" etem o depósito de amiloide em outros órgãos e tecidos, levando a opacidades vítreas, glaucoma, síndrome nefrótica, cardiomiopatia hipertró� ca e até dé� cits do sis-tema nervoso central.Polineuropatia apresenta-se como axonal na eletroneuro-miogra� a (ENMG) na maioria dos casos, mas em 10-20% dos 206casos pode ser desmielinizante, fazendo diagnóstico diferencial com polineuropatia desmielinizante in� amatória crônica (PDIC), o qual pode ser facilitado pela pouca resposta à terapia imunossu-pressora em casos de PAF. O diagnóstico pode ser complexo em fases iniciais, pois a ENMG típica avalia apenas as � bras de médio e grosso calibre, que são acometidas tardiamente, principalmente na faixa dos 30 anos. Para um diagnóstico precoce é necessária uma avaliação autonômica, com re� exo cutâneo simpático, teste de axônio sudomotor (re� exo cutâneo simpático), variabilidade do R-R no ECG ou biópsia de pele com contagem de � bras � nas. A con� rmação pode ser feita por biópsia de pele e subcutâneo com coloração vermelho-congo ou nos casos de uma polineuropatia com história familiar o diagnóstico pode ser estabelecido com a pesquisa do gene TTR mutado.A doença é dividida clinicamente em 3(três) estágios. No estágio I, o paciente deambula sem apoio; no estágio II, já neces-sita de apoio para deambular e no estágio III, está cadeirante ou acamado. A divisão em estágios é fundamental para avaliar prog-nóstico e de� nir conduta terapêutica. A mediana de sobrevida sem tratamento após o diagnóstico da neuropatia é de 11 anos. Em pacientes com PAF, embora todas as células possuam o gene TTR mutado, a grande expressão gênica (produção da prote-ína) é hepática. Assim, a retirada do fígado reduz em quase 90% a transtiretina sérica. Baseado nesse princípio, o primeiro tratamen-to desenvolvido para a PAF ocorreu na década de 1990 por meio do TH. Como o fígado dos pacientes com PAF apresenta pouco depósito de TTR e é funcional, o transplante pode ser feito em “dominó” (o fígado do paciente com PAF é doado para um pa-ciente com insu� ciência hepática de outra etiologia). Em média, a transtirretina mutada leva em torno de 30 anos para se acumular a ponto de gerar sintomas, o que daria uma sobrevida excelente para o receptor do fígado de um portador de PAF. O transplante 207é melhor indicado para pacientes jovens (<50 anos), com pouco tempo de doença (<10 anos), menos comprometidos (estágio I, no máximo estágio II) e com pouca disautonomia, pouca miocardio-patia, além de estado nutricional preservado. Uma segunda forma de tratamento é tentar estabilizar a estrutura quaternária (espacial) dos tetrâmeros da transtirretina, evitando assim sua deposição. Nesse grupo, a droga mais utilizada é o Tafamidis , que liga no centro estabilizando as duas metades do tetrâmero. A medicação mostrou melhora da qualidade de vida com boa tolerância, mas apenas 30% dos pacientes responderam a longo prazo, com efeitos menos intensos em pacientes idosos. Está indicada apenas para pacientes no estágio I, de preferência com sintomas leves.A grande revolução na terapia da PAF é a terapia genética de inibição da expressão gênica (não afeta a estrutura do DNA, portanto, não é terapia gênica) com o Patisiran (Onpattro ) e Ino-tersen (Tegsedi ). O Patisiran utiliza um mecanismo de RNA de interferência silenciador, consistindo em uma molécula que se liga ao RNA mensageiro responsável pela produção da TTR e leva as-sim a sua degradação, evitando a produção da proteína. Patisiran mostrou melhora da qualidade de vida e das escalas de neuropatia em mais de 50% dos pacientes, incluindo idosos e casos mais avan-çados. Está indicado em pacientes no estágio I e II. O Inotersen é um oligonucleotídeo antisense (OSA) que também se liga no RNAm, no caso no núcleo, e leva a sua degradação. Os resultados clínicos foram bem semelhantes ao Partiram, que está indicado para estágio I e II. Apresenta um risco de plaquetopenia, inclusive com eventos hemorrágicos que devem ser monitorizados. Em resumo, a PAF é uma doença genética grave, progressi-va e tratável. O arsenal terapêutico tem se ampliado recentemen-te, com drogas cada vez mais e$ cazes, mas o TH continua sendo uma terapêutica extremamente e$ caz e com per$ l de segurança 208razoável, principalmente em pacientes jovens e com manifestações clínicas iniciais. O objetivo do TH é prevenir o avanço da doença e novas complicações, mas os danos já instalados podem não ser revertidos, havendo relatos inclusive de alguns casos de progressão mesmo após o TH.DISCUSSÃOA utilização do explante PAF em outro receptor com doen-ça hepática estabelecida, o transplante dominó, tem a vantagem de aumentar o pool de enxertos com um fígado anatômica e fun-cionalmente normal, permitir um baixo tempo de isquemia e a perspectiva de um longo tempo de latência até o desenvolvimentode PAF no receptor. Na legislação brasileira, são aceitos receptores acima de 40 anos de idade. No protocolo do CTFC, o receptor de enxerto PAF precisa ter idade superior a 55 anos e não apresentar trombose portal.A maior di# culdade é a reconstrução da drenagem através das veias hepáticas. Serviços europeus, como o Hospital Universi-tario de Bellvitge na Espanha, publicaram uma série de 39 trans-plantes dominó: os 22 casos iniciais foram realizados pela técnica clássica com circulação extracorpórea (CEC); no entanto, os úl-timos 17 casos foram transplantados por duplo piggyback. Atual-mente, o duplo piggyback é a técnica padrão para o TH dominó, evitando CEC e mantendo a estabilidade hemodinâmica. Como as veias hepáticas direita, média e esquerda # cam curtas no en-xerto PAF, há necessidade de reconstrução vascular na banca. Há várias opções, incluindo prótese sintética, mas enxertos do doador falecido são os mais utilizados, como a cava com bifurcação das ilíacas, veia porta em Y e aorta. Nos 8(oito) casos de transplante dominó realizados no CTFC, optamos pelo enxerto de veia cava com as ilíacas (Figura 1). O receptor de enxerto PAF evoluiu sem complicações relacionadas à técnica cirúrgica. No entanto, o pa-209ciente portador de PAF, que recebeu enxerto de doador falecido, evoluiu com ascite secundária a estenose da anastomose cava-caval término lateral. É possível que os cotos das veias hepáticas direita e esquerda/média tenham � cado curtos e di� cultado a anastomose. Nessa situação, poderíamos ter optado por uma anastomose caval látero-lateral. Essa complicação foi tratada, com sucesso e em de� -nitivo, por dilatação percutânea transjugular.A despeito do domínio da técnica e dos excelentes resultados imediatos para o receptor do enxerto PAF, têm sido descritos apa-recimento de sintomas de neuropatia em apenas 6 anos pós TH e a detecção de depósitos amiloides em até 2(dois) ou 3(três) anos em pacientes sem sintomas. Os receptores de fígado PAF, portan-to, devem entrar em programa de vigilância neuro e cardiológi-ca. Uma vez detectados sinais iniciais de PAF, deve-se avaliar a instituição de terapêutica farmacológica e, até mesmo, considerar retransplante precoce com enxerto não PAF.RE FERÊNCIAS CARVALHO, A.; ROCHA, A.; LOBATO, L.; Liver transplan-tation in transthyretin amyloidosis: Issues and challenges. Liver Transpl., v. 21, p. 282-292, 2015.DE LA SERNA, S.; LLADO, L.; RAMOS, E.; et al. Technical options for out! ow reconstruction in domino liver transplanta-tion: a single European Center Experience. Liver Transpl., v.21, p.1051-1055, 2015.ERICZON, B.G.; WILCZEK, H.E.; LARSSON, M.; et al. Liver transplantation for hereditary transthyretin amyloidosis: after 20 years still the best therapeutic alternative? Transplantation., v. 99, p.1847-1854, 2015.GARCIA, J.H.P.; VASCONCELOS, J.B.M.; COSTA, P.E.G.; et al. Domino liver transplantation with double piggyback: is this 210the best technique? 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Evoluiu com piora progressiva, associando-se à adinamia, regurgitação, hiporexia e importante distensão abdominal que têm limitado suas atividades diárias, im-pactando na qualidade de vida. Foi encaminhada ao serviço para avaliação de transplante hepático (TH) por síndrome comparti-mental. Ao exame físico, apresentava abdome globoso, muito dis-tendido e doloroso à palpação, com massa ocupando epigástrio, hipocôndrios e se estendendo até a pelve. Exames laboratoriais mostravam Hb 11,9 g/dL; plaquetas 159.000/uL; bilirrubinas 0,65 mg/dl; albumina 4,0 g/dl; creatinina 0,8 mg/dL; sódio 136mEq/dL; escore MELD 8. A ultrassonogra7 a abdominal mostrou fí-gado de dimensões acentuadamente aumentadas, com múltiplos cistos simples e dilatação das vias biliares, além de rins aumenta-dos e policísticos. Tomogra7 a Computadorizada (TC) de abdome evidenciou múltiplos cistos, sem realce pelo contraste, ocupando quase totalidade do parênquima hepático (Fotos 1 e 2), além de múltiplos cistos renais de características semelhantes.212Foto 1 – Tomogra� a Computadorizada com múltiplos cistos hepáticos e renaisFoto 2 – Tomogra� a Computadorizada com múltiplos cistos hepáticos e renais213Após avaliação da equipe de TH, devido ao extenso compro-metimento do parênquima hepático pelas lesões císticas e quadro clínico de importante redução na qualidade de vida por síndrome compartimental, o caso foi enviado para Câmara Técnica Estadual, com aprovação para situação em especial com MELD 20. O TH foi realizado com enxerto de doador falecido de 69 anos. Hepa-tectomia total com preservação de veia cava inferior (técnica de piggyback) e implante do enxerto pela técnica padrão, com tem-pos de cirurgia de 3,40 horas, de isquemia fria de 5,57 horas e de isquemia quente de 24 minutos, sem necessidade de transfusões (Fotos 3 a 5). Pós-operatório evoluiu sem intercorrências, receben-do alta no 6º PO. Paciente segue em acompanhamento após mais 4(quatro) anos de TH, em monoterapia com tacrolimo, mantendo função hepática e renal normais e excelente qualidade de vida.Foto 3 – Explante pesando 5,85 Kg evidenciando a presença de múltiplos cistos214Foto 4 – Explante pesando 5,85 Kg evidenciando a presença de múltiplos cistosFoto 5 – Enxerto com excelente perfusão215INTRODUÇÃOA doença hepática policística (DHP) é uma afecção genética rara, caracterizada pelo surgimento de múltiplos cistos no parênqui-ma hepático de forma isolada ou associada a cistos renais (doença renal policística autossômica dominante ou recessiva) (Quadro 1). A maioria dos pacientes é inicialmente assintomática, evo-luindo com sintomas relacionados à hepatomegalia, como dor, saciedade precoce, distensão abdominal, anorexia, re/ uxo gastroe-sofágico e dispneia. A restrição alimentar pode levar à desnutrição grave, cuja identi0 cação tende a ser atrasada pelo fato da perda de peso ser mascarada pela distensão abdominal. Além disso, em casos avançados, a hepatomegalia pode levar à obstrução do / u-xo venoso por efeito de massa, resultando em hipertensão portal (35% dos casos), ascite, hemorragia varicosa e/ou esplenomegalia. Embora a doença renal policística possa levar à insu0 ciência renal devido a destruição do parênquima renal, na DHP geralmente não ocorre insu0 ciência hepática mesmo em estágios avançados. Quadro 1 - Principais formas da doença hepática policísticaDoença Mutação dos genes Envolvimento renalDoença renal poli-cística autossômica dominantePKD1, PKD2, GANAB (<1%)SimDoença renal poli-cística autossômica recessivaPKHD1 SimDoença hepática policística isoladaPRKCSH, SEC63, LRP5, GANAB, ALG8, SEC61B, PKHD1Em geral, nãoFonte: ZHANG et al, 2020.Os principais fatores de risco para desenvolvimento e pro-gressão dos cistos são idade (35-45 anos), sexo feminino, fontes 216de estrogênio exógenoe multiparidade. Os cistos raramente estão presentes durante a infância e, geralmente, surgem a partir dos 20 anos. Frequentemente, não há alteração nos testes de função hepá-tica, mas os níveis de enzimas hepáticas e bilirrubina total podem estar elevados em casos avançados. O diagnóstico é feito por meio de exames de imagem, como US e TC de abdome. A ressonância magnética (RM) é indicada em caso de queixas álgicas, para iden-ti" car hemorragia intracística. Um número superior a 20 cistos é o critério padrão para diagnóstico ou quando o número de cistos for maior que 4(quatro) em um paciente com histórico familiar de DHP. Apesar de diferentes genes envolvidos no mecanismo " sio-patológico da DHP (Quadro 1), a progressão clínica geralmente é semelhante, independentemente do tipo. A classi" cação de Gigot (Quadro 2) é a mais utilizada para avaliação de DHP, levando em consideração o número de cistos, o tamanho e a área remanescente de parênquima hepático. A clas-si" cação de Scnelldorfer (Quadro 3) é mais complexa e abrange a presença de sintomas e o envolvimento venoso, sendo utilizada principalmente para avaliar propostas cirúrgicas (fenestração, he-patectomia parcial ou transplante).Quadro 2 – Classi! cação de GigotNúmero de cistosTamanho dos cistosÁrea remanescen-te de parênquima hepáticoGigot tipo I <10 Grande (>10 cm) GrandeGigot tipo II Múltiplos Pequeno ou médio GrandeGigot tipo III Múltiplos Pequeno ou médio PequenaFonte: ABU-WASEL et al, 2013.217Quadro 3 – Classi� cação de SchnelldorferTipo A Tipo B Tipo C Tipo DSintomasAusente ou leveModerado ou graveGrave (ou moderado)Grave (ou moderado)Número e tamanho dos cistosPoucosPoucos, mas de grande tamanhoPoucos e de peque-no tama-nhoPoucos a numerososNúmero de segmentos preservados>3 seg-mentos≥2 segmentos ≥1 seg-mento<1 segmen-toOclusão da VP ou VH nos segmentos preservadosModerada Ausente Ausente PresenteTratamento recomendadoObser-vação ou tratamento medica-mentosoFenestração dos cistosHepa-tectomia parcial com possível fe-nestração de cistos remanes-centesTransplante hepáticoFonte: AUSSILHOU et al, 2018.As principais complicações dos cistos são hemorragia e infecção. A hemorragia intracística ocorre em 10% a 30% dos casos, principalmente em cistos grandes, e os sintomas envolvem dor súbita em região subcostal direita que desaparece após alguns dias, sem febre ou alterações laboratoriais. Na RM, é possível identi) car um sinal hiperintenso em T1 no cisto com uma in-terface ou nível líquido/líquido. A infecção dos cistos hepáticos é mais rara, ocorrendo em menos de 10% dos casos. As mani-festações clínicas incluem dor e febre associadas à elevação dos níveis de PCR e espessamento da parede dos cistos no exame de imagem, desde que seja comprovada a ausência de hemorra-gia intracística pela RM. A TC possui baixa sensibilidade para o 218diagnóstico de infecção e o PET FDG é o exame preferível para a localização exata do processo infeccioso.A intervenção médica na DHP está indicada quando há sintomas e/ou complicações relacionadas aos cistos e ao volume hepático. Portanto, em pacientes assintomáticos é recomendado apenas o acompanhamento, não sendo necessário nenhum trata-mento especí� co. DISCUSSÃOA DHP possui ampla variação de apresentação clínica. A maio-ria dos pacientes são assintomáticos e sem complicações importantes. Nos casos sintomáticos, as principais manifestações estão relacionadas a fenômenos compressivos e o impacto na qualidade de vida, devido a distensão abdominal e limitação das atividades diárias.Neijenhuis et al, em uma série de casos recentes, avaliou os sintomas e o impacto do volume hepático na qualidade de vida de 83 pacientes com diagnóstico de DHP por meio dos questionários PLD-Q e SF-36, respectivamente. Os pacientes foram classi� ca-dos com base no volume do fígado corrigido pela altura em doença leve (<1600 ml), moderada (1600-3200 ml) e grave (>3200 ml). O estudo mostrou que pacientes com maior volume apresentaram maior carga de sintomas (plenitude, distensão abdominal, disp-neia, diminuição do apetite, náuseas) (p<0,001), com exceção da dor abdominal (p=0,088). A qualidade de vida avaliada por meio de escores do componente físico foram signi� cativamente menores em pacientes com doença moderada (p=0,007) e grave (p<0,001) em comparação com a população geral.O tratamento da DHP faz-se necessário nos casos sintomáti-cos e varia de acordo com os sintomas e extensão do comprometi-mento hepático. Por ser uma doença benigna, que não evolui para insu� ciência hepática, é fundamental a avaliação especializada na indicação de cada terapia.219O tratamento medicamentoso está, atualmente, baseado no uso de análogos de somatostatina (octreotide e lanreotide), capazes de inibir o crescimento dos cistos por meio da interação com recep-tores da somatostatina, presentes na superfície da parede do cisto, reduzindo os níveis de AMPc do epitélio do ducto biliar. Contudo, revisão sistemática recente mostrou que embora o uso de análogos da somatostatina reduzam o volume hepático, a melhora da quali-dade de vida e alívio dos sintomas eram limitados, além da recidiva frequente, ou mesmo efeito rebote, após a suspensão da droga. Uma opção terapêutica é a punção e aspiração de cistos vo-lumosos seguido de injeção de substâncias esclerosantes, principal-mente em pacientes com cisto único gigante, como Gigot tipo I. Os agentes esclerosantes mais usados são etanol, oleato de etano-lamina e minociclina. Apesar da redução dos sintomas e remissão parcial do volume dos cistos, as taxas de recidiva em pacientes com DHP são altas. Além disso, a maioria dos pacientes com DHP possuem múltiplos cistos, inviabilizando o uso dessa técnica.A fenestração de cisto hepático por laparoscopia é um mé-todo e� caz para redução do volume hepático em determinados casos, especialmente em Gigot tipo I-II ou Schenelldorfer tipo B. Essa técnica tem a limitação relacionada ao tamanho e quantidade de cistos, pois a maioria são múltiplos e pequenos, inviabilizando esse procedimento. As hepatectomias segmentares são uma alternativa quando o segmento hepático responsável pelo aumento do volume hepático for passível de ressecção. A limitação desse método está relacionada à morbidade da ressecção maior, associada a recorrência nos seg-mentos hepáticos remanescentes. O TH é a única opção terapêutica de� nitiva, com excelen-te alívio dos sintomas a curto e longo prazo, entretanto, deve-se ponderar a indicação, pois, em geral, são pacientes com função he-pática normal. O TH é um procedimento de morbi-mortalidade 220considerável, além da necessidade de imunossupressão por tempo indeterminado com suas consequências. A indicação do TH, geralmente, decorre da síndrome com-partimental abdominal, causada pelo grande volume hepático por cistos disseminados no parênquima, provocando extrema perda de qualidade de vida aos doentes. O caso que se encaixa nesses critérios é encaminhado para avaliação da Câmara Técni-ca Estadual de Transplantes, após ampla discussão com a equi-pe multidisciplinar e exposição detalhada dos riscos e benefícios para o paciente e familiares. Caso aprovado, o paciente é listado para TH como situação especial com MELD 20, escore seme-lhante ao do carcinoma hepatocelular.Em pacientes com hepatomegalia muito sintomática e in-su� ciência renal crônica, o transplante combinado fígado-rim, a partir do mesmo doador falecido, é a melhor opção terapêutica. Uma importante vantagem do transplante combinado é a maior tolerância imunológica do rim quando comparado com o trans-plante de rim isolado. As maiores séries publicadas de TH (combinado ou não ao transplante renal) em pacientes com DHP variam de 42 a 271 transplantes. As taxasde mortalidade precoce variaram de 7% a 17%. As principais complicações no pós-operatório são decorren-tes de sepse e complicações vasculares. O prognóstico a curto prazo é semelhante ao transplante por outras causas e chega a ser superior a longo prazo. A sobrevida em 1(um) a 3(três) anos é de 93% e 92%, em pacientes com TH isolado e 86% e 80% em pacientes com transplante combinado fígado-rim. No nosso serviço, realizamos 8 TH por DHP, com 100% de sucesso, correspondendo a 0,25% das indicações de TH. Todos os pacientes eram do sexo feminino, com média de idade de 51,3 anos. Em 20% dos casos, o transplante combinado fígado-rim foi realizado. Apenas uma paciente faleceu tardiamente após o TH, 221devido a um câncer de mama. Todas as pacientes estão em acom-panhamento e extremamente satisfeitas com o resultado do TH. REFERÊNCIAS ABU-WASEL, B.; WALSH, C.; KEOUGH. V.; et al. Pathophysi-ology, epidemiology, classi! cation and treatment options for poly-cystic liver diseases. World J. Gastroenterol. v.19, n.35, p.5775-86. 2013.ALSAGER. M.; NEONG, S.F.; GANDHI, R.; et al. Liver trans-plantation in adult polycystic liver disease: " e Ontario experi-ence. BMC Gastroenterol. v.21, n.1, p.115, 2021.AUSSILHOU, B.; DOKMAK, S.; DONDERO, F.; et al. Treat-ment of polycystic liver disease. Update on the management. J. Visc. Surg. v.155, n.6, p. 471-481. 2018.CNOSSEN, W.R.; DRENTH, J.P.; Polycystic liver disease: an overview of pathogenesis, clinical manifestations and manage-ment. Orphanet J. Rare Dis. p.69, 2014.DING, F.; TANG, H.; ZHAO, H.; et al. Long-term results of liver transplantation for polycystic liver disease: Single-center experi-ence in China. Exp. ! er Med., v.17, n.5, p.4183-4189. 2019.GEVERS, T.J.; DRENTH, J.P.; Diagnosis and management of polycystic liver disease. Nat Rev Gastroenterol Hepatol. v.10, n.2, p.101-8. 2013.NEIJENHUIS, M.K.; KIEVIT, W.; VERHEESEN S.M; et al. Impact of liver volume on polycystic liver disease-related symp-toms and quality of life. United European Gastroenterol J., v.6, n.1, p.81-88, 2018.VAN AERTS, R.M.M.;, VAN DE LAARSCHOT, L.F.M.; BA-NALES, J.M.; Clinical management of polycystic liver disease. J. Hepatol. v.68,n.4, p. 827-837. 2018.222223CAPÍTULO 21HEMANGIOENDOTELIOMAAmaury de Castro e Silva FilhoVitor Teixeira HolandaKevyn Alisson Nascimento GurgelCASO CLÍNICOPaciente do sexo feminino, 37 anos, apresentava desde 2016, quadro de dor abdominal, principalmente em ! anco direito, que melhorava com analgésicos. Nega comorbidades prévias, bem como etilismo ou tabagismo. Apresentava bom estado geral com abdome plano, doloroso à percussão em ! anco direito, sem dor à descompressão ou visceromegalias. A tomogra% a computadorizada (TC) de abdome no início do quadro, evidenciou 3(três) nódulos hepáticos com características de hemangioma, o maior medindo 3 cm. No entanto, em abril de 2020, após exacerbação da dor em ! anco direito, ultrassonogra% a (US) de abdome evidenciou múlti-plos nódulos hepáticos iso-hipoecogênicos, com % no halo hipoe-cóico, e bem delimitados, o maior deles com focos de calci% cação grosseira, com aparente extensão capsular (Foto 1).224 Foto 1 – Múltiplos nódulos hepáticos iso-hipoecogênicos ao US de abdome Ressonância magnética (RM) do abdome superior evidenciou lesões hepáticas múltiplas de aspecto heterogêneo, com captação pelo meio de contraste, algumas determinando retração capsular, sugestivas de lesões secundárias. Endoscopia digestiva alta e colonos-copia, para pesquisa de possível sítio primário, foram normais. TC de tórax e cintilogra0 a óssea sem doença a distância. Em seguida, foi indicada biópsia hepática percutânea guiada por TC, cujo histo-patológico evidenciou neoplasia maligna indiferenciada. O estudo imunohistoquímico demonstrou expressão signi0 cativa de CD31, C34 e Fator VIII, indicando um tipo endotelial de neoplasia, com-patível com hemangioendotelioma epitelióide (Foto 2).225 Foto 2 – Expressão do marcador CD34 na imunohistoquímicaCom diagnóstico de hemangioendotelioma irressecável, res-trito ao fígado, o referido caso foi submetido à Câmara Técnica Es-tadual de Transplante de Fígado, sendo deferida situação especial, com MELD 20, de acordo com a legislação vigente. Em abril de 2021, paciente foi transplantada com enxerto de doador falecido, pela técnica clássica, com ressecção de veia cava inferior, devido ao amplo envolvimento tumoral do fígado nativo, sem intercorrên-cias (Foto 3). Encontra-se em acompanhamento ambulatorial, em uso de tacrolimo, e com exames dentro da normalidade.226Foto 3 – Explante hepático, com doença multinodularINTRODUÇÃOO hemangioendotelioma epitelióide (HEH) é um tipo raro de neoplasia de origem vascular, descoberto na década de 1980, com frequência na população geral inferior a 1(um) a cada 1 (um) milhão de indivíduos, acometendo mais comumente mulheres na 3ª e 4ª décadas de vida, em diversos sítios (fígado, pulmões, ossos, ovários, próstata etc.). Histologicamente é composto por células de origem endotelial, corando-se na imunohistoquímica por marca-dores vasculares, como CD34, CD31 e fator VIII.O curso clínico do HEH é bastante variado, podendo com-portar-se como um simples hemangioma ou até manifestar-se de forma mais agressiva. Apesar de indolente, há uma baixa sobrevida 227a longo prazo, de 5% em 5 anos. Cerca de 25% dos pacientes são assintomáticos e, quando sintomáticos, apresentam sintomas va-gos e variados, como náuseas e perda ponderal, sendo as queixas abdominais as mais comuns, como dor ou desconforto abdominal. Há casos descritos de evolução para insu� ciência hepática. Nos exames de laboratório, as enzimas canaliculares são as mais comu-mente alteradas.Na TC de abdome, manifesta-se comumente como lesões multifocais, bem delimitadas, de baixa densidade, com enchimento centrípeto do contraste na fase arterial e aparência homogênea nas fases portal e tardia. Na RM, dois achados comuns: um anel hiper-captante externamente enquanto o centro apresenta-se com hipos-sinal e um anel externo hipocaptante com um centro em hipersinal. PET CT pode ser útil no estadiamento da doença, pois estas células de origem endotelial apresentam captação para fator VIII, CD31 e CD34. As metástases são reportadas em até 27% dos pacientes, e são mais comuns nos pulmões.O diagnóstico de HEH é suspeito por achados clínicos e ra-diológicos, porém, a biópsia com estudo anatomopatológico é es-sencial. Os achados típicos são presença de células do tipo epitelial ou dendrítica, com citoplasma apresentando eosino� lia, além da presença de CD31, CD34 ou fator VIII na imuno-histoquímica.A ressecção, quando tecnicamente possível, é o principal tra-tamento, independentemente da doença extra-hepática. Porém, o HEH comumente é multifocal. Frequentemente, não é possível a ressecção curativa e a paliativa deve ser evitada, pois há um com-portamento agressivo dos nódulos hepáticos restantes após hepa-tectomia parcial, provavelmente por causa do estímulo da regene-ração hepática.Regimes de quimioterapia e imunoterapia também podem ser empregados, como Apatinibe e Sorafenibe, porém, com baixa efetividade na sobrevida a longo prazo.228DISCUSSÃOO HEH, por ser uma neoplasia maligna rara, de reconhe-cimento relativamente recente (~40 anos) e que se apresenta com sintomas vagos em pacientes jovens e sem comorbidades, tem seu rastreio limitado. O próprio diagnóstico, frequentemente, é realizado de forma incidental em exames de imagem. É comum ainda se apresentar com diagnósticos imprecisos ou rotulados como outras neoplasias hepáticas como hemangioma, colangio-carcinoma ou até mesmo implantes secundários, como visto no caso clínico apresentado.A demora para de& nição diagnóstica e programação para o melhor tratamento, que seria aressecção, é inviabilizada por apre-sentarem-se em estágios avançados no momento do diagnóstico. Nesse contexto, o transplante hepático (TH) para aqueles pacien-tes com doença irressecável, porém sem doença metastática, se tor-na um tratamento com boa sobrevida a longo prazo.O transplante hepático permanece como o tratamento mais utilizado para o HEH e oferece a melhor sobrevida na doença mul-tifocal. Nos Estados Unidos da América, assim como no Brasil, o HEH é uma indicação prevista de situação especial para inclusão na & la de TH. Em um estudo da Universidade da Pensilvânia, com 88 casos de TH por HEH, o escore MELD calculado inicial dos pacientes listados variava entre 6 – 9, e a albumina sérica entre 3,4 – 4,3 g/dL, o que demonstra a necessidade de um escore “arti& cial” para esses pacientes. Nesse mesmo estudo, a sobrevida pós-TH em 1, 3 e 5 anos foi, respectivamente, de 88,6%, 78,9% e 77,2%.Devido ao comportamento biológico imprevisível do HEH, um ponto bastante discutido é o momento correto para o TH. Na Europa, estudos sugerem que o tempo de espera em & la de transplante inferior a 120 dias, estaria associado a pior prognósti-co, já que um tempo menor em & la não permite a observação do 229comportamento biológico do tumor. Além disso, outros pontos ainda estão pouco esclarecidos, como a associação de tratamen-tos neoadjuvantes e a ressecção de metástase em órgãos adjacentes como o pulmão.Portanto, essa patologia rara, de descoberta recente e pouco difundida, precisa estar mais presente nas hipóteses diagnósticas dos pacientes jovens e é necessária agilidade no encaminhamento para centros de referência para o tratamento mais adequado, pois há uma diferença signi� cativa na sobrevida a longo prazo se o tra-tamento cirúrgico (ressecção ou transplante) for bem-sucedido.REF ERÊNCIAS AMER, A.; WILSON, C.H.; MANAS, D.M.; Liver transplanta-tion for unresectable malignancies: Beyond hepatocellular carci-noma.Euro J Surg Oncol. v.45, n.12, p.2268-2278, 2019.BIOULAC-SAGE, P; LAUMONIER, H.; LAURENT, C.; et al. and malignant vascular tumors of the liver in adults. 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A tomogra$ a computadorizada abdominal evidenciou a presença de múltiplas metástases hepáticas com lesões heterogêneas de limi-tes mal de$ nidos, sendo a maior no segmento I/V medindo cerca de 9,9 x 9,8 cm. Devido à di$ culdade inicial de acesso a análogo da somatostatina, realizou tratamento com interferon, interrom-pido devido a toxicidade. Em seguida, após a disponibilização do medicamento, manteve-se com o uso mensal de octreotida-LAR. Evoluiu com síndrome compartimental, desnutrição importante (status 4; IMC 18,6), dispneia progressiva e ascite grave (paracen-teses de alívio a cada 10 dias), sem pletora facial. Exames labora-toriais evidenciaram MELD 9 e 5-HIAA urinário normal (4,58 mg/24h, para valor de referência: 2-8 mg/24h). Ecocardiograma sem alterações signi$ cativas. Os achados clínicos, ecocardiográ-232� cos e a dosagem normal de 5-HIAA permitiram descartar, no momento da avaliação, síndrome carcinoide. Foi realizado Octre-oscan que mostrou captação restrita às lesões hepáticas. Devido ao diagnóstico de metástase de tumor neuroendócrino não res-secável e restrito ao fígado, o caso foi enviado para avaliação da Câmara Técnica Nacional e aprovado como situação especial para transplante hepático (TH), sendo atribuído MELD 20. Recebeu enxerto de doador falecido de 43 anos de idade, sem intercorrên-cias (Fotos 1 e 2). Realizada ressecção de veia cava inferior pelo envolvimento do caudado, tempo cirúrgico de 5,3 horas, isquemia fria de 7,26 horas e isquemia quente de 29 minutos, com uso de hemoderivados (2 concentrados de hemácias, 2 PFC, 6 crio). Ex-ploração meticulosa da cavidade abdominal, incluindo intestino delgado, não evidenciou qualquer possível tumor primário. Rece-beu alta no 15º PO. O anatomopatológico do explante con� rmou o diagnóstico prévio de tumor neuroendócrino. Passados mais de 2 anos do TH, a paciente segue clinicamente assintomática, com enzimas hepáticas normais e excelente qualidade de vida. Aumen-to importante do peso, agora IMC: 24,9.Foto 1 – Fígado com múltiplos nódulos hepáticos233Foto 2 – Enxerto hepático, imediatamente após a reperfusãoINTRODUÇÃOOs tumores neuroendócrinos (TNE) possuem origem nas células neuroendócrinas, ocorrendo em praticamente qualquer órgão, sendo mais frequente no trato respiratório e gastrointes-tinal. Possuem comportamento variável, desde neoplasias bem diferenciadas, localizadas e indolentes, até carcinomas pouco dife-renciados, metastáticos e com altas taxas de proliferação. Embora a maioria dos TNE apresentem um comportamento indolente, até 20% dos casos podem se apresentar com metástase linfonodal ou a distância. No trato gastrointestinal, os sítios primários mais frequentes são o intestino delgado e pâncreas, sendo o fígado o principal sítio de metástases (40-93%). Em até 5% do TNE me-tastático, o sítio primário não pode ser identi+ cado. A sintomatologia dos TNE depende de uma série de fatores, entre estes, o local do sítio primário, a presença de hipersecreção hormonal (cursando com síndromes clínicas características) e a 234presença de metástases. Nos tumores funcionantes, em especial os TNE pancreáticos, as manifestações estão relacionadas ao hormô-nio produzido em excesso pela neoplasia e geralmente são preco-ces. Por outro lado, os tumores não funcionantes (com produção de peptídeos biologicamente inativos) costumam ser assintomáti-cos ou apresentar sintomas tardiamente, geralmente por compro-metimento metastático.Síndrome carcinoide é frequente em pacientes com metás-tases hepáticas de TNE de sítio primário em intestino médio (20-30%), caracterizada por sintomas como taquicardia, rubor cutâneo, broncoespasmo, diarreia, hipotensão, complicações � bróticas, como � brose mesentérica e retroperitoneal, e acometimento cardíaco. A � siopatologia da síndrome está associada à hipersecreção de peptíde-os, aminas vasoativas e prostaglandinas pelo tumor primário que não são inativados pelo fígado devido ao comprometimento metastático.Tem sido observado um aumento na incidência dos TNE nas últimas quatro décadas, com incidência anual de aproxima-damente 3,6-3,9 por 100.000 habitantes, representando cerca de 5% dos tumores gastroenteropancreáticos. O aumento do uso de exames de imagem tem sido associado como uma importante cau-sa dessa elevação na incidência, detectando lesões assintomáticas de forma mais precoce.De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), os TNE são classi� cados com base em seu índice proliferativo (núme-ro de mitoses e Ki 67) e padrões histológicos (bem diferenciados ou pouco diferenciados), agrupando essas neoplasias em 5(cinco) grupos (Quadro 1). 235Quadro 1 – Critérios de classi� cação para neoplasias neuroendócrinas do trato gastrointestinal e órgãos hepatobiliares CLASSIFICAÇÃODIFERENCIA-ÇÃOGRAUÍNDICE MITÓTICO*Ki-67TNE grau 1 (G1)Bem diferenciadoBaixo <2 <3%TNE grau 2 (G2)Bem diferenciadoInterme-diário2-20 3-20%TNE grau 3 (G3) Bem diferenciadoAlto >20 >20%CNE tipo peque-nas ou grandes célulasPouco diferenciadoAlto >20 >20%NENMINeoplasia mista neuroendócrina e não-neuroen-dócrinaFonte: OMS, 2019.Notas: TNE: tumor neuroendócrino; CNE: carcinoma neuroendócrino; NEN-MI: neoplasia neuroendócrina e não-neuroendócrina mista. Número de mito-ses/2mm² (equivalente a 10 campos com ampliação de 40x).Os análogos da somatostatina (SAA), octreotida e lanreo-tida, são a terapia antissecretora padrão para TNE funcionantes. Estudos multicêntricos mostraram controle do rubor e diarreia em 50-68% e 45-53%, respectivamente, além de redução nos níveis de marcadores tumorais. Dois ensaios clínicos mostraram ganho na sobrevida livre de progressão de doença nos pacientes com TNE G1 e G2 avançada que < zeram uso de SAA. Em pacientes com me-tástases hepáticas irressecáveis, os SAA podem estabilizar a doença antes do transplante.Nos casos de metástases para o fígado, a cirurgia é indicada quando é possível realizar a ressecção completa, na ausência de metástases extra-hepáticas, envolvimento bilobar ou comprome-timento da função hepática. Embora em grandes casuísticas, o controle dos sintomas com ressecção das metástases seja atingido 236em 96% dos casos, a recidiva dos sintomas ocorreu em 59% dos casos em 5 anos e a taxa de recorrência do tumor em pacientes com comprometimento unilobar ou metástase única foi de apro-ximadamente 80% e 95% e sobrevida geral de 61% e 35% em 5 e 10 anos, respectivamente. Dessa forma, como uma ressecção R0 é raramente curativa, o TH parece ser uma boa alternativa em casos selecionados. DISCUSSÃOO caso apresentado ilustra a evolução bem-sucedida de TH em metástase de TNE irressecável e restrito ao fígado. Apesar da conduta cirúrgica estar bem estabelecida em casos de doença ressecável e com sítio primário controlado, o tratamento ideal para metástases hepáticas extensas e/ou irresse-cáveis de TNE permanece controverso, sendo o TH aceito como tratamento de" nitivo, desde que o paciente se enquadre dentro de critérios especí" cos. O papel do TH em pacientes com metástases de TNE ainda é controverso, principalmente pelo fato de sua indicação estar se aperfeiçoando nas últimas décadas, com limitadas casuísticas de estudos prospectivos. Metástase de TNE corresponde a aproxima-damente 0,2-0,3% das indicações de TH nos EUA e Europa. As duas maiores séries de casos publicados são um estudo americano com 184 transplantes e um europeu com 213. As taxas de sobre-vida global em 1, 3 e 5 anos variaram entre os dois estudos em 79-81%, 61-65% e 49-52%, respectivamente. No estudo euro-peu, as taxas de sobrevida livre de doença em 1, 3 e 5 anos foram de 65%, 40% e 30%, respectivamente, o que comprova uma taxa de recorrência considerável, porém inferior quando comparada às ressecções hepáticas isoladas.Um estudo recente com 88 pacientes elegíveis para transplante mostrou benefício na sobrevida global no grupo que foi submetido ao 237transplante em relação ao grupo que não transplantou (sobrevida glo-bal em 5 anos de 97,2% vs 88,8% e em 10 anos de 50,9% vs 22,4%). Apesar do possível viés de seleção do estudo, foi possível observar que o benefício do transplante aumentou com o tempo, com um ganho aproximado de sobrevida de 38,4 meses após 10 anos. Tendo em vista a escassez de doadores de forma geral, a in-dicação do TH deve ponderar os riscos e benefícios do procedi-mento, com uma seleção adequada dos pacientes. Com base em experiências cumulativas multicêntricas, introduziu-se os Critérios de Milão para a metástase de TNE (Quadro 2). A partir desses cri-térios, o grupo de Milão reportou taxas de sobrevida global e livre de doença em cinco anos de 97% e 89%, respectivamente.Quadro 2 - Critérios de Milão para TH por metástase de TNE (2007, revisado em 2016)Absoluto- Grau histológico G1 ou G2;- Drenagem portal do tumor primário;- Ressecção pré-transplante de todas as lesões extra-hepáticas;- Invasão hepática pelo tumor < 50%;- Estabilidade da doença por 6 meses ou mais;Relativo- Idade inferior a 60 anos.Fonte: MAZZAFERO et al, 2016.Em uma revisão sistemática recente sobre os critérios clíni-cos associados ao desfecho do TH em pacientes com metástase de TNE os principais fatores de mau prognóstico foram Ki67 >10-20% e hepatomegalia. Apesar do comprometimento hepático <50% ser um dos critérios absolutos para indicação do TH, bons resultados foram demonstrados em uma casuística de 15 pacientes subme-tidos a transplante (10 hepáticos e 5 multiviscerais), todos com acometimento do parênquima hepático acima de 50%, com so-brevida global em 5 anos de 90%. 238O momento ideal para a indicação do transplante é outro tema controverso na literatura, tendo em vista que alguns autores defendem que deve ser reservada para casos em que terapias locais (ressecção cirúrgica, ablação por radiofrequência) não estão indi-cadas, assim como um período mínimo de 6 meses de estabilidade da doença, defendido pela maioria dos autores, para melhor com-preensão do comportamento biológico do tumor. O everolimo tem sido usado como terapia direcionada em casos de TNE pancreáticos G1 e G2 em cenários paliativos com objetivo de aumentar a sobrevida livre de progressão da doença, assim como também tem seu papel na imunossupressão de manu-tenção após o TH, assim como os agentes inibidores da calcineuri-na (tacrolimo e ciclosporina). Em conclusão, em pacientes selecionados com metástases hepáticas extensas e irressecáveis de TNE, o TH se apresenta como uma modalidade de tratamento de� nitivo com bons resultados em sobrevida global. Para obter os melhores benefícios do TH, é fundamental a estrati� cação de risco e acompanhamento do com-portamento biológico do tumor para uma indicação adequada de tratamento, sendo os critérios de Milão, as diretrizes mais adequa-das até o momento para a avaliação de pacientes candidatos ao transplante hepático. REFERÊNCIAS CHAN, M.Y.; MA, K.W.; CHAN, A.; Surgical management of neuroendocrine tumor-associated liver metastases: a review. 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Chegou sarcopênico, com história de internamentos prévios por hemorragia digestiva varicosa e encefalopatia hepática. Estava em uso de warfarina, mantendo o RNI na faixa de 2-3. Por apresentar ascite de grande volume, sem resposta satisfatória a diuréticos e em esquema de paracenteses semanais, foi solicitada priorização em # la de TH. Apresentava sódio sérico de 126 mEq/L e sódio uriná-rio de 4 mEq em volume urinário de 24 horas. Em 01/06/2021 foi contemplado com escore MELD 29, pela nova portaria de situa-ção especial por ascite refratária. Devido a proximidade do TH, foi suspenso warfarina e iniciado heparina de baixo peso molecular. Em 05/07/2021, foi admitido para TH com doador falecido de 58 anos. Foi optado por TH clássico, devido a hipertro# a do lobo caudado com compressão de veia cava inferior (VCI) (Figuras 1 242e 2), sem circulação extracorpórea (CEC). Após anastomoses da cava supra e infra-hepática, procedeu-se a reperfusão portal com instabilidade hemodinâmica, controlada com drogas vasoativas. Tempos de isquemia fria foi de 4(quatro) horas e quente de 35 minutos. Anastomoses arterial e biliar de forma padrão. O tempo total de cirurgia foi 6,3 horas.Foto 1 – Hipertro� a do lobo caudado levando a compressão e a� lamento da VCIFoto 2 – Hepatectomia com ressecção de veia cava inferiorNo tas: a) fígado congesto; b) após ressecção fígado; VCS = veia cava supra-hepá-tica;VCI = veia cava infra-hepática; VP = veia porta; c) veias hepáticas obstruídas.Evolução pós-operatória sem complicações, recebendo alta hospitalar no 13º dia, em uso de warfarina, tacrolimo e prednisona.243INTRODUÇÃOA síndrome de Budd-Chiari (SBC) é uma doença rara, que acomete principalmente jovens, com incidência relatada de menos de 1(um) caso por milhão de habitantes. Pode se manifestar em qualquer idade, todavia, a faixa etária mais comum é entre 19 e 49 anos. A causa básica é a obstrução do ' uxo venoso hepático no espaço entre o fígado e coração, sendo mais frequente nas veias hepáticas. A obstrução da VCI é mais comum em homens. A pri-meira descrição de SBC, data de 1845, por George Budd, que fez o relato de três pacientes com obstrução das veias hepáticas. Em 1879, Osler descreveu o primeiro caso de membrana causando obstrução das veias hepáticas e veia cava. Após 53 anos, o Dr. Hans Chiari, patologista de Praga, descreveu três pacientes com obstru-ção nas veias hepáticas, as quais denominou Phlebitis obliterans. Mais recentemente, em 1912, + ompson e Turnbull associaram a SBC à trombose das veias hepáticas. É importante destacar que, em 1980, foi descoberto o polimor: smo genético, impondo a ne-cessidade de uso de anticoagulantes por tempo indeterminado e, somente em 1993, foi colocada a primeira prótese endovascular.Diversos fatores concorrem para o aparecimento da SBC. No Ocidente, geralmente está relacionada a alguma doença pró-trombó-tica e, no Oriente, à presença de membranas nas veias hepáticas. Até 84% dos pacientes têm pelo menos um fator de risco para trombose e cerca de 35% mais de um fator. A investigação dos pacientes com SBP engloba avaliação hematológica, na busca de alguma doença de base que acarrete um risco aumentado de trombose. Todo paciente deve ser investigado para neoplasias mieloproliferativas (NMP). A presença da mutação da JAK2 estabelece o diagnóstico de NMP, mesmo sem outras alterações clínicas ou laboratoriais. Se JAK2 ne-gativa, em pacientes com outros achados suspeitos de NMP, como esplenomegalia, policitemia, leucocitose e trombocitose, a investiga-ção deve ser aprofundada. Outras trombo: lias, como a mutação da 244protrombina, fator V Leiden, síndrome do anticorpo antifosfolípide e hemoglobinúria paroxística noturna sempre devem ser avaliadas. Mesmo sabendo da possibilidade da trombose estar relacionada às de� ciências de proteína C e S e antitrombina, essa avaliação deve ser cautelosa nos pacientes com cirrose hepática e naqueles já em uso de anticoagulantes. Enfatiza-se que o conhecimento da etiologia da SBC é essencial para orientar a conduta no pré e pós-operatório, vi-sando a prevenção de futuros trombos nas veias hepáticas. Até 1996, acreditava-se que 70% dos casos não tinham uma causa de� nida. Atualmente, apenas 10% dos casos têm etiologia idiopática. Os achados histológicos são congestão centrolobular, dilata-ção sinusoidal e vários graus de � brose. A veia porta não é afetada e o quadro clínico inicial vai depender do tempo e da extensão da oclusão das veias hepáticas. A forma primária da SBC ocorre quando há obstrução venosa decorrente de trombose ou � ebite. Já a forma secundária decorre da compressão ou invasão por lesões originadas fora das veias, a exemplo, por malignidades. Pericar-dite constritiva e insu� ciência cardíaca direita têm que ser afas-tadas. Em sua maioria, são eventos subclínicos. O óstio das veias hepáticas é referido como o local mais comum de ocorrência da trombose, sendo que a veia cava inferior (VCI) também pode estar comprometida. Veias colaterais podem se desenvolver dentro e em torno do fígado, como mecanismo compensatório para drenagem venosa de uma obstrução das veias hepáticas. As consequências hemodinâmicas da obstrução, � brose e insu� ciência hepática, podem ocorrer também devido a isquemia crônica. Manifestações clínicas com dor abdominal e ascite são fre-quentes, como também o aparecimento de nódulos regenerativos. A hipertensão portal é decorrente da � brose causada pelo processo obstrutivo. Em 62% a 83% dos pacientes, ascite volumosa é o quadro predominante, enquanto sangramento por varizes esofá-gicas é referido em torno de 10% dos pacientes. Cerca de 10% são assintomáticos. As diferenças observadas no quadro clínico 245dependem do local da obstrução e da parte do fígado envolvida. A SBC é subdiagnosticada, na maioria das vezes. O tempo entre o aparecimento do quadro clínico e o diagnóstico é em torno de 6 meses, quando a doença já se encontra em seu estado avança-do, comprometendo as possibilidades de tratamento endovascular, como angioplastia e próteses (TIPS), restando o TH como única opção de cura.Os métodos de imagem para diagnóstico são US doppler, to-mogra� a computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM). A venogra� a que já teve papel importante no diagnóstico, hoje, só é usa-da quando da realização da intervenção endovascular. US doppler é o método de escolha, com sensibilidade e especi� cidade de cerca de 85%. Elastogra� a é útil para acompanhar o resultado da intervenção endovascular. TC é o exame preferido para avaliar a extensão da trom-bose venosa e o acometimento da VCI. RM é o padrão para avaliar nódulos deregeneração e carcinoma hepatocelular (CHC).1845 1899 1912 1948 1950 1968 1970 1976 1980 19931a desccriçãode BuddBlakemore realizoua 1a cirugia shuntporto systemic 1o uso de trombose local notratamento de trombose daveia hepá! ca Implantadoo 1o TIPSThompson & Tumbullafi rmam que o evento inicial foi trombose de veiahepá! caDescoberto da prothombo! cgené! ca polimórfi ca comnecessidade de terapiaan! coagulante por toda vidaRealizado o primeirotransplante de # gadoem paciente com BCSNakamura é oprimeiro a relataracerca de BCS na1a referênciasobre o uso dean! coagulantesChiari enriqueceu a primeiradescrição com correlaçõesclínicas e patológicasFigura 1 – Evolução do diagnóstico e tratamento da SBCFonte: ZANETTO et al, 2019.246O tratamento da SBC tem duas abordagens: anticoagula-ção vitalícia e descompressão do e� uxo venoso. Atualmente, no mundo, as intervenções endovasculares são realizadas em 40% a 93% dos casos, constando de três alternativas de procedimentos: angioplastia, shunt endovascular e trombólise. Angioplastia trans-venosa é o mais usado, por ser mais # siológico, restaurando o � u-xo venoso hepático. Na impossibilidade de uso da angioplastia, a via percutânea, embora seja mais invasiva, pode ser utilizada. Há ainda a possibilidade de aposição de endopróteses vasculares. O TH é indicado em situações especí# cas, tais como falência aguda hepática, CHC e insu# ciência hepática crônica.DISCUSSÃO TH por SBC está relacionado com mais di# culdades técnicas. Geralmente, há hepatomegalia por congestão e circula-ção colateral extensa por obstrução pós-hepática, aumentando o risco de hemorragia. A hipertro# a importante do lobo caudado associado a comprometimento da VCI, impede, em várias situa-ções, o emprego da técnica piggyback. No serviço, padronizamos a hepatectomia com ressecção de VCI para os casos de SBC, sem CEC. Avanços na anestesiologia, com monitorização invasiva e manuseio farmacológico, permitem controlar a instabilidade hemodinâmica causada pelo bloqueio total do retorno venoso. Outro detalhe técnico que aprendemos em 27 TH por SBC, é ligadura precoce do pedículo hepático (artéria hepática, via biliar e veia porta), antes de qualquer mobilização do fígado. Dessa for-ma, há uma redução imediata do volume hepático e da pressão na circulação colateral, facilitando a dissecção da veia cava supra e infra-hepática e diminuindo o sangramento. O paciente em discussão foi assim operado, com tempo de isquemia quente de 35 minutos, mesmo realizando 2(duas) anastomoses cavais, com utilização de recuperação intraoperatória de sangue (RIOS) no 247volume de 1.200 ml, sem transfusão heteróloga e alta hospitalar sem complicações. Como não descobrimos a causa da trombose das veias hepáticas, paciente será mantido em regime de anticoa-gulação por tempo indeterminado.REFERÊNCIAS HIDAKA, M.; EGUCHI, S.; Budd-Chiari syndrome: focus on surgical treatment. Hepatol Res. [Internet]. 2017 [cited 2021 jun 09]; v.47, n.2, p.142-148. Avaliable from: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/hepr.12752.doi:10.1111/hepr.12752.SHARMA, A.; KESHAVA, S.N.; EAPEN, A.; et al. An update on the management of Budd-Chiari syndrome. Dig. Dis. Sci. [Internet]. 2021 [cited 2021 jun 28];v. 66, n.6, p.1780–1790.Avaliable from: https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs-10620-020-06485-y.doi: https://doi.org/10.1007/s10620-020-06485-y.VALLA, D.; Budd-Chiari syndrome/hepatic vênus out" ow tract obstruction. Hepatol Int. [Internet]. 2018 [cited 2021 jun 29]; v.12, p.168-180. Avaliable from: https://link.springer.com/arti-cle/10.1007%2Fs12072-017-9810-5. doi: 10.1007/s.12072-017-9810-5.VAN WETTERE, M.; BRUNO, O.; RAUTOU, P.E.; et al. 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Durante a infância, apresentou atraso no desenvolvimento pôndero-estatural, sem evidência de outras comorbidades. Em fe-vereiro de 2013 foi submetida a biópsia hepática que diagnosticou cirrose hepática com achados de proliferação ductular e moderado in5 ltrado linfocitário portal com agressão à placa limitante. Em in-vestigação etiológica, foram realizados exames complementares que incluíam autoanticorpos (FAN, anti-músculo liso, anti-LKM1, anti--mitocôndria, p-ANCA, c-ANCA) todos não reagentes, dosagem de gamaglobulinas 3,14 g/dL, alfa-1-anti-tripsina normal e sorologias virais negativas, exceto por anti-CMV IgG reagente. O diagnóstico estabelecido foi de cirrose criptogênica. Apesar de não apresentar as-cite, encefalopatia ou hemorragia digestiva, a paciente evoluiu com icterícia e prurido progressivo, incapacitante. Fez uso de ácido urso-desoxicólico com melhora laboratorial. Associou-se prednisona em tentativa de otimização terapêutica, porém, sem resposta. Paciente foi listada para o transplante hepático (TH) com CHILD B8 e 250Meld-Na 21. O TH foi realizado em dezembro de 2020, com doa-dor falecido, sem intercorrências peri-operatórias. A análise histopa-tológica do explante evidenciou cirrose micronodular em moderada atividade (moderado in� ltrado in� amatório linfocitário, agredindo moderadamente a placa limitante), ausência de esteatose, acentuada � brose perissinusoidal, vasos e grandes ductos intra-hepáticos sem particularidades histológicas. No seguimento ambulatorial pós-TH, paciente evoluiu com Diabetes Mellitus insulino-dependente, ne-cessitando de internamento por cetoacidose diabética. Cursou com elevação de enzimas canaliculares e icterícia. Colangiorressonância (fev/2021) revelou estenose da anastomose coledociana. Foi subme-tida a derivação biliodigestiva com resolução do quadro colestáti-co. A paciente mantém o seguimento de forma regular, em uso de terapia imunossupressora, apresentando-se sem prurido ou outras queixas clínicas. INTRODUÇÃOCirrose criptogênica (CC) é de� nida como cirrose de etiolo-gia desconhecida, a despeito de extensa investigação clínica, labo-ratorial e histopatológica, sendo caracteristicamente um diagnós-tico de exclusão.À medida que a tecnologia e o conhecimento acerca das do-enças hepáticas progridem, o número de casos de� nidos como CC também tende a mudar. Antes de 1965, tal etiologia correspondia a aproximadamente 50% de todos os casos de cirrose. Essa preva-lência apresentou redução expressiva com a descoberta dos vírus causadores das hepatites B e C, com o reconhecimento da Doença Hepática Gordurosa Não Alcoólica (DHGNA) como importante causa de hepatopatia, com a otimização no diagnóstico de Hepati-te Autoimune e com os avanços nos estudos genéticos, por exem-plo, conferindo mais capacidade diagnóstica de distúrbios com importante componente genético, como a Doença de Wilson.251A prevalência atual de Cirrose Criptogênica varia entre diferen-tes séries e em diversos estudos. Em centros médicos terciários mais avançados, tais casos representam menos de 10% detodos os casos de cirrose. De maneira geral, CC é diagnosticada em 5-30% dos casos de cirrose, porém, apenas em 5-7% dos pacientes submetidos a TH. Além da avaliação das características clínicas, a análise atra-vés de biópsia hepática é parte importante do diagnóstico e mane-jo dos pacientes com doença hepática. Quadro 1 – Padrões histológicos na Cirrose Criptogênica e principais diagnósticos diferenciaisHEPATITE ESTEATOSE- Hepatite C / E oculta- Hepatite autoimune oculta- Defi ciência de alfa-1 antitripsina- Doença celíaca- Doença de Wilson- Febre familiar do Mediterrâneo- DHGNA- Doença hepática alcoólica- Doença de Wilson- Defi ciência de lipase ácida lisos-sômicaBILIAR SEM PADRÃO ESPECÍFICO- Colangite biliar primária- Colangite esclerosante primária- Colangite esclerosante secun-dária- Síndrome de colestase intra-he-pática familiar progressiva- Doença de Wilson- DHGNA sem sinais de atividade- Doença hepática alcoólica sem sinais de atividadeFonte: Adaptado de NALBANTOGLU; DHANPAT, 2019.Determinadas vertentes da literatura acreditam tratar-se a CC de uma fase de progressão da cirrose hepática por DHGNA, diante da perda de gordura do tecido hepático e aumento do grau de ! brose. No entanto, apesar da existência de fatores de risco em comum, como obesidade e diabetes, há diferença na prevalência entre os dois grupos etiológicos, corroborando a ideia de que, na realidade, são duas entidades distintas, já que nem todos os casos de CC têm DHGNA como causa subjacente.252Com a investigação mais detalhada, até 50% dos casos inicialmente tidos como CC podem ter uma etiologia especí� ca identi� cada. De maneira geral, DHGNA caracteriza-se como a principal causa de cirrose em casos tidos inicialmente como de etiologia inde� nida, seguida de Hepatite Autoimune inativa e de doença hepática alcoólica com abuso de álcool inaparente à época do diagnóstico. A investigação clínica e complementar para melhor elucida-ção diagnóstica nos casos de cirrose hepática é fundamental, sobre-tudo porque a adequada compreensão da etiologia da cirrose tende a interferir, de forma signi� cativa, no manejo, no seguimento e na terapêutica a ser implementada. Além disso, a etiologia pode determinar a elegibilidade para transplante hepático e até mesmo a evolução pós-procedimento. DISCUSSÃONo contexto do Transplante Hepático (TH), determinados estudos mostram frequência aumentada de ascite, hiponatremia e perda de peso autorreferida entre os pacientes com cirrose cripto-gênica, sugerindo que tais pacientes apresentam doença hepática mais avançada ao serem encaminhados para avaliação para trans-plante, o que pode estar relacionado à ausência de diagnóstico bem de� nido. No entanto, esse achado é questionável, pois parâmetros mais objetivos, como escore Child-Pugh, TAP (tempo de atividade da protrombina) e albumina sérica, à ocasião do TH, não tendem a diferir de forma signi� cativa entre pacientes com CC e outros grupos etiológicos.Em análise comparativa mais especí� ca entre pacientes sub-metidos a TH por CC ou DHGNA, nota-se maior prevalência de síndrome metabólica e de outras comorbidades entre aqueles com DHGNA. No entanto, os achados de síndrome metabólica são ainda maiores nos pacientes com CC do que nos que possuem 253doença hepática por outras etiologias que não CC ou DHGNA. Além disso, a prevalência de diabetes no pós-transplante é maior entre os pacientes com CC ou DHGNA do que nos pacientes com cirrose por etiologias distintas. A indicação de TH por cirrose hepática associada a DHGNA tem aumentado nos últimos anos, possivelmente devido ao au-mento na prevalência de DHGNA e aumento no reconhecimento de que muitos pacientes com diagnóstico inicial de CC, na ver-dade, têm DHGNA. Porém, nos casos de CC sem componente signi� cativo de síndrome metabólica, por exemplo, diversas outras etiologias podem estar presentes. A despeito de dados controversos na literatura, de maneira geral, os pacientes com CC e DHGNA têm desfechos similares, seja no contexto de espera em lista pelo TH, seja na evolução pós-TH. No serviço do HUWC-UFC, no período de 2002 a 2021 (maio) foram realizados 277 TH por CC, sendo um deles em con-texto de doença fulminante. Desse total, 52 (18,7%) pacientes apresentavam carcinoma hepatocelular (CHC). Por outro lado, quando analisados todos os casos de TH com CHC no serviço, observou-se que os pacientes que apresentavam CC como etiologia da cirrose permaneciam em � la de TH por mais tempo, cursando com piores níveis laboratoriais (de albumina e bilirrubina séricas, por exemplo) e maior quantidade de nódulos à avaliação do ex-plante, quando comparados aos pacientes com CHC e cirrose por vírus da hepatite C. Questiona-se, dessa forma, quanto à presença de divergência na mortalidade entre esses dois grupos etiológicos.Quanto à evolução pós-TH, um estudo norte-americano, baseado em análise comparativa entre os casos de TH por CC, DHGNA, Cirrose Alcoólica (CA) e por Hepatite Autoimune (HAI), evidenciou que as causas mais comuns de óbito pós-TH foram infecção, eventos cardiovasculares, disfunção de múltiplos órgãos, falência do enxerto e neoplasias (do mais prevalente para o 254menos prevalente, respectivamente). Falência do enxerto foi mais comum nos casos de TH por cirrose por HAI, enquanto disfunção de múltiplos órgãos foi menos frequente na CA, porém, os casos de suicídio predominaram nesse grupo. Não foram evidenciadas, no entanto, diferenças tão expressivas entre os grupos.Apesar da heterogeneidade, ao compararmos os pacientes com CC e os cirróticos por outras causas, não há diferenças estatisticamen-te signi� cativas quanto à sobrevida, do paciente ou do enxerto, após o Transplante Hepático. A sobrevida pós TH depende de múltiplos fatores, incluindo o status de performance do paciente previamente ao transplante e a presença de sinais de descompensação, como ence-falopatia hepática e trombose de veia porta. Atualmente, de forma mais generalizada entre as diver-sas etiologias de Cirrose Hepática com indicação de terapia com Transplante Hepático, há uma tendência de melhora dos desfechos pós-TH, sobretudo devido aos recentes avanços para a realização do procedimento de transplante em si e para o manejo dos pacien-tes no pós-TH e no seguimento a curto, médio e longo prazo. 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Na investigação etiológica, foram excluí-das causas virais, medicamentosa, hepatite autoimune, doença de Wilson, de' ciência de alfa-1-antitripsina e colangite biliar primá-ria. Na avaliação laboratorial, apresentava índice de saturação de transferrina (IST) de 87,6% e ferritina 4.245 ng/mL (normal de 30 a 330 ng/mL). A pesquisa das mutações do gene HFE eviden-ciou mutação em homozigose para C282Y. Paciente apresentava 2(dois) irmãos com diagnóstico de hemocromatose. Em relação aos hábitos, nega tabagismo, uso de drogas ilícitas, porém referia consumo de bebida alcoólica nos ' nais de semana há muitos anos. Apresentava como comorbidades diabetes e hipertensão. Durante acompanhamento, foram evidenciados múltiplos nódulos hepá-ticos hipervascularizados na TC de abdome (fevereiro/2011) su-gestivos de carcinoma hepatocelular (CHC). Con' rmado na RM, 258sendo o maior de 4 cm, outros menores que 1,5 cm, estando den-tro dos critérios de Milão. Solicitada situação especial à Câmara Técnica Nacional, na ocasião o MELD era 16. Foi contemplado com MELD 20 e submetido a transplante hepático em abril de 2011. Na avaliação anatomopatológica do explante, foi eviden-ciado CHC pouco diferenciado sendo o maior de 4,0 x 2,5 x 2,5 cm, incontáveis nódulos por todo parênquima hepático, além de invasão linfonodal. Paciente apresentou recorrência do CHC, evo-luindo a óbito em agosto de 2012. INTRODUÇÃOOs distúrbios de sobrecarga de ferro podem ser primários ou secundários. A hemocromatose hereditária (HH) é uma cau-sa primária de sobrecarga de ferro, de" nida como um distúrbio hereditário, autossômico recessivo, caracterizado pela absorção ex-cessiva de ferro, devido à de" ciência de hepcidina. Com o tempo, a deposição do ferro pode causar disfunção e falha em vários ór-gãos, incluindo fígado, pâncreas, coração, articulações e glândula pituitária, podendo se apresentar com elevação assintomática de AST e ALT, hepatomegalia, hepatopatia crônica, cirrose, diabetes, miocardiopatia, dores articulares, hipogonadismo. A clássica tría-de da HH é constituída por cirrose hepática, diabetes e hiperpig-mentação cutânea, conhecida como cirrose bronzeada, entretanto, ocorre numa menor percentagem. Uma queixa frequente nestes pacientes é a fadiga crônica. A HH é uma doença mais prevalente na população europeia, nos EUA e Austrália, podendo acometer 1(um) em cada 200-400 indivíduos. A HH se manifesta mais precocemente em homens do que em mulheres, com idade de 40 a 50 anos. O objetivo principal é identi" car e tratar precocemente os pacientes com HH, por meio da depleção de ferro antes que ocorra dano irreversível dos órgãos. E uma vez diagnosticado um caso, realizar screening dos familiares.259Há 4 tipos principais de HH, categorizados com base em quais proteínas envolvidas na homeostase do ferro são afetadas, sendo a HH tipo 1 a forma hereditária mais frequente de sobre-carga de ferro, e envolve mutações no gene HFE. A HH tipo 1 é subdividida em:• Tipo 1a, que resulta na substituição de cisteína para ti-rosina no aminoácido 282 (C282Y).• Tipo 1b, conhecido como heterozigoto composto, é resultado da mutação H63D, em combinação com C282Y, formando o genótipo C282Y/H63D.• Tipo 1c, relacionado a mutação S65C, que pode levar ao aumento dos níveis séricos de ferro e ferritina, porém, sem acarretar excesso de estoques de ferro nos tecidos.Os outros genótipos HH (tipos 2, 3 e 4) não estão relaciona-dos ao gene HFE e têm uma prevalência signi� cativamente menor, portanto, não serão detalhados neste capítulo. O depósito de ferro pode se dar em diversos órgãos e sis-temas, desenvolvendo manifestações hepáticas, cutâneas, endocri-nológicas, cardíacas e articulares. O fígado é o órgão mais afetado na HH tipo 1 e a apresentação clínica hepática pode ser variável, incluindo elevação assintomática das aminotransferases, hepato-megalia, podendo evoluir para complicações de doença hepática em estágio terminal. O risco de desenvolver cirrose aumenta sig-ni� cativamente com níveis de ferritina sérica > 1.000 ng/mL no diagnóstico, bem como na vigência de ingesta de álcool superior a 60 g/dia.A aferição do IST é o teste de triagem inicial preferido, quando maior que 45% podem identi� car 97,9% –100% dos ho-mozigotos C282Y, embora uma pequena proporção de pacientes com HH, como indivíduos mais jovens em um estágio mais pre-coce, possa ter IST <45%. A sobrecarga de ferro não relacionada a HFE também pode se apresentar com um nível elevado de ferriti-260na sérica (FS) e um nível normal de IST. Ferritina sérica pode ser um excelente preditor de � brose avançada.A genotipagem para mutações de HFE (C282Y) torna-se parte padrão da avaliação de pacientes nos quais há suspeita de HH por motivos clínicos ou com base na detecção de ferritina sérica elevada. Outras duas mutações no gene HFE comumente estudadas são H63D e S65C. Indivíduos com a mutação H63D ou S65C na ausência da mutação C282Y não apresentam risco aumentado de sobrecarga de ferro, consequentemente não devem ter repercussão clínica de HH. Não se sugere testes genéticos adi-cionais entre pacientes com teste de sobrecarga de ferro negativo para os alelos C282Y e H63D. Antes de considerar a pesquisa de mutações não HFE nos casos de sobrecarga de ferro documenta-da, deve-se descartar outras condições mais comuns, como causas secundárias, por exemplo, transtornos de uso de álcool e doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA), processos in� ama-tórios, patologias autoimunes, síndrome hemofagocítica, insu� ci-ência renal crônica, múltiplas transfusões. O sequenciamento de genes não-HFE pode ser considerado em casos atípicos, como um paciente mais jovem com envolvimento endócrino ou cardíaco.A principal utilidade da biópsia hepática na HH é para o estadiamento da � brose, particularmente entre pacientes que são homozigotos C282Y e tem ferritina > 1.000 ng/mL. Nos pacientes homozigotos C282Y com ferritina <1.000 ng/mL, a biópsia será indicada caso haja fator de risco adicional à � brose. Em relação ao uso da elastogra� a hepática, essa modalidade não foi validada para avaliar o estágio da � brose na HH.A ressonância magnética, especi� camente a imagem ponde-rada em T2, é outra modalidade que pode ser usada para diagnos-ticar e acompanhar a sobrecarga de ferro na HH e para estimar a concentração de ferro hepático de forma não invasiva. Entretanto, devemos utilizar sempre a mesma técnica de quanti� cação do ferro 261por RM, pois os valores são diferentes. Quando a hemocromatose ocorre por ativação do sistema retículo endotelial o envolvimento do baço é comum, enquanto na HH ocorre pouco ou nenhum depósito de ferro no baço. Na HH ocorre um aumento do sinal (in out phase). Pacientes elegíveis ao tratamento são aqueles homozigotos C282Y com ferritina >300 ng/mL em homens e >200 ng/mL em mulheres, além de IST≥45%. Os homozigotos com ferritina den-tro dos limites normais no momento do diagnóstico, no entanto, supostamente não desenvolverão sobrecarga de ferro clinicamente relevante e, portanto, podem ser monitorados com avaliação seria-da das aminotransferase e níveis de ferritina sérica. É improvável que pacientes com ferritina <1.000 ng/mL, no diagnóstico, apre-sentem lesão de órgão-alvo por HH, porém, o tratamento desta população está indicado levando em conta que entre 13% e 35% dos homens e entre 16% e 22% das mulheres irão progredir para uma ferritina > 1.000 ng/mL se não forem tratadas.Para heterozigotos compostos(C282Y/H63D), o risco de desenvolver sobrecarga de ferro clinicamente relevante é baixo, embora a � brose hepática possa se desenvolver entre heterozigotos com comorbidade como DHGNA, diabetes ou consumo excessi-vo de álcool. Portanto, esses fatores de risco precisam ser avaliados e tratados antes de se considerar a remoção do ferro. Para hetero-zigotos compostos ou homozigotos H63D com evidência de con-centração de ferro hepático elevado na biópsia, a remoção de ferro pode ser considerada. 262AssintomáticoFerritina>1000 ng/L ouenzimas elevadasComposto heterozigotoC282Y/H63DHeterozigoto C282Y, ou genótipo não C282YHomozigotoC282Y/C282YEncerrar investigaçãoIST<45% e ferritinanormalDosagem de IST eferritina séritaHistória família positiva:parente de 1º grauAssintomático, ALT /AST >35mg/dLAvaliar outras causas dedesordens hepáticas ouhematológicas + biópsia / RNMConcentração de Fe hepáticoelevado + ferritina > 1000 ng/LFlebotomiaterapêuticaBiópsia hepáticapara avaliar fi brose e/ououtras causas de doençahepáticaIST>45% e/ou ferritinaelevadaGenótipo HFEEncerrar investigaçãoFerritina<1000 ng/L eenzimas normaisFigura 1 – Abordagem Diagnóstica e Terapêutica de HHFonte: (KOWDLEY; BROWN; AHN, 2019).A ! ebotomia é a base do tratamento da HH. A fase inicial costuma ser realizada com sangrias 400 a 500 ml a cada 1(uma) a 2(duas) semanas. O nível da ferritina deve ser veri$ cado men-salmente durante o curso da ! ebotomia até que se atinja a meta de 50–100 ng/mL. Depois que este nível é alcançado, segue-se a fase de manutenção do tratamento, cujo objetivo é manter os níveis de ferritina abaixo de 100 ng/mL, e a frequência com que a ! ebotomia ocorre normalmente é de 3-4 vezes por ano. Em tor-no de 200 a 250 mg de ferro são retirados após cada sangria (400 a 500 mL). Pacientes com HH devem ser aconselhados a evitar suplementos de vitamina C, uma vez que aumenta a absorção de ferro. A eliminação da carne vermelha e de outras fontes de ferro na dieta não é necessária. O paciente deve ser orientado quanto ao risco de ingestão etílica e ser vacinado contra hepatite A e B, se necessário.263A Sociedade Americana de Gastroenterologia recomenda o uso de quelante de ferro para o tratamento de HH em casos de in-tolerância ou refratariedade à � ebotomia ou quando a � ebotomia tem potencial para causar danos, como em pacientes com anemia grave ou insu� ciência cardíaca congestiva. Outra alternativa à � e-botomia é a eritrocitaférese, uma técnica que remove seletivamente os eritrócitos e retorna ao paciente os componentes remanescentes plasmáticos, como proteínas, fatores de coagulação e plaquetas, entretanto, ainda não muito disseminada. DISCUSSÃOPacientes com HH que desenvolvem cirrose correm o risco de desenvolver carcinoma hepatocelular (CHC), que é responsável por até 45% das mortes nesta população, principalmente em ho-mens com mutação homozigose C282Y. Segundo as recomenda-ções do Guideline Americano de HH, o rastreamento e a vigilân-cia de CHC em pacientes com cirrose por HH são as mesmas que para pacientes com cirrose por outras etiologias, especi� camente ultrassonogra� a com ou sem dosagem de alfa-fetoproteína reali-zada a cada 6 meses. A vigilância do CHC deve continuar após a remoção do ferro, porque o CHC pode se desenvolver anos após a depleção de ferro com sucesso. Não há dados que abordam a e� cá-cia do rastreamento do CHC em pacientes com HH sem cirrose, portanto, não se recomenda o rastreio nesta população.O encaminhamento para transplante hepático deve ser con-siderado em pacientes com HH com doença hepática descompen-sada, ou CHC dentro dos critérios de Milão. Além de ter caráter curativo na cirrose, o TH promove normalização dos níveis de hepcidina e alterações no metabolismo do ferro.O caso relatado é de um paciente com diagnóstico de He-mocromatos Hereditária, em homozigose para C282Y, mutação mais comum na HH, com história familiar. O paciente evoluiu 264para cirrose e surgiu CHC, uma complicação que pode ocorrer em até 40% a 50% dos casos, em homens, quando têm cirrose. Devido a essa complicação, foi elegível para situação especial e foi transplantado.RE FERÊNCIAS ATKINS, J.L.; PILLING, L.C.; MASOLI, J.A.H. et al. Associ-ation of Haemochromatosis HFE p.C282Y Homozygosity with Hepatic Malignancy. JAMA, v.324, n.20, p.2048-2057, 2020.CHEN, Y.; FAN, Z.; YANG, Y.E.; GU, C.; Iron metabolism and its contribution to cancer (Review). Int. J. Oncol. v.54, n.4, p.1143-1154, 2019.HENNINGER, B.; ALUSTIZA, J.; GARBOWSKI, M.; et al. Practical guide to quanti! cation of hepatic iron with MRI. 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Já havia sido submetida a três ressecções hepáticas por cistos, em seu Estado de origem, e a tratamento irregular com albendazol. No ano 2000 teve quadro de dor abdominal, icterícia, colúria e prurido intenso, quando foi diagnosticada com equinococose hepática alveolar di-fusa, passando a realizar tratamento contínuo com albendazol 400 mg/dia. A doença era bilateral, irressecável, sem lesões a distância e associada a colangites de repetição devido ao envolvimento do trato biliar. Por esses motivos, foi indicado transplante hepático (TH). MELD calculado de 7, evidenciando uma função hepática preservada. O caso foi enviado à Câmara Técnica Nacional, que autorizou situação especial por colangites de repetição com escore MELD 20. No pré-operatório, realizou tomogra< a computado-rizada (TC) de abdome, que evidenciou fígado com dimensões aumentadas, com lesões complexas, heterogêneas, de conteúdo de densidade líquida e com presença de calci< cações, ocupando os segmentos VI, VII e II, associadas a dilatação de vias biliares intra--hepáticas (Foto 1).266Foto 1 – TC de abdome evidenciando lesões heterogêneas, calci� cações e dilatação da via biliarPaciente foi submetida a TH com doador falecido em julho de 2013. A duração do procedimento foi de 6,2 horas, com tempo de isquemia fria de 7,3 horas e tempo de isquemia quente de 29 minutos. Foi utilizada a técnica de piggyback, com anastomoses vasculares padronizadas no serviço e anastomose biliar término--terminal. A paciente recebeu 2(dois) concentrados de hemácias e 2(duas) unidades de plasmas.267Foto 2 – Explante, fígado aberto com estruturas complexas do Echinococ-cus sppFoto 3 – Explante; fígado aberto com estruturas complexas do Echinococ-cus spp268Paciente apresentou boa evolução imediata. Esquema de imunossupressão (IMS) padrão, com tacrolimo e prednisona. No entanto, apresentou grave farmacodermia, que após exclusão de outras etiologias, foi relacionada ao inibidor da calcineurina. Por esse motivo, a IMS foi modi� cada para sirolimo, micofenolato e prednisona, com resolução do quadro dermatológico. Após 93 meses de seguimento, permanece em acompanhamento no ser-viço, com função hepática normal, sem sinais de recorrência da equinococose e excelente qualidade de vida.Foto 4 - Lâmina do explante de outrocaso de TH por equinococose do serviço (400 X, HE)Notas: À esquerda, observam-se estruturas membranares Laminadas birrefri-gentes e complexas do Echinococcus spp. À direita, formação de granuloma epitelioide com gigantócitos multinucleados do tipo corpo estranho. Ao centro acima, formação de abscesso.269INTRODUÇÃOEquinococose ou Hidatidose é uma doença parasitária cau-sada por parasitas do gênero Echinococcus. É uma doença rara, en-contrada no Mediterrâneo e na América do Sul, incluindo o norte do Brasil. O parasita tem como hospedeiro intermediário o roedor paca e como hospedeiro de' nitivo, o cão. A paca é um produto de caça comum em algumas regiões, como no norte do Brasil, e o ser humano pode se contaminar ao fornecer o fígado da paca com cistos hidáticos aos seus cães domésticos ou de caça, os quais se tornam hospedeiros de' nitivos, permitindo a contaminação de seus donos e de outras pessoas que entrem em contato com suas fezes. No intestino do cachorro, as larvas transformam-se em ces-tódeos pequenos, que liberam os ovos contendo proglótides. O homem atua como hospedeiro intermediário acidental, ao ingerir produtos contaminados com as fezes dos cachorros infestados pe-los parasitas, e o cisto hidático é a forma de expressão da larva. As manifestações clínicas são decorrentes da proliferação hepática ou extra-hepática dos cistos, podendo acometer também a cavidade abdominal, o tórax, o pulmão e o mesentério do estômago e dos intestinos. Em nossa revisão de literatura, encontramos 24 artigos, incluindo relatos de casos e séries de casos, acerca de transplan-te hepático em hidatidose. Um deles era o relato de um caso do Brasil, com boa evolução imediata, mas foi a óbito no 31º dia pós-operatório em decorrência de embolia pulmonar. No serviço do Hospital Universitário Walter Cantídio, temos dois casos de pacientes transplantados por equinococose há 95 e 4 meses, ambos vivos e com evolução satisfatória.DISCUSSÃOOs primeiros casos de doença hidática policística foram pu-blicados em 1979, sendo provenientes dos países amazônicos Co-270lômbia e Equador, e, em 1986, foi reconhecido o primeiro caso brasileiro, em um seringueiro da Amazônia. A hidatidose é uma doença rara, mas de relevante ocorrência na região Norte, especial-mente no estado do Acre. Um inquérito sorológico na população urbana e rural de Sena Madureira, no Acre, revelou positividade para infecção pelo Echinococcus Spp em 3,5% e 6% dessas popu-lações, respectivamente, com 67,5% e 68,7% dessas populações, respectivamente, a" rmado já terem consumido carne de paca.As manifestações clínicas da equinococose são provocadas pela proliferação dos cistos, e o principal sintoma é a dor no abdo-me superior. Os cistos são frequentemente palpáveis como massas endurecidas e de superfícies irregulares, mais comumente locali-zadas no quadrante superior direito do abdome. No entanto, os cistos podem ser extra-hepáticos, causando diferentes sintomas.Uma das complicações mais frequentes é a icterícia obstru-tiva, em decorrência da compressão dos ductos biliares pela proli-feração dos cistos ou da formação de fístulas biliares, causando co-lúria, acolia fecal e prurido, podendo se apresentar como episódios intermitentes, acompanhados por febre e dor no hipocôndrio di-reito, ou como colestase e icterícia de longa duração. A progressão dos cistos também pode levar à hipertensão portal, por compressão da veia porta no hilo hepático, e cirrose. Tais condições crônicas e progressivas também ocasionam importantes complicações, como sangramento digestivo alto por ruptura de varizes esofágicas.Cerca de 1/3(um terço) dos casos são assintomáticos, apre-sentando diagnóstico incidental. O processo diagnóstico ocor-re com a avaliação da história clínica do paciente, bem como do exame físico, exames de imagem principalmente ultrassonogra" a e TC abdominal, dados laboratoriais, testes sorológicos e exames parasitológicos. Também é muito importante a avaliação da histó-ria epidemiológica, com dados, como origem e permanência por longos períodos em ambientes tropicais e rurais, contato com ani-271mais selvagens, familiaridade com pacas ou contato prolongado com cachorros domésticos ou de caça.O diagnóstico precoce é muito bené� co para o manejo clí-nico, mas é muito difícil, devido ao longo período de latência ou de fase assintomática da doença, que pode durar até 20 anos. Isso reduz a possibilidade de terapias mais conservadoras. As opções de tratamento variam de ressecção cirúrgica das áreas envolvidas, procedimentos intervencionistas, como drenagem percutânea, quimioterapia e TH. A abordagem depende do tamanho, da lo-calização, da relação com ductos biliares e com vasos sanguíneos e com o tipo de cisto, bem como da condição clínica do paciente, das suas complicações e da experiência da equipe cirúrgica. O tratamento de escolha é a ressecção das lesões hepáticas com o uso neoadjuvante de drogas antiparasitárias, como albenda-zol, benzimidazol e mebendazol. A ressecabilidade varia de 15% a 87%, a depender do estágio da doença, da experiência da equipe cirúrgica, da idade do paciente e de sua condição clínica.O TH é uma boa opção terapêutica para pacientes em está-gios muito avançados, quando há envolvimento de ductos biliares e de vasos sanguíneos ou doença hepática difusa, levando a hiper-tensão portal e cirrose. Outra condição que pode indicar o TH é a presença de sérias complicações, como necrose central da lesão pa-rasitária, causando colangite, abscessos hepáticos e choque séptico. Nesses casos, o TH combinado com as drogas antiparasitárias é o único tratamento potencialmente curativo, permitindo resultados satisfatórios a longo prazo. O caso clínico em questão, apresentou recorrência após 2(duas) ressecções hepáticas prévias, com doença bilobar. Havia também envolvimento do hilo hepático, predominantemente da via biliar, ocasionando icterícia obstrutiva e colangites de repe-tição, tornando o TH o único tratamento efetivo. Estadiamento por TC de abdome e tórax, sem doença extra-hepática. O TH 272somente foi possível devido à situação especial por colangites de repetição, com incremento do escore MELD para 20. Durante a hepatectomia total, são necessários cuidados especiais no ma-nuseio do órgão, evitando rotura dos cistos com risco potencial de implantes peritoneais secundários. Outro aspecto, ainda sem consenso, é a duração da terapia com albendazol após o TH. Nesse caso, mantivemos por tempo indeterminado, baseados em relatos de casos da literatura.A sobrevida após TH em 5 anos é superior a 70%, com taxa de 58% de sobrevivência livre de doenças. Alguns fatores podem in� uir no prognóstico após o TH, como a presença de metástases, que podem sofrer rápido crescimento com a terapia imunossupres-sora, e retardo na reintrodução das drogas antiparasitárias. Portan-to, para maximizar o sucesso terapêutico, é essencial a avaliação prévia dos pacientes com potencial para serem submetidos a TH quanto a presença de metástases, bem como a reintrodução preco-ce das drogas antiparasitárias após o procedimento e o adequado acompanhamento clínico do paciente. REFE RÊNCIAS AYDINLI, B.; OZTURK, G.; ARSLAN, S. et al. Liver transplan-tation for alveolar echinococcosis in an endemic region. Liver Transpl. [Internet]. 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Como não havia condições clínicas de transferência para Serviços de TH pediátrico em São Paulo, decidimos pela inscrição em lis-ta local, com priorização regional, de acordo com legislação do sistema nacional de transplantes (SNT). A criança evoluiu com piora da encefalopatia e da função hepática. Após 3 dias, surgiu um doador com morte encefálica por trauma cranioencefálico, de 15 anos e com 60 kg. Como o hospital pediátrico de referência no Estado, não é credenciado pelo SNT, a criança foi transferida para o centro cirúrgico do Hospital Universitário Wálter Cantídio (HUWC). Realizada a captação hepática pela técnica clássica. Na cirurgia de banca, foi realizada a redução do fígado, mantendo o lobo esquerdo (segmentos II, III e IV) com os troncos vasculares principais (Foto 1). 276Foto 1 – Lobo esquerdo após redução ex-situ O TH foi realizado dia 18/05/2012 com hepatectomia pela técnica de piggyback (preservação de veia cava inferior). A cava su-pra-hepática do enxerto foi anastomosada na junção das 3 veias hepáticas do receptor, veia porta termino-terminal e artéria hepáti-ca comum com taça da gastroduodenal. Anastomose biliar primá-ria. Reperfusão sem intercorrências, com enxerto de ótimo aspecto produzindo bile. Como o HUWC não dispõe de UTI pediátrica, após estabilização hemodinâmica, a criança foi encaminhada em ambulância, acompanhada pelo anestesiologista, para a UTI do hospital pediátrico. Evoluiu com sangramento autolimitado pelo dreno, sem outras complicações pós-operatórias. Recebeu alta em uso de prednisona, tacrolimo e micofenolato sódico. O histopato-lógico do explante evidenciou necrose hepática maciça associada a intensa in+ amação, compatível com o diagnóstico de hepatite autoimune, sendo a paciente conduzida como tal, mantendo es-quema tríplice de imunossupressão. Atualmente, com quase 10 anos de idade, é acompanhada em regime ambulatorial com de-senvolvimento normal.277INTRODUÇÃOO TH para tratamento das doenças hepáticas crônicas em crianças tem despontado como um procedimento de sucesso, pro-porcionando uma vida longeva e saudável. A escassez de órgãos, um importante limitador para a realização de transplantes nessa faixa etária, tem sido revertida graças às inovações nas técnicas ci-rúrgicas. O uso de doadores pediátricos e as técnicas de redução hepática e split-liver, além dos avanços com TH intervivos, têm contribuído para reverter o longo tempo de espera desses pacientes na lista, situação caótica nas décadas de 1980 e 1990.Há algum tempo, o foco dos serviços de TH pediátrico era a busca incessante por enxertos para o transplante. Atualmente, o interesse maior é o cuidado máximo com o pós-operatório com ênfase em uma imunossupressão otimizada e no diagnóstico pre-coce e tratamento das complicações. O trabalho multidisciplinar é a chave do sucesso de um programa de transplante pediátrico. Todos esses pro/ ssionais desempenham um importante papel em gerir e buscar a cura para uma das doenças mais desa/ adoras da medicina moderna: a doença hepática crônica em crianças.As principais indicações de TH infantil são divididas em afec-ções com colestase extra-hepática e intra-hepática; causas metabóli-cas; disfunção hepática aguda; tumores primários do fígado e / brose cística. Na tabela abaixo estão as principais doenças que motivaram o TH em pacientes pediátricos em 2445 transplantes registrados pelo Studies of Pediatric Liver Transplantation – SPLIT study.278Tabela 1 – Dados do SPLIT study sobre as principais indicações para o transplante de fígado em 2445 criançasINDICAÇÕES FREQUÊNCIADoença Colestática Crônica 54.3%Atresia de vias biliares 41.1%Síndrome de Alagille 2.9%Colangite Esclerosante Primária 2.7%Colestase induzida por NPP 1.8%Colestases Intra-hepáticas progressivas (PFICS) 1.5%Colestase Idiopática 1.1%Hepatite Neonatal 1.0%Cirrose biliar, outras 2.2%Hepatite Fulminante 13.8%Cirrose 6.7%Hepatite Autoimune 2.9%Doenças Metabólicas 14.4%Defi ciencia alfa1antitripsina 3.0%Defeitos do cilo da ureia 2.4%Fibrose Cística 1.6%Doença de Wilson 1.2%Tirosinemia 1.0%Hiperoxalúria primária 0.7%Síndrome de Crigler-Najjar 0.7%Neoplasias primárias do Fígado 6.2%Hepatoblastoma 4.2%Outras causas 4.7%Fibrose Hepática congénita 1.0%Síndrome de Budd-Chiari 0.4%Toxicidade 0.7%Fonte: MCDIARMID; ANAND; LINDBLAD, 2004.279Doenças colestáticasTradicionalmente, o paciente pediátrico transferido para um centro transplantador é um recém-nato com doença hepática colestática grave. No Brasil, no maior centro de TH infantil, as doenças colestáticas representam pouco mais da metade de todas as causas. Nas populações com menos de 1(um) ano e com menos de 6kg, essa porcentagem ainda parece ser mais predominante. A grande maioria dessas crianças foi submetida ao procedimento de Kasai, porém, a falha em conseguir
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